Fernando Trotta


Um aluno brilhante de um curso pré-vestibular procurou-me, certa vez, perguntando se, da mesma forma que era possível observar graficamente as raízes reais de uma equação de 2º grau, era possível fazê-lo para as raízes imaginárias (ou seja, complexas e não reais).

Imediatamente respondi a ele com uma negativa, argumentando que para representar uma função de C em C  da  forma  w =  f(z)  = az2 + bz + c,  com   a, b, c   e   R,   sendo z = x + yi w = u + vi com  x, y, u, v R, necessitaríamos de um sistema cartesiano quadrimensional, com eixos para x, y, u e v. E a minha resposta satisfez a curiosidade do meu brilhante aluno.

No mesmo dia, no entanto, pensando melhor, concluí que, ao querer observar as raízes imaginárias de uma equação de 2º grau, o aluno não estava interessado na visualização completa da função , mas sim na visualização das raízes de w, ou seja, de .

Como w = 0 R, considerei, agora de forma mais modesta, a função , com a, b, c R,, definida em um subconjunto A de C, a saber, o conjunto dos valores de z que tornam f(z) real. Assim, necessitaria apenas de um sistema cartesiano tridimensional, com um eixo para x, outro para y (já que z = x + yi) e um terceiro para u.

A primeira preocupação que tive foi a de determinar o domínio A, imaginando-o o mais amplo possível para que u = f(z) seja um valor real. E achei divertido chamar o conjunto A de domínio de realeza da função.

Fazendo, então, z = x + yi, com x e y R, obtive os seguintes resultados: u = az2 + bz + c, com a, b, c R e .


                            u = a(x + yi)2 + b(x + yi) + c
                            u = ax2 + 2axyi - ay2 + bx + byi + c
                            u = (ax2 - ay2 + bx + c) + (2axy + by)                   (1)

 

Para que u R , devia ter então 2axy + by = 0  ou  y (2ax + b) = 0;  logo,  y = 0 ou .

Logo, no plano xy, o domínio de realeza A era dado pela união de duas retas perpendiculares: uma de equação (o eixo dos x) e outra de equação (com a mesma direção do eixo y).

No sistema cartesiano Oxyu para o espaço tridimensional, o plano  xy  corresponde ao plano u = 0, enquanto a equação representa o plano xu, e a equação representa um plano paralelo (ou coincidente) ao plano yu.

 

Quando se faz  y = 0  em (1), obtém-se  u = ax2 + bx + c, a própria equação original, ou seja, o fato de o plano  y = 0  fazer parte do domínio  A  traduz apenas a constatação óbvia de que  u = ax2 + bx + c  é real, quando x é real (já que a, b, c R). Mas aí não se encontrarão raízes, uma vez que no caso que nos interessa, isto é, o caso em que as raízes de ax2 + bx + c = 0 são imaginárias.

No plano , temos, retomando a expressão (1):

Logo,

Ou seja, a parábola (olhada no plano ) é o gráfico que estávamos procurando. Note que, para essa função quadrática, real e de variável real, temos:

(lembrando que ).

E, como   ,  temos     que são justamente as raízes complexas de az2 + bz + c = 0.

Logo, as raízes complexas de  az2 + bz + c = 0  aparecerão, no gráfico, com os pontos que são os pontos onde a parábola , corta o plano u = 0.

Isso pode ser visto num esquema tridimensional, mas é mais simples vê-lo em duas dimensões no plano , onde só se vê u variando em função de y . Como era de esperar, os dois pontos são simétricos em relação ao plano y = 0 (olhando no plano , aparecem simétricos em relação a um eixo paralelo a u), já que as raízes são complexos conjugados.

 

     Exemplo


A equação   z2 - 6z + 10 = 0   não tem raízes reais, pois   Nesse caso,

Fazendo  z = 3 + yi, a função  u = z2 - 6z + 10  torna-se a função real  u = 1 - y2, que se anula quando A Figura 1 mostra a parábola  u = 1 - y2 no plano   x = 3  e os pontos correspondente às raízes da equação  z2 - 6z + 10 = 0. No espaço tridimensional, esses pontos são os pontosonde  a parábola x = 3, u = 1 - y2 corta o plano u = 0 (Figura 2).

Figura 1
Figura 2

 

 

     Observação final

A indagação inteligente de um aluno me fez “aprender” um fato novo matemático que, se não tem nenhuma aplicação prática (será que não tem mesmo?), pelo menos é bastante curioso. A história contada no início do texto ocorreu na década de 70 e, no volume do mestre da coleção Matemática aplicada (Trotta, Imenes, Jakubovic, 1980, p. 92), há um resumo do assunto tratado neste artigo.

