Adelmo Ribeiro de Jesus
FJA/UCSAL
Eliana Prates Soares
UFBA

     I - Os avanços da tecnologia

Meu número preferido é o 9. Não porque 9 = 32, ou porque o “9” é o “6” de cabeça para baixo. Para mim ele é o número mágico que me faz ter acesso ao “atendimento personalizado”, nas ligações telefônicas. Após ouvir aquela voz semicomputadorizada: “disque 2 para cancelar seu cartão, 3 para extratos, 4 para detalhamento da fatura, 5 para....”, fico pensando logo em digitar o 9, e no atendimento que terei logo a seguir com uma pessoa que se identifica, fala português como eu, pode ouvir e sugerir por exemplo o que devemos fazer com nossa pequena poupança. É isso, vivemos hoje em época de contatos efêmeros, rápidos e cada vez mais digitais, em que a tecnologia tende a querer nos controlar e até dominar, com suas senhas numéricas e agora com as famosas “letras de acesso”. Antes era só a Matemática que era necessária para usar uma conta bancária, agora precisa-se também do Português!

Resolvi, de uma certa forma, fazer o contrário: se não é possível humanizar completamente um computador, podemos tentar pelo menos torná-lo mais tranqüilo, mais lento, a ponto de podermos entender certas coisas que ele faz. Foi assim que pensei no seguinte:

Um professor real, humano, traça no seu quadro um segmento de reta ou mesmo uma curva de forma natural, ligando um dado ponto a outro. Já em um programa computacional, a coisa é diferente. Quando pedimos o gráfico da função y = x2, por exemplo, vemos instantaneamente a figura num “piscar de olhos”, como uma transparência já pronta e acabada. Será que não é possível melhorar essa visibilidade, imitando um professor em sala de aula? Em outras palavras, a questão que se coloca é: como tornar um Pentium IV mais compreensível, a ponto de nos mostrar o gráfico de y = x2 mais lentamente, de preferência com uma velocidade controlada por nós mesmos? Extrapolando essa situação para curvas e superfícies no espaço, podemos indagar: É possível compreender a construção de uma superfície, como a de um helicóide, por exemplo?

    II - Melhorando nossa maneira de ver

Como mencionado anteriormente, nossa intenção é apresentar modelos para construir gráficos de funções que nos possibilitem enxergar, ver o traço sendo executado. Esses mecanismos utilizam basicamente a noção de “parametrização” e na nossa opinião são úteis para dinamizar e facilitar o entendimento dos alunos. São dois os modos para a construção: (*)

a) modo “discreto”: construir e visualizar uma curva (plana ou espacial) através de inúmeros pontos dela.

b) modo “contínuo”: construir o traço de uma curva y = f(x) (ou uma superfície) continuamente.

O modo “discreto” é tratado logo a seguir. O modo “contínuo” é detalhado na seção IV, incluindo a demonstração de um teorema sobre animação de curvas, que esclarece perfeitamente essa construção.

    III - Opção a) A idéia de ponto genérico

Quando digitamos no Winplot (programa gratuito em português, encontrado em http://math.exeter.edu/rparris) P = (-1, 1), Q = (2, 4), ou R = (3, 9), estamos plotando 3 pontos fixos do plano. Neste caso, como cada coordenada y desses pontos é o quadrado da coordenada x, concluímos que esses pontos P, Q, R são três pontos (fixos) que pertencem ao gráfico da curva y = x2.

Se quisermos plotar um ponto genérico dessa curva, como fazemos? A idéia é simples mas eficiente: Basta escolher uma letra do alfabeto para servir de parâmetro (por exemplo, a), e digitar ( a, a^2 ). Ativando  o  botão  de  animação  (opção Anim A),   teremos  um  ponto P = (a, a2) movendo-se pela tela, descrevendo nitidamente uma curva de formato parabólico.

Para ver melhor o aspecto da curva, pode-se escolher a opção “família” (no caso “família dos pontos” ).

