Antonio Luiz Pereira
IME, USP

É parte do nosso dia-a-dia considerar problemas em que aparecem as noções de máximo e/ou mínimo de uma função ou variável. Assim, quando fazemos um investimento, queremos obter o máximo de rendimentos; quando fazemos uma compra para ser paga em parcelas, procuramos a loja ou forma de pagamento em que os juros sejam mínimos; uma expressão que se incorporou de modo definitivo à vida moderna é “relação custo/benefício”. O leitor já percebeu a forma confusa como ela é utilizada? Situações favoráveis são aquelas em que a relação custo benefício seja mínima, mas com freqüência pessoas expressam desejo de “aumentar” tal relação. Também nas aplicações científicas e tecnológicas, os conceitos de máximo/mínimo são fundamentais. Na indústria de embalagens, além de questões de transporte, armazenamento, etc., há duas perguntas clássicas (que os matemáticos batizaram de “duais”): fixado um valor de volume, qual é o formato da embalagem com esse volume que utiliza o mínimo de material? A pergunta dual é: fixado um valor de área lateral, qual é o formato de embalagem que contém o maior valor possível?

Propriedades minimais e maximais também aparecem em problemas de geometria. Por exemplo, é bem sabido que o caminho de menor comprimento entre dois pontos do plano é um segmento de reta. Em uma superfície genérica, a resposta é uma curva chamada de geodésica. Outro exemplo importante historicamente é o de determinar a forma ótima do tobogã, isto é, a forma que leva à descida de um corpo no menor tempo possível, deslizando numa curva, sob a ação de gravidade.
Neste artigo vamos concentrar nossa atenção em um problema desse tipo, conhecido como Problema Isoperimétrico: determinar, entre todas as curvas fechadas do plano com perímetro fixado, aquela que limita uma região de área máxima. Uma formulação equivalente ao resultado acima, conhecida como Desigualdade Isoperimétrica, é a seguinte: se uma curva fechada do plano tem comprimento L e delimita região de área A, então. A igualdade nessa expressão só ocorre para a circunferência.

Esse problema foi abordado por geômetras gregos como Papus e Zenodoro de Alexandria, mas uma solução aceitável do ponto de vista moderno só apareceu com J. Steiner no século XIX.

Um problema estreitamente ligado ao problema isoperimétrico é o problema de Dido, no qual se procura a curva, também com perímetro dado que, juntamente com uma reta dada, limita uma região de área máxima. Conforme relatado por Virgílio na Eneida, Dido era uma princesa fenícia que, fugindo de seu irmão, um tirano que tinha matado seu marido, acabou por chegar às costas da África (por volta de 850 a.C) com a riqueza que tinha conseguido transportar. Dido não foi recebida com muita hospitalidade, mas conseguiu, afinal, um acordo com Jarbas, o tirano local, para comprar um pedaço de terra onde pudesse se instalar com sua gente. Os termos do acordo, contudo, eram bastante duros. Dido só poderia dispor da região que conseguisse delimitar com a pele de um boi. Dessa maneira, Jarbas imaginou tê-la deixado em maus lençóis. Ele não contava, porém, com a engenhosidade e o talento matemático da jovem princesa, que se saiu com um brilhante estratagema. Primeiro ela cortou a pele do boi em tiras bem finas, de modo a conseguir uma corda bem comprida. Em seguida formou com essa corda uma semicircunferência, cercando um bom terreno de frente para o Mediterrâneo. A forma escolhida era, de fato, a melhor possível, no sentido de delimitar a maior área com a fronteira formada pelo cordão e pela costa, como veremos. Segundo tal lenda essa é o origem da cidade de Cartago.

Alguns resultados preliminares

Por brevidade, vamos sempre nos referir à área da região limitada por uma curva fechada no plano simplesmente como a área da curva.

