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Calixto Garcia As construções geométricas desempenham um papel relevante na Matemática. Possibilitam a aplicação e a revisão de conceitos adquiridos, resolvem muitas vezes situações aplicáveis ao cotidiano e seu estudo pode esclarecer a solução de problemas tradicionais em Geometria. Por esses motivos, é sempre interessante enfatizar a importância de seu estudo nos currículos escolares. Este artigo tem por objetivo, através de alguns exemplos, ilustrar o emprego das construções geométricas no ensino da Matemática.
Na elaboração de listas de exercícios para nossos alunos, é comum nos tempos de hoje contarmos com a ajuda do computador, através dos já consagrados editores de texto: ficam mais apresentáveis e convidativas. Nos exercícios de Geometria, em que é necessário desenhar figuras, esses editores, por sua natureza, mostram suas limitações (por exemplo, na colocação de textos e figuras para a exata posição que desejamos). Para contornarmos esse obstáculo, podemos utilizar os programas de computador conhecidos como Geometria Dinâmica, entre eles o software Cabri-Geomètre, apresentado na RPM 29. Uma vez ali construídas geometricamente as figuras, é só transportá-las para o documento de texto. É o que pode acontecer ao se propor, por exemplo, a seguinte questão: O triângulo ABC da figura é retângulo em A e as circunferências são tangentes entre si e aos lados desse triângulo. Determinar o raio da menor. Deixemos a resolução a cargo do leitor e vamos portanto nos concentrar em uma idéia para a construção geométrica da figura. Dado um triângulo ABC, vamos começar pela circunferência maior, por meio da obtenção do incentro do triângulo e analisemos a figura acima, na qual traçamos uma estratégia de como conseguir o centro da circunferência menor: O ponto P é o incentro do triângulo ABC e R e D são as interseções de BP com a circunferência inscrita I. Construindo por R a paralela a DM, que corta AB em N e, por N, a perpendicular a AB, encontraremos na reta BP o ponto Q, centro da circunferência menor. Isso ocorre porque uma homotetia de centro B transforma a circunferência maior na menor e o triângulo PMD no triângulo QNR.
Há circunstâncias, tais como a exibida no item anterior, em que desejamos construir geometricamente uma figura, objeto de um problema a se propor, sem entretanto ter no momento a intenção de resolvê-lo. Nesse caso, ao imaginarmos a figura pronta, podemos encontrar uma idéia para a resposta do problema, por meio da análise de suas particularidades. E já que estamos falando em triângulo e circunferências, vamos examinar a figura associada ao problema seguinte, publicada também na seção Cartas do Leitor da RPM 22. Valendo-se da técnica de supô-la construída, acabaremos descobrindo (mais) uma maneira de resolvê-lo. Calcular a medida do raio r na figura 1 da página seguinte, em que BÂC é reto. A figura 2 exibe uma estratégia de como obter geometricamente os centros das circunferências, em que I é o incentro do triângulo ABC.
Isso nos conduz a uma forma de resolver o problema: determinando os lados r e 2r do retângulo inscrito no triângulo ABI, de base e altura com medidas conhecidas. E, com isso, essa construção está possibilitando a aplicação de conceitos adquiridos.
Da semelhança entre os triângulos ABI e PQI temos: (*) que pode ser obtido no Cabri-Geomètre, ou com o auxílio de sua calculadora ou (melhor ainda) pelo teorema de Tales (sendo iguais os ângulos indicados). Agora é só iniciar a construção pelo ponto A e, transportando r, obter P e Q, centros das circunferências. Quanto à solução, temos que b = 12 e h = 3, raio da circunferência inscrita no triângulo ABC, que não é de difícil obtenção. De (*), r = 2.
O exemplo a seguir trabalha com razão de semelhança e teorema de Pitágoras. Seja uma porção de terra cercada, na zona rural de uma cidade, que possui a forma de um triângulo, cujo maior lado tem comprimento a. Deseja-se dividi-la em duas regiões de mesma área com uma cerca que seja paralela ao lado de maior medida. Qual deve ser o comprimento dessa cerca? Para resolver o problema, empregaremos o seguinte teorema: "A razão entre as áreas de figuras semelhantes é igual ao quadrado da razão de semelhança".
Como os triângulos AMN e ABC são semelhantes, tem-se que: . Para proceder à construção de MN, usamos o teorema de Pitágoras: na figura da direita, Agora é só transportar essa medida sobre o lado BC e realizar uma translação, obtendo MN.
Outra função de interesse prático desempenhada pelas construções geométricas está em conseguir caminhos de menor extensão. É comprovado ser de menor distância o trajeto da luz entre dois pontos, após reflexões sucessivas em espelhos planos. Esse fenômeno, por assim dizer, justifica um dito popular: a natureza é sábia. Um exemplo neste contexto aparece no livro Isometrias e ornamentos no plano euclidiano, de E. B. Ledergerber-Ruof: "Um índio que mora na casa A quer buscar água no rio r e lenha na beirada da mata m, e levar para a casa B. Em que ponto X do rio r e em que ponto Y da mata m o índio tem que buscar a água e a lenha, respectivamente, para que o trajeto AX + XY + YB tenha comprimento menor possível?" Sejam A' o simétrico de A em relação à reta r e B' o simétrico de B em relação à m.
Como AX = A'X e BY = B'Y, e estão alinhados os pontos A', X, Y e B', segue que AXYB é a menor distância procurada. O seguinte exemplo também foi inspirado em um exercício do livro citado: Dois rios separam duas cidades A e B (suponhamos as margens dos rios formadas por pares de retas paralelas). Em que pontos M e N nas margens de um rio e P e Q nas margens de outro rio devem ser construídas duas pontes (cada qual perpendicular às margens), tal que o caminho de A para B, passando pelas pontes, tenha comprimento mínimo? Conforme a figura, o ponto A' pode ser obtido de A pela mesma translação que leva perpendicularmente uma margem na outra do rio 1. De modo análogo, obtemos B'. O segmento A'B' intercepta as margens internas dos rios em N e P. Os pontos M e Q são tais que MN e PQ são perpendiculares às margens de cada rio. Isso posto, não é difícil justificar que AMNPQB é mínimo.
Não só "a Álgebra é generosa", como afirmou D'Alembert. A Geometria nos disponibiliza uma ferramenta (a construção geométrica), cuja função precípua no ensino é a de permitir a aplicação de sua teoria, materializando idéias, para melhor compreensão de seus conceitos. As situações apresentadas neste artigo oferecem alguns entre muitos outros prazeres que as construções geométricas nos proporcionam. É preciso que esta atividade seja incorporada definitivamente à Geometria. Só assim estaremos reconhecendo a importância de seu papel.
Referências bibliográficas Revista do Professor de Matemática,
nos 13, 22 e 29. São Paulo. |