Construção análoga pode ser feita com a curva y = sen(x) , digitando-se  um “ponto genérico” P = (a, sin(a)). Um professor normalmente plota em sala de aula os pontos mais representativos dessa curva, e depois argumenta que o formato de y = sen(x) tem aquele aspecto. Com o método de animar o ponto genérico, fica bem mas fácil perceber o formato da curva y = sen(x), além de termos possibilidade de escolher a velocidade da animação e o número de pontos da família que queremos ver.

    IV - Opção b) Construindo o traço continuamente

Para efetuar a construção dos traços de curvas, ligando-se um ponto a outro do plano (ou espaço), utilizamos a forma paramétrica dessa curva e introduzimos mais um parâmetro para visualizarmos essa construção. Mais precisamente, dada uma função y = f(x), a x b, trocamos x pela variável t. Dessa forma, as equações dessa curva neste novo parâmetro t são

A rapidez do Pentium pode ser administrada se inserirmos um outro parâmetro k de animação, a fim de visualizarmos o seu traço, tão lentamente quanto desejarmos. O caso mais simples é o que descrevemos a seguir.

b1) Curvas que se iniciam na origem O = (0, 0)

Como x(t) = t, isso corresponde a iniciar a animação em t = 0 , ou seja, a = 0.

Exemplo 1: y = sen x , 0 < x < 2p

As equações paramétricas de y = sen(x) ficam

Inserindo um novo parâmetro k, temos a animação no Winplot:

e pondo 0 < k < 1.

Ativando o parâmetro   k,  obtemos a construção do gráfico dessa  curva, do ponto (0, 0) até (2, 0).

Exemplo 2: As equações paramétricas:

descrevem no plano a curva y = tg(x), iniciando-se em x = 0. Para ver nitidamente o comportamento dessa função, inclusive com os comportamentos próximos aos pontos de descontinuidade x = /2 , 3/2, etc., introduzimos um novo parâmetro (por exemplo, k).

Animação no Winplot: , e pondo 0 < k < 1.

b2) Curvas que se iniciam em um ponto qualquer do plano

Quando a curva que desejamos não se inicia no ponto (0, 0), a parametrização é um pouco mais delicada. A seguir descreve-se a lógica dessa escolha. Antes, apresentaremos mais um exemplo.

Exemplo 3: Construção do traço da curva   y = x2 , -2 < x < 3

Suponhamos que queiramos ligar os pontos P = (-2, 4) a Q = (3, 9) através da parábola y = x2, de maneira lenta e gradual. Como fazer?

As equações paramétricas dessa parábola são:

Neste caso, a construção será dada por:

-2 < x < 3, 0 < k < 1.

A lógica dessa animação é a seguinte:

Quando k = 0, temos x(t) = -2 e y(t) = 4. Conseqüentemente, o programa só exibe o ponto
P
= (-2, 4).

Quando k = 1, temos

x(t) = -2 + (t + 2) , ou seja,

x(t) = t. Temos também que

y(t) = (-2 + (t + 2) )2 , ou seja,

y(t) = t2, o que nos fornece a curva y = x2 inteira, de P até Q.

Os passos intermediários 0 < k < 1 nos dão as várias "gradações" da curva y = x2.

    V - Reparametrizar para construir o caminho que liga dois pontos

Podemos enfim enunciar um princípio geral para animação de curvas, que ligam dois pontos do plano: Se , a < t < b é uma curva plana que liga os pontos P = (f(a), g(a)) a Q = (f(b), g(b)), a reparametrização

a < t < b e 0 < k < 1 fornece a animação da curva desde o ponto inicial P até o ponto final Q.

Justificativa: O novo parâmetro t = a + k (t - a) é tal que:

Quando k = 0, temos t = a. Logo, , o que representa o ponto P.

Quando k = 1, temos t = a + 1(t - a) = a + (t - a) = t, o que nos dá toda a curva.