Apesar da simplicidade no enunciado e do caráter intuitivo de sua solução, o problema isoperimétrico está longe de ser trivial. Sejamos, pois, prudentes e consideremos, inicialmente, problemas mais simples com ele relacionados. Uma possibilidade é considerar o problema para uma classe restrita de regiões. Uma classe onde o problema se torna bem simples é a dos quadriláteros ou, melhor ainda, a dos retângulos no plano. Nesse caso, é bastante fácil mostrar que, fixado o perímetro, o retângulo de área máxima é o que tem lados iguais, ou seja, o quadrado. De fato, vale o seguinte resultado mais forte:

Dados dois retângulos de mesmo perímetro, o de maior área é aquele cuja diferença no comprimento dos lados é menor em valor absoluto.

Para demonstrá-lo, considere dois retângulos, um com lados  a e b  (a > b) e outro com lados a - b + , com  a < a - b  como na figura.

É claro que no primeiro retângulo a diferença entre os lados,  a - b, é maior do que no segundo, a - b - 2.     A área do primeiro é ab, enquanto a do segundo é
Antes de continuar em nossa linha de argumentação, vamos fazer duas observações.

Primeiramente, vamos chamar a atenção para um ponto um tanto sutil, que não foi percebido por muitos daqueles que trabalharam incialmente no problema: Podemos supor que o problema tem solução? Em outras palavras, fixado um perímetro, existirá uma curva para o qual a área seja a máxima possível? De fato, esse problema de existência, que pode à primeira vista parecer trivial, acabou revelando-se a parte mais difícil do problema.

Como veremos, uma vez admitida a existência de uma curva solução, não é tão difícil mostrar que ela deve ser a ‘curva óbvia’ (a circunferência no caso geral, o triângulo equilátero para a classe dos triângulos, etc.). Essa não é uma situação incomum em problemas de maximização/minimização. Para entender o que pode dar errado, considere, por exemplo, o problema de encontrar o triângulo de área mínima com perímetro dado. Como é fácil ver, podemos encontrar triângulos com área arbitrariamente pequena com perímetro dado. Portanto, a solução, se existir, deve ter área nula.Como nenhum triângulo tem área nula, concluímos que a solução, de fato, não existe!

Para outro exemplo, considere o problema isoperimétrico no conjunto de todos os polígonos regulares. Como veremos, dado um tal polígono, podemos sempre aumentar sua área, preservando o perímetro. Basta, para tanto, aumentar o número de lados e portanto, novamente, o problema não tem solução.

Esses exemplos ilustram o fato de que a existência de soluções para problemas de maximização pode depender tanto do problema em si, como do “universo” em que ele está sendo considerado.

Nossa próxima observação está relacionada com a “versão dual” do problema isoperimétrico: entre as curvas fechadas que limitam uma região de mesma área, determinar a de perímetro mínimo.

Se admitirmos que a circunferência é solução desse “problema dual”, não é difícil mostrar que ela também será solução do “problema direto” que estamos examinando. Para tanto, suponhamos, por absurdo, que exista uma curva fechada g com perímetro L e área A maior do que a circunferência CL de mesmo perímetro. Por hipótese, a circunferência CA de área A terá perímetro menor ou igual a L. Mas então a circunferência CA terá área maior e perímetro menor ou igual a CL, o que claramente não pode ocorrer.

Outro resultado que nos será útil adiante é o seguinte: dentre todos os triângulos com perímetro fixado e um lado dado, o de maior área é o isósceles. Podemos, alternativamente, considerar o problema “dual”: encontrar o triângulo de perímetro mínimo com área e um lado fixados. Vamos mostrar que a solução é dada pelo (único) triângulo isósceles que satisfaz as condições requeridas. O resultado para o problema “direto” segue por um argumento similar ao exposto anteriormente.

Consideremos então um triângulo com área A e lado c = PQ, dado. Nessas condições, a altura h do triângulo está determinada e, portanto, o vértice que falta, R, deve estar sobre uma reta r paralela à reta suporte do segmento com distância até a reta igual a h (ver figura). O problema reduz-se então a determinar o ponto R em r de tal forma que a soma das distâncias a = PR e b = RQ seja mínima. A solução é dada pelo ponto R que está na interseção com r da reta que liga o ponto P ao simétrico, , de Q em relação à reta r. Observemos que o triângulo isósceles é a única solução do problema. De fato, qualquer outro triângulo com mesma área terá perímetro estritamente maior.

