Adaptação do texto publicado na seção Galeria de Matemáticos
do Jornal de Matemática Elementar, Lisboa, novembro de 2004

  Richard COURANT

Richard Courant nasceu em 8 de janeiro de 1888 na cidade de Lublinitz (Prússia-Alemanha) atualmente designada Libliniec e pertencente à Polônia. Foi o primeiro filho de Siegmund Courant e Martha Feund oriundos de uma família judia. Quando do nascimento do segundo filho do casal, Siegmund vendeu a sua quota no comércio familiar em Lublinitz e comprou outro comércio em Glatz; um terceiro filho nasceu no ano em que se mudaram para essa segunda cidade; Richard tinha nessa altura apenas três anos. Seis anos mais tarde, a família mudou-se, dessa vez para Breslau, onde Richard começou a escolaridade no Konig-Wilhelm Gymnasium, a princípio com alguma dificuldade sendo mesmo “menos que satisfatório” em Aritmética(!).

Todavia, aos 14 anos era já tutor, ganhando dinheiro bastante para se sustentar. Embora não tivesse feito os exames necessários para entrar na Universidade, Richard deixa o Gymnasium em 1905 e frequenta voluntariamente aulas de Matemática e de Física na Universidade de Breslau. Em 1906, foi aprovado nos exames de entrada na Universidade e continuou então a estudar como aluno regular. Embora sua intenção original fosse estudar Física, Richard Courant achou esse ensino menos satisfatório optando pela Matemática.

Na primavera de 1907, Richard Courant deixou Breslau, passou um semestre em Zurich (Suiça) e começou os seus estudos em Gottingen no dia 1 de novembro de 1907, frequentando cursos de David Hilbert e de Hermann Minkowski (1964-1909). Também foi admitido para frequentar o seminário desses dois matemáticos, em Física Matemática; frequentou ainda aulas de Física e de Filosofia.

Em 1910, Richard Courant obteve o seu doutoramento na Universidade de Gottingen sob a supervisão de Hilbert, de quem aliás fora assistente durante 4 semestres. A sua tese intitulou-se Uma aplicação do Princípio de Dirichlet aos problemas de cartografia.

Em 23 de fevereiro de 1912 deu sua aula inaugural em Gottingen intitulada Existência de provas em Matemática. Continuou nessa universidade até o início da I Gerra Mundial (1914-1918), não sendo esse período particularmente produtivo para Courant. No verão de 1912 casou-se com Nelly Neumann, uma amiga de seu tempo de Breslau que era também matemática.

Durante a gerra foi convocado pelo exército, sendo envolvido em combates nos quais viu morrerem metade dos seus camaradas soldados. Sugeriu então, um plano para um sistema telegráfico que usava a superfície terrestre como condutor e foi autorizado a voltar para Gottingen onde a idéia foi discutida, posta em prática e foi produzida uma caixa para transmitir sinais. Richard Courant regressou à sua unidade com a caixa de comunicações que foi muito útil para apoio à infantaria nas batalhas de trincheiras.

Em 27 de setembro de 1915, Courant foi ferido e teve uma licença. Pouco depois divorciou-se.

Depois da guerra, em dezembro de 1918, regressou a Gottingen. Casou -se novamente em 22 de janeiro de 1919 com Nerina Runge, filha do físico e matemático Karl Runge (1856-1927) e dois meses depois começou a ensinar como privatdozent na Universidade de Gottingen. Foi um período de intensa atividade de pesquisa para Courant. Na primavera de 1920, aceitou a cadeira de Matemática na Universidade de Munster, vaga pela aposentadoria do matemático alemão Wilhelm Killing (1847-1923).

Poucos meses depois, David Hilbert e Felix Klein conseguiram trazê-lo de volta para Gottingen. Em 1922, Courant fundou o Instituto Universitário de Matemática (IUM). No mesmo ano publicou um livro sobre a teoria das funções, uma obra conjunta com o matemático alemão Adolf Hurwitz (1859-1919) no qual Courant acrescentou material próprio após a morte de Hurwitz em 1919.

Em 1924, publicou juntamente com David Hilbert, um importante texto Methoden der mathematischen Physik e, um ano mais tarde, começou a escrever um segundo volume dessa obra.

Em janeiro de 1933, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha, Courant foi expulso de Gottingen. Ainda em maio desse ano, Courant recebeu uma carta oficial informando que deveria deixar a Alemanha. O matemático alemão Hermann Weyl (1885-1955) foi nomeado diretor do IUM e fez todos os esforços possíveis para ter Courant reintegrado mas, simultaneamente Courant recebeu ofertas de muitos outros lugares. Aceitou um convite para Cambridge na Inglaterra, apenas para uma visita de um ano, passado o qual rumou para a Universidade de Nova Iorque (EUA).