Recentemente, numa reunião com professores em São José dos Campos, o tema voltou à tona, o que me motivou a escrever este artigo.

Além disso, o Comitê Editorial da RPM observou que no artigo Visualizing the complex roots of quadratic and cubic equations de autoria de Alan Lipp, publicado na revista Mathematics Teacher (vol. 94, no 5, 2001), o autor trata do mesmo assunto, incluindo também as equações cúbicas.

Nota da Redação da RPM

O artigo do Prof. Trotta mostra uma maneira como podem aparecer num gráfico cartesiano as raízes complexas de uma equação do segundo grau, ax2 + bx + c = 0, com coeficientes reais e discriminante negativo. Essa maneira surgiu, como ele narra, da interessante idéia de considerar a função complexa f(z) = az2 + bz + c restrita aos valores de z que tornam f(z) real. Surge então uma outra função quadrática que tem raízes reais que se relacionam de modo simples com as raízes complexas da equação original. Graficamente, faz-se necessário apelar para o espaço tridimensional, mas, em última análise, surge uma outra parábola que pode ser vista em duas dimensões, apenas em um outro plano yu distinto do plano original xy.

Uma vez realizada a idéia (que se encontra também na outra fonte citada pelo autor), podemos também nos liberar da estratégia original e encarar o problema apenas como o de encontrar alguma transformação que transforme a parábola y = ax2 + bx + c em uma que corte o eixo x (do mesmo plano xy), correspondente a outra função quadrática que tem raízes reais que se relacionam de modo simples com as raízes complexas da equação original. Nesse caso, há várias outras soluções para o problema.

Por exemplo, se a, b e c forem números reais tais que o gráfico da função f definida por y = f(x) = ax2 + bx + c não corta o eixo X. No entanto, ainda assim, é possível ver no gráfico cartesiano de f (o qual é uma parábola P) as raízes complexas de f. Para isso, basta determinar a parábola P’, simétrica de P em relação à reta “horizontal” r (ou seja, paralela ao eixo X) que passa pelo vértice de P e, em seguida, as interseções x1e x2 de P' com o eixo X. Finalmente, a circunferência de diâmetro x1x2 corta nos pontos z e w a reta "vertical" s (ou seja, paralela ao eixo vertical) que passa pelo vértice de P .

Esses dois pontos são as raízes complexas de f (supondo que se identifique o complexo x + yi com o ponto (x; y)). A figura abaixo ilustra a construção descrita.

A justificativa desse fato é simples.

É bem sabido que o vértice de P é o ponto Portanto, a reta r tem equação A figura ao lado mostra então que a simetria em relação à reta r transforma cada ponto (x; y) no ponto (u; v) tal que seja o ponto médio de (x; y) e (u; v). Portanto,   u = x e

O novo discriminante agora é: Portanto, as raízes de g são os números reais A construção feita com o círculo indica então que os pontos z e w são os complexos conjugados , que são justamente as raízes de f.

 

 
A graça da divisibilidade

Há alguns anos, numa aula sobre divisibilidade, na 5a série, aconteceu o que vou relatar. Depois de regras, exercícios e correção, para animar a turma, propus o seguinte problema: "Aquele que primeiro encontrar um número que seja divisível pelos dez números: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11 e 12 ganha 5 pontos na média".

Vendo o Fernando distraído, de cabeça abaixada na carteira, perguntei-lhe: "Não vai tentar uma solução?"

E ele: "Já fiz o problema, isso é muito fácil. Pode me dar os 5 pontos". E eu: "Como já fez? Não deu tempo, você está brincando? Lancei o desafio há apenas 2 minutos!" Ao que ele respondeu, com toda a certeza: "O número é o do ano em que nasci, 1980".

Usando as regras de divisibilidade, a turma toda aprovou a resposta, com grande animação.

Agora, quando quero quebrar a monotonia das aulas sobre divisibilidade, conto para meus alunos essa historinha, um pouco modificada, sem contar a resposta. Peço então a eles que adivinhem em que ano Fernando nasceu. É interessante notar que a resposta só pode ser esta mesmo, e será essa até o ano 3959. Se os colegas gostaram, podem propor o desafio aos seus alunos numa aula sobre divisibilidade ou sobre mínimo múltiplo comum. Meus alunos estão gostando muito.

Artur Pires Custódio

(Licenciado em Matemática pela FAFI_Belo Horizonte, é professor efetivo de Matemática na rede estadual de ensino de Minas Gerais e leciona há 16 anos no curso fundamental.)