 

Encerramos esta seção com o seguinte problema: determinar o triângulo de área máxima, dados dois lados.

Considere um triângulo com lados a e b dados, como na figura a seguir.

Sua área é dada por , onde h é a altura relativa a a. Claramente h b e a igualdade ocorre, se e somente se, o triângulo é retângulo com catetos a e b.

 

     Prova supondo a existência

Vamos mostrar, nesta seção, que a única solução possível do problema isoperimétrico é a circunferência. Mais precisamente, veremos que, se um comprimento L foi prefixado, e C é uma curva que delimita área máxima, então C é a circunferência de raio .

Queremos enfatizar que não faremos uma prova de que a circunferência é a solução do problema. O que demonstraremos é que ela é o único candidato remanescente, ou seja: ou bem a circunferência é a solução ou então o problema não tem solução!

Nossa prova segue de perto a prova de Steiner, conforme exposto na referência [2]. Um argumento um pouco diferente pode ser encontrado em [3].

Comecemos mostrando que C é convexa. De fato, se esse não fosse o caso, poderíamos encontrar dois pontos, P e Q, em C, de tal forma que a reta por eles determinada deixa C de um lado (ver figura). Deixamos a prova desse fato para o leitor. Mas, nesse caso, o arco PO´Q, obtido por reflexão de POQ em relação à reta , formaria, com o arco QRP, uma curva de mesmo perímetro, delimitando área estritamente maior do que C, o que, por hipótese, não pode ocorrer.

Tomemos agora uma reta horizontal, dividindo a curva em arcos de mesmo comprimento e interceptando-a em dois pontos, P e Q. Essa reta divide a região interna a C em duas regiões de mesma área. Caso contrário, poderíamos obter uma curva de mesmo perímetro e área maior, refletindo a região de maior área em torno da reta . A parte superior de C junto com sua reflexão em torno de , que chamaremos de , é também solução do problema isoperimétrico. A parte superior de é solução do problema: encontrar a curva de comprimento com extremos na reta que delimita área máxima, ou seja, do problema de Dido. Se provarmos que a solução deste é uma semicircunferência, seguirá que é uma circunferência. Repetindo o mesmo argumento para a reflexão da parte inferior de C, concluiremos que C é uma circunferência.

Resta mostrar que uma solução do problema de Dido deve ser uma semicircunferência. Considere então a figura a seguir, na qual a curva ligando P a Q é uma solução do problema de Dido e O é um ponto qualquer dessa curva. Basta mostrar que o triângulo POQ é retângulo em O. Suponha que não. Imagine que existe uma articulação em O, de forma que P e Q podem ser deslocados para novas posições P´ e Q´ sem deformar as ‘semiluas’ hachuradas na figura, e fazendo com que o novo ângulo em O seja reto. Como vimos na seção 2, o triângulo P´OQ´ teria área maior do que POQ e, em conseqüência, teríamos obtido uma nova curva de mesmo perímetro e área maior, contradizendo a hipótese. Isso mostra que POQ é reto, provando o resultado desejado.

 

 

     Prova sem supor existência

Como já comentamos, a seção anterior fornece apenas um resultado condicional: caso a solução exista, terá que ser uma circunferência. Ocorre que a prova da existência é, talvez surpreendentemente, a parte mais árdua do problema. Nesta seção mostramos uma tal prova omitindo, porém, alguns detalhes mais técnicos e remetendo o leitor interessado às referências [4] e [3]. Vimos anteriormente que o problema pode ser resolvido no caso muito particular dos retângulos. O argumento usado foi de que a área aumenta estritamente quando a diferença no tamanho dos lados diminui, de modo que quando essa diferença é nula (ou seja para o quadrado), temos área máxima. É possível estender essa idéia para polígonos com número maior de lados, mesmo sem assumir previamente a existência de solução. Uma tal prova usando apenas métodos elementares pode ser vista em [4].

