Fausto
Arnaud Sampaio
Proponho,
neste artigo, uma forma de complementar o ensino do tema fatoração,
estabelecendo conexões com seqüências, extração
de raízes quadradas, e o uso de um algoritmo que pode ser implementado
em um ábaco convencional.
Em 1643, Mersenne enviou a Fermat o desafio
de fatorar o número 100 895 598 169, uma tarefa bastante árdua,
se levarmos em consideração os recursos então disponíveis
para a execução rápida de cálculos. Fermat
resolveu o problema utilizando um método sistemático, baseado
na procura de números x e y tais que:

sendo N o número a ser fatorado.
Como veremos adiante, essa identidade leva a um algoritmo que, apesar
de ainda envolver cálculos trabalhosos, simplificou suficientemente
o problema para permitir a Fermat vencer o desafio.
Observe, inicialmente, que todo número
ímpar é a diferença de dois quadrados. Por exemplo,

,
etc.
A igualdade
mostra que a afirmação acima é sempre verdadeira,
pois qualquer ímpar é um produto de dois ímpares
e, se a e b são ímpares, os números
entre parênteses são inteiros.
O problema de fatorar o número ímpar N consiste,
então, em achar x e y tais que .
A idéia central do método de Fermat é começar
com x igual ao menor inteiro maior ou igual a
e calcular .
Se o resultado for um quadrado perfeito, o problema está resolvido.
Se não, repete-se o processo, sucessivamente, para os números
x + 1, x + 2, ..., até encontrar um quadrado
perfeito.
1) Fatorar 133.
N = 133
 Então,
.
2) Fatorar 407.
N = 407 

Então, .
Sugerimos que o leitor fatore mais alguns números ímpares
(pequenos) para pegar o jeito.
Observações:
1) Um aluno de 5a série,
tendo em mãos uma calculadora, seria capaz de usar esse algoritmo.
Certamente trata-se de uma alternativa interessante para fatorar um número.
2) Para números muito grandes, calcular
torna-se
muito trabalhoso. Fermat usou um algoritmo recursivo, que veremos adiante,
para evitar esses cálculos.
3) O processo pode ser muito demorado. Usado
para ,
exige o cálculo de até
432. Mas, na pior das hipóteses, acaba para porque, sempre,
 Isso
acontece quando N é um número primo.
Um outro jeito bom de explorar o método de Fermat é utilizá-lo
em um ábaco.
Suponha que um certo número, 21, por exemplo, seja
fatorado como um produto de dois números ímpares,
 .
Podemos entender essa multiplicação como sendo composta
pela soma repetida  ou
por uma de termos de uma P.A., como
Escolhemos deliberadamente uma P.A. composta por números
ímpares sucessivos, pois a soma dos n primeiros
ímpares é  Assim,
poderemos estabelecer uma relação entre a identidade
envolvendo a diferença entre |
|
quadrados  ,
e as fichas nas várias colunas do ábaco representando
as parcelas ímpares, no caso, 5, 7 e 9 fichas.
Vemos ainda que na multiplicação 7 x 3
será 7 o elemento central da soma, e 3 o número de parcelas:
5 + 7 + 9 .
Assim, para fatorar um número ímpar usando fichas, basta
encontrar uma configuração dessas, com a quantidade de
fichas na coluna central do ábaco correspondendo a um dos fatores,
e o número de colunas utilizadas sendo o outro fator.
Mas, como encontrar essa configuração?
 |
Uma vez
que a fatoração de um número implica encontrar
uma soma conveniente de ímpares, comecemos exprimindo-o
como uma soma de 1 + 3 + 5 = ... fichas no ábaco,
e, em seguida, buscaremos um novo arranjo das fichas até
chegarmos à configuração desejada, como mostra
o exemplo abaixo para 
 |
 |
Como a 6ª
coluna do ábaco deveria conter 11 fichas para serem a soma
de ímpares sucessivos, a completaremos com as fichas que
faltam, remanejando as 4 primeiras fichas da 1ª e 2ª
colunas. |
 |
Seguindo a mesma idéia, precisamos completar a coluna
seguinte. Para isso, retiramos peças das 3 primeiras colunas.
Agora obtivemos uma seqüência de ímpares suces-sivos.
Assim, temos:
elemento central: 11;
número de termos: 3. |
Portanto, 
Resta apenas observar que esse procedimento equivale ao processo de
Fermat. Uma vez que estamos remanejando fichas das colunas em ordem
crescente de ímpares, quando o processo leva a uma seqüência
de ímpares sucessivos, iniciada na coluna m (5ª,
na figura) e finalizada na coluna (7ª,
na figura), a soma das fichas sempre poderá
ser escrita como a diferença de e
(
na figura).
No exemplo acima, compare o processo de Fermat e o uso do ábaco: ; x = 6.
(no
ábaco faltam 3 fichas na coluna com 8 para atingir 11);
(somando-se
as 3 fichas anteriores com as 13 que faltaram na 2ª etapa, obtemos
16, portanto ).
Assim, o uso do ábaco nada mais é do que a utilização
do método de Fermat sob outra forma!
Finalmente, o ábaco fornece todas as fatorações
possíveis de 2 fatores. Por exemplo, se tomarmos o número
45, usando o ábaco obtemos:
(1 + 3 + 5 + 7 + 9 + 11 + 9)
(5
+ 7 + 9 + 11 + 13) = 9.5
Se prosseguirmos desse ponto em diante, completando a próxima
coluna com 15 fichas retiradas das colunas com 5,7 e 9, obteremos:
(5 + 7 + 9 +11 +13)
(6 +11+13
+15) (13 +15 +17)
= 15 x 3
Como vimos, para fatorar o número ímpar N,
devemos encontrar x e y tais que  . A procura inicia-se com 
igual ao menor inteiro maior ou igual a  .
Essa escolha garante que  ,
condição necessária para encontrar y tal
que  .
Escolhido  ,
constrói-se, como no exemplo da página 7, a tabela:
 até
encontrar um que
seja um quadrado perfeito.
Mas, observe:
e,
portanto, ,
e,
portanto, ,
e,
portanto, .
Prosseguindo dessa forma, teremos
e
dados recursivamente
por

e o processo pára quando
for
um quadrado perfeito. As igualdades acima podem ser provadas usando
indução infinita.
Veja como fica agora a fatoração
já vista de ,
:

Não foi mais necessário calcular e
,
pois usando a fórmula recursiva, só aparecem termos lineares
em
e .
Fermat ilustrou seu método tomando como exemplo a fatoração
de .
;

N = 450412 - 10202 = (45041 + 1020) . (45041 - 1020) = 46061 x 44021,
resultado obtido por Fermat.
A experiência de construir conceitos, e reconhecer interrelações
entre conteúdos matemáticos aparentemente desconexos,
desenvolve habilidades necessárias à aprendizagem matemática,
complementa a visão tradicional oferecida pelos livros didáticos,
e pode estimular as mentes mais curiosas a investigar o comportamento
dos números.
Referência bibliográfica
CHABERT, J.L. et al. A History of Algorithms.
Springer - Berlin, 1999.
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