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Elon Lages Lima Cumprindo o que prometemos ao Professor Zoroastro Azambuja Filho, vamos justicar aqui o emprego da função de tipo exponencial, y = bat, em situações como a eliminação pelo corpo humano de substâncias nele administradas. Para maior clareza, usaremos um modelo mais simples, considerando um tanque com água em vez de uma pessoa, e vamos supor que as duas situações são análogas, como várias outras. Em nosso exemplo temos, no tanque, B gramas de sal diluídas em V litros de água. A solução se mantém homogênea pela ação de um misturador. Há duas torneiras. Uma delas despeja um fluxo constante de água e a outra escoa a salmoura numa quantidade que é, em cada instante, igual ao volume de água que está entrando. No instante inicial t = 0, em que as duas torneiras foram simultaneamente abertas, a concentração do sal era b = B/V gramas por litro. Usaremos a notação f(b, t) para indicar a concentração do sal na mistura após decorrido o tempo t. Portanto, f(b, 0) = b e, para b fixo, f(b, t) é uma função decrescente de t. Nosso objetivo é mostrar que a função y = f(b, t) é do tipo exponencial, isto é, que se tem f(b, t) = bat para um certo número positivo a, necessariamente menor do que 1. Para isso, estabeleceremos duas propriedades de f(b, t): Primeira: Para todo t fixo, f(b, t) depende linearmente de b. Essa propriedade significa que f(cb, t) = cf(b, t). Ou seja: se começarmos com cB gramas de sal (equivalentemente: concentração inicial cb) então, em cada instante t, a concentração será cf(b, t) em vez de f(b, t). Para mostrar, por exemplo, que f(2b, t) = 2f(b, t), consideremos no mesmo tanque uma salmoura cuja concentração inicial fosse de 2b (gramas/litro). Decorrido o tempo t, a concentração de sal na salmoura é igual a f(2b, t) gramas/litro = 2f(b, t) gramas/litro. O mesmo raciocínio se aplica para mostrar que f(nb, t) = nf(b, t) para qualquer número natural n. Pelo Teorema Fundamental da Proporcionalidade, tem-se f(cb, t) = cf(b, t), seja qual for o número c > 0. Em particular, tem-se f(b, t) = bf(1, t). O Teorema Fundamental da Proporcionalidade tem seu significado, sua relevância e sua demonstração apresentados nas páginas 92 e 98 do livro A Matemática do Ensino Médio, vol. 1. Vejamos agora a outra propriedade da função f(b, t) que nos interessa: Segunda: Para quaisquer b, s e t não-negativos, tem-se f(b, s + t) = f(f(b, s), t). A fim de estabelecer a validez dessa propriedade, convém esclarecer o que ela significa. Tem-se uma salmoura na qual, antes de se abrirem as torneiras, a concentração de sal era de b gramas/litro. O número f(b, s + t), como sabemos, representa a concentração de sal existente quando for decorrido o tempo s + t após a abertura simultânea das duas torneiras. O número f(f(b, s), t) significa a concentração de sal, que existiria no tanque após decorrido o tempo t, supondo que, ao abrirem-se as torneiras, a concentração inicial fosse f(b, s) em vez de b. Ora, se começarmos com a concentração b, ao atingir o tempo s a concentração será f(b, s) e, a partir daí, deixando passar o tempo t, a concentração do sal na mistura pode, indiferentemente, ser considerada como f(b, s + t) ou como f(f(b, s), t). Portanto, tem-se f(b, s + t) = f(f(b, s), t). Nosso objetivo será atingido portanto ao demonstrarmos o teorema que se segue. Para prová-lo, faremos uso do teorema seguinte: Se a função decrescente : [0; + ) R+ é tal que (s + t) = (s)(t) para quaisquer s, t, então existe um número positivo a (necessariamente menor do que 1) tal que (t) = at para todo t. Essa é uma caracterização da função exponencial. Sua demonstração não é difícil. Primeiro tomamos a = (1). Em seguida vemos que (2) = (1+1) = (1)(1) = a2 e, mais geralmente, para todo n N tem-se (n) = (1 + 1 + ... + 1) = (1) (1) ... (1) = a.a ... a = an. Se r = p/q é um número racional positivo, quociente dos números naturais p, q, temos (r)q = (r) ... (r) = (r + ... + r) = (qr) = (p) = ap, logo . Vemos assim que, pondo a = (1), a função j que admitimos satisfazer a relação (s + t) = (s) (t) é da forma (t) = at para todo t > 0 racional. Levando em conta a monotonicidade de , que não foi usada até agora, mostra-se que se tem ainda (t) = at mesmo quando t é irracional. (Veja a prova na página 184 do livro A Matemática do Ensino Médio, vol. 1.) Vejamos o teorema que completa nossa missão.
Seja f uma função que faz corresponder a cada b > 0 e a cada t > 0 um número f(b, t) com as seguintes propriedades: 1a) para todo t > 0 fixo, f(b, t) depende linearmente de b. 2a) para quaisquer b > 0, s > 0 e t > 0, tem-se f(b, s + t) = f(f(b, s), t). 3a) para todo b > 0 fixado, f(b, t) é uma função positiva e decrescente de t. Então, pondo a = f(1, 0), tem-se f(b, t) = bat para todo b > 0 e todo t > 0. Demonstração Pela primeira propriedade, tem-se f(b, t) = bf(1, t). Como (t) = f(1, t) é uma função positiva e decrescente de t, basta mostrar que (s + t) = (s) j(t) para concluir que (t) = at, onde a = (1) = f(1, 1). Ora, temos de fato: (s + t) 1 = f(1, s + t) = f(f(1, s), t) = f(1, s) f(1, t) 4 = (s) (t): A primeira igualdade acima é meramente a definição de . A segunda igualdade decorre da segunda propriedade admitida na hipótese do teorema. A terceira igualdade decorre da linearidade de f em relação a sua primeira variável (primeira parte da hipótese). Finalmente, a quarta igualdade resulta igualmente da definição de . Tendo estabelecido que (s + t) = (s) (t), a caracterização da função exponencial nos assegura que (t) = at. Segue-se então que f(b, t) = bf(1, t) = b (t) = bat. Está, portanto, concluída a contextualização.
1. O teorema anterior é válido ainda quando na terceira hipótese troca-se decrescente por crescente. A conclusão, nesse caso, será então que f(b, t) = b.at, em que a > 1. 2. A fim de controlar o meu colesterol, eu tenho que tomar a cada 24 horas um comprimido de um determinado medicamento. Segundo tudo indica, a medicação é de uso continuado, isto é, permanente. A bula do remédio me diz que a concentração máxima da droga contida no medicamento é atingida em média 90 minutos após sua administração. Diz também que a meia-vida da concentração plasmática é de aproximadamente 14 horas. Cada vez que ingiro um comprimido, há um resíduo dos comprimidos anteriores que ainda permanece no meu organismo. Evidentemente, esse resíduo cresce com o tempo. Pergunta: À medida que se passam os dias, meses e anos, esse resíduo cresce ilimitadamente ou tende a um limite finito? Nesta última hipótese, qual seria esse limite? |