Observemos, entretanto, que o problema de existência na classe dos polígonos de n lados é bem mais simples do que o problema original. De fato, admitindo convexidade, a área do polígono é uma função contínua das coordenadas de seus vértices. Sendo o perímetro fixado, não é difícil mostrar que essas coordenadas estão em um conjunto limitado de R2n e a existência segue então da existência de extremantes para funções contínuas, um resultado clássico de análise (ainda que não completamente elementar).

Vamos então admitir a existência provada, para os polígonos com n lados, e mostrar que a solução é o polígono regular de n lados. A prova é similar à apresentada antes para curvas em geral.

Consideremos dois lados adjacentes de um polígono convexo de n lados com perímetro L e área interior máxima. Como vimos, o triângulo determinado por esses dois lados deve ser isósceles. Segue que o triângulo tem que ser equilátero.

Para provar que o polígono é regular, começamos supondo que n é par. Dados dois vértices P e Q, a reta deve dividir a região em duas de mesma área ou obteríamos, por reflexão, um polígono de mesmo perímetro e área maior. Dado um outro vértice O, o ângulo POQ deve ser reto ou obteríamos um polígono de área maior deformando esse ângulo para um reto e refletindo em torno da reta . Segue que o polígono é equilátero e está inscrito em um círculo, sendo, portanto, regular.

Suponhamos agora que n é ímpar e que exista um n-ágono P1 de perímetro L, de área máxima e que não seja regular. Já sabemos que P1é equilátero. Considere agora um polígono regular P2, de 2n lados e perímetro satisfazendo a seguinte condição: se, de P2, eliminarmos n triângulos com bases dadas por segmentos que unem vértices alternados, o polígono resultante, Q, terá n lados e perímetro L.

Q é regular, pois P2 o era, e, se Q não tiver área maior do que ou igual à de P1, obteríamos um novo polígono P3 colando os triângulos eliminados em P1 e que teria mesmo perímetro do que P2 e maior área, o que é uma contradição. Assim, concluímos a demonstração de que os polígonos regulares maximizam a área, quando o perímetro está fixado.

Observando que um n-ágono regular pode ser visto como um polígono (irregular) de n + 1 lados, segue facilmente que a área do polígono regular com comprimento fixado aumenta quando o número de lados aumenta. Além disso, a área converge para a área da circunferência. Isso pode ser visto simplesmente calculando a área em função do número de lados ou então observando que os polígonos inscrito e circunscrito têm, respectivamente, comprimento menor e maior do que a circunferência. Dessas observações segue também que qualquer polígono regular tem área menor do que a área do círculo de mesmo comprimento.

Finalmente, suponhamos que C é uma curva fechada no plano de comprimento L. Queremos mostrar que sua área é menor ou igual à área do círculo de mesmo comprimento (ou seja, ).

Tomando n pontos igualmente espaçados em relação ao comprimento de arco em C e ligando-os por segmentos de reta, obtemos um polígono de perímetro menor ou igual a L e, portanto, com área menor ou igual ao do n-ágono regular de mesmo comprimento, que é, por sua vez, menor do que . Para n suficientemente grande, a área de C fica arbitrariamente próxima da área do n-ágono e, assim sendo, não pode ser maior do que a área da circunferência de mesmo comprimento, como queríamos mostrar.
Observamos finalmente que, tendo provado a existência de uma curva de área maximal, os argumentos da seção anterior mostram que ela tem que ser a circunferência, que é, assim, a única solução do problema isoperimétrico.

 

Referências bibliográficas
[1] BOYER, C. História da Matemática.
[2] COURANT, R. e ROBBINS H. O que é Matemática?. Editora Ciência Moderna.
[3] HOWARDS, H. HURCHINGS M. e MORGAN F. The isoperimetric problem on surfaces. Am. Math. Monthly.
[4] MOREIRA C. G. T. de A. e SALDANHA N.C. A desigualdade isoperimétrica. Matemática universitária, 15 (1993).