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Jaime Poniachik É bem conhecida a encantadora história sobre o gênio matemático Karl Friedrich Gauss (1777-1855): Um professor, que queria descansar por algum tempo, passou a seus alunos uma tarefa longa e pesada: pediu-lhes que somassem todos os números de 1 a 100. O descanso, porém, foi curto, pois poucos minutos depois de passada a tarefa, um de seus alunos deu a resposta correta, 5050. Como ele resolveu tão rápido? Não se sabe o que passou na cabeça do menino prodígio, que não era outro senão o nosso Gauss, mas consta que Gauss teria percebido que a soma dos pares eqüidistantes das pontas, 1 e 100, 2 e 99, ..., é sempre igual a 101 e, como são 50 pares, bastaria calcular 50 101. Assunto encerrado. Essa história está aqui reproduzida pelo seu vínculo com outra maravilhosa resposta de Gauss: o modo como ele provou o resultado conhecido como o teorema de Wilson. Comecemos por recordar a expressão N = 2 x 3 x 5 x 7 x 11 x ... x p + 1 na qual estão multiplicados os sucessivos primos até p e somado um, que foi usada por Euclides (RPM 11, p. 5; RPM 47, p. 36 ) para demonstrar que existem infinitos números primos, observando que N não é divisível por nenhum dos primos de 2 até p. Ora, em meados do século XVIII, um estudante da Universidade de Cambridge, Inglaterra, chamado John Wilson, trabalhando com uma expressão parecida com a de Euclides, chegou a um notável resultado:
Por exemplo,1 x 2 x 3 x 4 x 5 x 6 x 7 x 8 x 9 x 10 x 11 x 12 + 1 = 479001601 é divisível por 13. Esse resultado pode ser representado mais comodamente através de fatoriais e congruências: , notação que significa que 12! deixa resto 12, quando dividido por 13. De um modo geral: para p primo. Embora Wilson tenha sido um estudante de destaque em Matemática, cedo a abandonou para dedicar-se ao Direito. Foi advogado, logo juiz e foi nomeado cavalheiro. Felizmente, seu professor de Matemática, Edward Waring, não se esqueceu do resultado e o divulgou num livro de álgebra, publicado em 1770. Waring salientou, nessa publicação, que o resultado conjecturado por Wilson poderia ser extremamente difícil de ser demonstrado, já que os matemáticos não têm uma boa representação para os números primos. Quando Gauss soube da história, ele afirmou que para demonstrações não se necessita de notações, mas sim de idéias, e passou a demonstrar a conjectura. Gauss aplicou aqui o mesmo truque de juntar os números em pares, que lhe havia sido tão útil ao somar de 1 a 100. O critério, agora, não era que cada par tivesse a mesma soma, mas sim que o produto deixasse resto 1 ao ser dividido por um primo p. Vamos aplicar esse emparelhamento ao exemplo anterior, 1 x 2 x 3 x 4 x 5 x 6 x 7 x 8 x 9 x 10 x 11 x 12 + 1 = 479001601. Os números 2 e 7 fazem um par, no sentido de Gauss, pois 2 x 7 = 14, que deixa resto 1 ao ser dividido por 13. Outro par é formado por 3 e 9, pois 3 x 9 = 27, que também deixa resto 1, e é possível emparelhar todos os números de 2 até 11. Restam soltos os números 1 e 12. Então o resto da divisão de 2 x 3 x 4 x 5 x 6 x 7 x 8 x 9 x 10 x 11 x 12 = (2 x 7) x (3 x 9) x (4 x 10) x (5 x 8) x (6 x 11) x 12 por 13 é o mesmo resto da divisão de 1 x 1 x 1 x 1 x 1 x 12 = 12 por 13, isto é, podemos substituir todos os pares que conseguimos formar por 1. Logo, 12! - 12 é divisível por 13, ou (12! + 1) - (12 + 1) é divisível por 13, implicando 12! + 1 divisível por 13, como queríamos mostrar. Em linguagem das congruências temos: , que implica e assunto encerrado. A demonstração geral, para qualquer primo p, segue a mesma idéia. Gauss a incluiu no livro intitulado Disquisitiones Arithmeticae, que ele terminou de escrever quando tinha apenas vinte anos. Segundo cálculos publicados postumamente, parece que, antes de Wilson, Leibniz chegou a conjecturar o mesmo resultado e a situação não faz mais que confirmar uma consagrada tradição matemática, de dar às coisas o nome de alguém que não foi o primeiro a descobri-las. Como um rasgo de curiosidade final, façamos uma figura com os pares de Gauss. Marcamos numa circunferência o conjunto completo dos restos de uma divisão por um número p: 0, 1, ..., p - 1 e unimos os pares cujo produto deixa resto 1 ao ser dividido por p, ou seja, unimos a e b se .
Como se vê, os segmentos formam uma bonita figura simétrica em relação ao diâmetro que passa pelo 0. Em outras palavras, se um segmento está na figura, também ali estará seu simétrico. Você é capaz de dizer por quê? A simetria se verifica também para congruência qualquer módulo, seja ou não primo, e para qualquer resto, seja ou não 1, pois:
Os leitores interessados poderão encontrar a demonstração do Teorema de Wilson em livros sobre Teoria dos Números.
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