Os primeiros meses em Nova Iorque foram difíceis: ele era deficientemente pago, não havia matemáticos de qualidade e os estudantes encontravam-se muito mal preparados. Contudo, ele convidou tantos matemáticos quanto possível para dar conferências lá, procurando assim modificar a situação.

Courant construíu um centro de Matemática Aplicada em Nova Iorque baseado no modelo de Gottingen, fazendo muitas novas nomeações, inclusive de numerosos matemáticos que foram forçados a deixar a Alemanha nos anos antes do começo da II Gerra Mundial (1939-1945) e que foram ajudados por ele para obter posições nos EUA.

Em 1940-1941, Courant escreveu um novo livro com Herbert Robbins, um jovem topologista da Universidade de Harvard: What is mathematics? - An Elementary Approach to Ideas and Methodos. Esse livro foi traduzido para o português com o título O que é a Matemática? Uma abordagem elementar de métodos e conceitos.

Na seção livros da RPM 45, há uma resenha desse livro, que é um denso apanhado, para os iniciados no assunto, das grandes idéias que estão por trás da Matemática. O livro, desde seu lançamento foi coroado de êxito em termos de vendas e críticas, sendo uma das obras mais acessíveis e didáticas para aqueles que se interessam pela Matemática.

No Prólogo da primeira edição, Courant escreveu o texto, com partes reproduzidas a seguir, que apesar do tempo em que foram escritas, revelam preocupações sobre o ensino da Matemática, na sua generalidade, ainda bastante atuais.

Desde há mais de dois milênios, uma certa familiaridade com a Matemática tem sido considerada como parte indispensável da formação intelectual de toda a pessoa culta. Na atualidade, sem dúvida, encontra-se em grave perigo o lugar ocupado tradicionalmente na educação por esta disciplina; por desgraça alguns dos profissionais que a representam partilham a responsabilidade de tal situação. O ensino da Matemática tem degenerado com freqüência num vazio treino de resolução de problemas, que embora possa desenvolver uma habilidade formal, não conduz a uma compreensão efetiva, nem a uma maior independência intelectual. A investigação matemática revela uma tendência até à superespecialização e até uma excessiva insistência no abstrato; as aplicações e conexões com outros campos do saber têm sido descuidadas.
Todavia, tal estado de coisas não deve justificar uma política de retraimento. Pelo contrário, a reação oposta pode e deve partir daqueles que se sentem conscientes do valor da disciplina intelectual. Profes-sores, estudantes e público culto pedem uma reforma construtiva e não uma resignação seguindo a linha de menor resistência.
A meta será uma verdadeira compreensão da Matemática como um todo orgânico e como base para o pensamento e para a ação científicos.
Alguns livros esplêndidos de biografia e história e outros mais populares têm estimulado o interesse geral latente; mas o conhecimento não pode ser adquirido utilizando unicamente meios indi-retos. A compreensão da Matemática não pode ser transmitida indiretamente ou como um jogo sem dificuldades, assim como não é possível adquirir uma educação musical por meio de resenhas periodísticas brilhantes, sem que se tenha ouvido boa música com freqüência.
Um contato real com o conteúdo da Matemática viva é necessário, embora alguns detalhes de técnicas e muitas digressões possam ser evitados: a apresentação da Matemática deve estar tão livre de excessos de rotina como o dogmatismo proibitivo que evite revelar o motivo ou a meta, constituíndo assim, um obstáculo de má fé para um esforço honesto. É possível seguir uma rota direta a partir de elementos fundamentais até pontos avançados, dos quais possam divisar-se a substância e as forças diretrizes da Matemática moderna.
O presente livro é uma tentativa nessa direção. Como pressupõe unicamente os conhecimentos adquiridos no ensino básico, pode ser considerado como elementar. Não é, sem dúvida, uma concessão à tendência perigosa que consiste em passar por alto toda a dificuldade. A sua leitura requer um certo grau de maturidade intelectual e um desejo de ter pensamentos próprios.

Seguem-se comentários sobre a produção do livro e agradecimentos a matemáticos, amigos, instituições, etc., que contribuíram para a publicação.

De 1947 até a sua morte, Courant visitou a Alemanha quase todos os verões. Parece que ele nunca considerou a possibilidade de voltar para lá, considerando-se fortemente estabelecido nos EUA. De 1953 a 1958 foi diretor do seu novo Instituto de Ciências Matemáticas da Universidade de Nova Iorque, o qual desde 1964 é designado Instituto Courant.