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Carlos A. de Moura
Considere o seguinte jogo, ou desafio, disputado por uma banca e uma quantidade qualquer de jogadores. As regras do jogo são as seguintes: A banca disponibiliza cartões para os jogadores irem anotando a composição dos "times" que eles podem formar entre si, cada time em um cartão. Devem formar (e anotar) todos os times possíveis, isto é, não há restrições quanto ao número de participantes em cada time. Assim, haverá cartões com apenas um jogador, cartões com duplas de jogadores, haverá um cartão com todos os jogadores e também um cartão em branco, correspondente a um time que não conseguiu atrair nenhum jogador. Sem examinar o conteúdo dos cartões, a banca os distribui ao acaso: ela passa um para cada jogador, ignorando o que consta no cartão. Sobrarão cartões, é o chamado "lixo". Serão considerados vencidos aqueles jogadores que tiverem recebido um cartão no qual conste um time do qual ele não participe. Cada um pagará à banca uma quantia previamente acertada, a tarifa de participação no jogo. Serão considerados vencedores aqueles jogadores que tiverem recebido um cartão no qual conste um time do qual ele participe. Cada um terá direito a um prémio previamente combinado, a ser pago pela banca, a menos que: A banca adivinhe onde está o cartão de um dado time, cuja composição ele deve escolher e anunciar. A banca tem um método para ganhar sempre e, desse modo, não paga aos vencedores, mas vai ficando cada vez mais rica, pois recebe dos vencidos a tarifa de participação em cada jogo. Qual o método que ela emprega? A banca escolhe o time formado pêlos vencidos e afirma que o cartão desse time ficou no lixo. E está sempre certa! Vejamos por quê. O cartão desse time não pode estar com nenhum dos vencidos, do contrário esse jogador seria um dos vencedores. Esse cartão não pode estar também na mão de nenhum dos vencedores, pois todos eles estão fora desse time de vencidos. E, sendo cada um deles vencedor, o cartão que recebeu mostra um time do qual ele próprio participa. Ao cartão com o time dos vencidos só resta a possibilidade de estar no lixo. E é essa afirmação que garante o sucesso da banca, seja qual for a distribuição dos cartões que tenha sido efetuada.
Podemos supor que esse jogo se realiza no Hotel de Hilbert (ver http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/matematica/infinito), e já que estamos no Hotel de Hilbert, podemos mesmo supor que existe uma quantidade infinita de jogadores. E até mesmo que esses jogadores formam um conjunto que nem é enumerável, pois nenhuma hipótese foi formulada relativamente a esse ponto. O que a estratégia da banca mostrou foi que, independentemente de como tenha se efetuado a distribuição dos cartões, é possível apresentar um time cujo cartão não foi distribuído. Em outras palavras, qualquer que seja a função que associe a cada jogador um time (ou um cartão que descreve esse time), pode-se exibir um time que não estará associado a nenhum dos jogadores, ou seja, essa função não é sobrejetora. Vão sobrar elementos no contradomínio de qualquer das funções que se constma tendo por domínio o elenco dos jogadores e por contradomínio a coleção de todos os times que é possível formar com esses jogadores. Intuitivamente, a coleção de todos os times é "muito maior" que o conjunto de todos os jogadores. Na linguagem de conjuntos: Teorema de Cantor Dado um conjunto arbitrário C, sendo P(C) o conjunto das partes de C, isto é, a coleção de todos os subconjuntos de C, qualquer função f: C P(C) não é sobrejetora. Portanto, o cardinal de C é estritamente menor que o de P(C): card (C) < card P(C). A terminologia usada nesse enunciado está detalhada, por exemplo, em [1] ou em [2] e uma demonstração do Teorema de Cantor foi publicada na RPM 43, p. 14, no artigo Cantor e a Teoria dos Conjuntos.
Referências bibliográficas [l] HALMOS, Paul R. Teoria ingênua dos Conjuntos. Coleção Clássicos da Matemática, Ed. Ciência Moderna, Rio (2002). [2] LIMA, Elon L. et ai. A Matemática do Ensino Médio. Vol. l. SBM, Rio, 5.ª ed. (2001).
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