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José
Luiz Pastore Mello
A utilização do geoplano como ferramenta didática para o ensino de tópicos da geometria é bem conhecida, embora haja outras possibilidades de uso desse dispositivo didático. Propõe-se neste artigo a apresentação do geoplano como recurso visual para o estudo dos números racionais e de algumas de suas propriedades. A atividade pode ser realizada, com um geoplano construído com madeira, cortiça ou isopor, em que os pontos da malha são marcados com pregos, percevejos ou alfinetes.
Números racionais são aqueles que podem
ser escritos na forma de fração , com p e q inteiros, e q 0. Assim,
podemos associar a cada número racional um par ordenado de inteiros
(p, q), o que permitirá a visualização
desse número em um geoplano ordenado (geoplano com marcações
numéricas) como o da figura.
Sem perda de generalidade,simplificaremos nossa análise estudando apenas as frações com numeradores e deno-minadores positivos em um geoplano 8´8, lembrando que o estudo torna-se mais interessante em geoplanos maiores. Por exemplo, na figura, os pontos A, B, C e D representam, respectivamente, os números racionais Utilizando elástico, linha ou barbante, podemos, como exercício, começar a praticar o uso do geoplano ordenado fazendo as seguintes marcações: 1) todas as frações diferentes de zero com denominador 5; 2) todos os números naturais diferentes de zero; 3) todas as frações equivalentes a 1/2. As respostas estão ilustradas na figura abaixo.
Complementando o exercício, podemos observar que: as frações de mesmo denominador necessariamente estão alinhadas horizontalmente; as frações impróprias estão localizadas ou na diagonal que passa pela origem, ou à sua direita; frações equivalentes necessariamente estão alinhadas entre si e com a origem do geoplano. O geoplano ordenado também permite determinar um procedimento para fazer adição de frações. Por exemplo, para fazer , os passos são: 1) marcamos o conjunto de frações equivalentes a 1/2; 2) marcamos o conjunto de frações equivalentes a 2/3; 3) procuramos frações dos conjuntos marcados que estejam alinhadas horizontalmente e, nessa mesma linha de alinhamento, encontramos o resultado da operação adicionando os numeradores das frações de denominador comum.
Uma outra tarefa simples que pode ser feita com o uso do geoplano é a ordenação de um subconjunto de números racionais. Observe, no exemplo anterior, que podemos concluir que pela comparação das frações equivalentes . Outra maneira de verificar isso é ver que a inclinação da reta pela origem que corresponde à fração é maior que a inclinação da reta pela origem que corresponde à fração . Ou seja, quanto maior a inclinação, menor é a fração e, de fato, a inclinação da reta é o inverso da fração correspondente.
Imaginemos agora uma situação em que o geoplano representa uma floresta, sendo cada ponto a representação de uma árvore muito fina. Se estivéssemos localizados na origem, e olhando na direção da floresta, quais árvores seriam visíveis? Uma árvore correspondente à fração não seria visível por ter à sua frente as árvores correspondentes a . Nessa linha de visada, a única árvore visível seria aquela correspondente à fração . Explorando essa idéia para outras frações, podemos dizer que um ponto (p, q) do geoplano é visível da origem se e somente se p e q são números primos entre si, o que implica dizer que as árvores visíveis são aquelas representadas por frações irredutíveis , como mostra a figura a seguir.
Sabemos que o conjunto dos racionais é enumerável (ver RPM 4, p. 4-8), o que significa dizer que podemos estabelecer uma correspondência biunívoca entre o conjunto dos racionais e o dos números naturais (lembramos mais uma vez que, para efeito de simplificação, estamos trabalhando apenas com os racionais positivos). Uma vez que a representação das árvores visíveis a partir da origem indica todas as frações irredutíveis que compõem o conjunto dos racionais, podemos utilizá-la para colocar os racionais em fila, o que possibilitará estabelecer a bijeção entre Q e N:
Nesta representação, torna-se intuitiva a seguinte propriedade dos números racionais: Se r, s são racionais com r < s, então existe um outro racional t tal que r < t < s. Em palavras, entre dois racionais sempre existe um terceiro racional. No geoplano, essa propriedade se verifica pelo fato de haver sempre uma reta ligando a origem a um ponto de coordenadas inteiras situado "entre" as retas correspondentes aos dois números racionais dados. A figura a seguir mostra, por exemplo, a fração
Em um geoplano infinito, as árvores visíveis da floresta indicariam todos os números racionais. Imaginando um observador localizado na origem do geoplano, e com visão em linha reta de alcance infinito, poderíamos nos perguntar: será que, para qualquer direção que aponte a linha de visão do observador, ele irá enxergar uma árvore? Sabemos que isso não é verdade porque existem números que não podem ser escritos como quociente de inteiros: os números irracionais. Por exemplo, se a linha de visão do observador for representada por uma reta com declividade , que denotaremos , essa reta nunca interceptará uma árvore da floresta. As retas próximas a , que passam pela origem e pontos de coordenadas inteiras, têm declividades próximas de , ou seja, os inversos de suas declividades são boas aproximações racionais para (a linha de declividade está "cercada" de aproximações racionais de ).
Algumas dessas aproximações cometem erro por excesso, como e outras por falta, como
Todas as frações cujos inversos cometem erros por excesso estão localizadas à esquerda da reta de declividade e aquelas cujos inversos cometem erros por falta estão à direita dessa reta. Observe na figura que as retas que passam por são boas aproximações de , por falta e excesso, respectivamente. Suas inclinações são e (). Num geoplano 20´20 poderemos obter aproximações melhores, como 17/12, em que o erro (por excesso) se dá apenas na terceira casa decimal.
Referências bibliográficas [1] GARDNER, Martin. The Lattice of
Integers (in Sixty book of mathematical games from Scientific American.
San Francisco, W. H. Freeman and Company, 1971).
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