Os passos intermediários 0 < k < 1 nos darão t = a + k(t - a). Quando t varia entre a e b, o parâmetro t varia entre a e a + k(b - a) = (1 - k)a + kb, gerando as "curvas intermediárias"

Exemplo 4: Considere os pontos P = (-2, 4) e Q = (3, 9). Vamos construir a animação do segmento PQ  que  une  esses  pontos,  juntamente  com  o  da  parábola  y = x2 , no intervalo -2 x 3.

Solução: Um ponto genérico P(t) =(x(t), y(t)) do segmento PQ é dado por P(t) = P + t(Q - P) , onde 0 t 1.

Substituindo esses pontos na equação, temos (x(t), y(t)) = (-2, 4) + t(5, 5).

Logo, as equações paramétricas do segmento são:

Temos que a = 0, pelo visto anteriormente. Logo, o novo parâmetro será = 0 + k(t - 0), ou seja, que = kt.

Logo, a construção contínua do segmento é obtida digitando-se:

A parábola já foi vista no Exemplo 3. Suas equações são

Temos  neste  caso  que  a = -2 ; o  novo parâmetro  será  = -2 + k(t - (-2)),  ou  seja,  que = -2 + k(t + 2). Dessa forma, teremos a construção do caminho:

Ativando o parâmetro k entre 0 e 1, temos as seguintes visualizações:

    VI - Curvas e superfícies no espaço

O processo para construir o traço de uma curva ou superfície no espaço é análogo ao de curvas no plano, lembrando que o "parâmetro extra" de animação deve sempre variar entre 0 e 1.

Exemplo 5: Animação de uma hélice no espaço

As equações paramétricas de uma hélice são:

Neste caso temos uma hélice "inscrita" no cilindro x2 + y2 = 4 . Como a = 0, nosso teorema permite reparametrizar a hélice como

Ativando a animação com o parâmetro k, temos:

Exemplo 6: Construção do helicóide

O helicóide é uma superfície regrada, gerada por retas que passam pelos pontos da hélice e que são perpendiculares ao eixo Oz.

Dessa forma, se uma hélice tem equações

a parametrização do helicóide ficará

0 < t < 2p, u > 0.

Para visualizar a construção contínua do helicóide, introduzimos o parâmetro adicional k como abaixo:

Exemplo 7: Construção do helicóide através das retas geratrizes (modo discreto)

Equações paramétricas das hélices (2 parâmetros de animação):

Observação: Os parâmetros a e b nos dão boas possibilidades para explorar as hélices no espaço. No nosso caso, para  melhorar  a  construção e  visualização  do  helicóide,  utilizamos a = 2, b = 0,5.

Construção
Dado um ponto genérico da hélice Pc = (2cos(c); 2sin(c); 0,5c), achamos as equações paramétricas do segmento que liga Pc até o ponto Qc = (0; 0; 0,5c) do eixo Oz. Em outras palavras, a equação vetorial desse segmento de reta (x(t), y(t), z(t)) = Qc + t(Pc - Qc) nos fornece os segmentos animados com o parâmetro "c":

Dessa forma, podemos obter a construção do helicóide, gerado pela união desses segmentos.

Exemplo 8:

Superfície cilíndrica ao longo da curva
y
= senx

Essa atividade imita um professor de matemática, desenhando com seu pincel o gráfico  da  função y = sen(x). O último quadro mostra a superfície cilíndrica gerada pela família dos segmentos que representam os pincéis.

As equações paramétricas dessa curva seno são dadas por e a construção "contínua" dessa curva pode ser feita como visto acima. O pincel do professor é dado por um "segmento" paralelo ao eixo Oz iniciando em um ponto genérico da curva seno.

Deixamos ao leitor a tarefa de completar o restante dos detalhes dessa construção. Qualquer dúvida (ou sugestão) pode ser endereçada para adelmo@ufba.br ou então para ajesus@faculdadesjorgeamado.com.br


(*) É verdade que uma dessas opções já está encorporada nos softwares mais pesados, como o Maple e o Mathematica. Nossa intenção é ressaltar a possibilidade de desenvolver essas atividades em softwares gratuitos disponíveis para professores e alunos em geral, utilizando equações relativamente simples.