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Hygino H. Domingues
Em 1648, o francês Pierre de Fermat (1601-1665) foi promovido a conselheiro do rei no parlamento de Toulouse, título mantido até sua morte. Era a culminação de uma carreira pautada pelo cumprimento do dever na área jurídica do serviço público. Mas, em que pesem os seus méritos profissionais, foi através de seu hobby predileto, a Matemática, à qual prazerosamente reservava suas horas de lazer, que Fermat se imortalizou. Entre suas contribuições à
Matemática, a que mais marcou seu nome foi uma anotação que fez em 1637 na
margem de seu exemplar da Arithmetica de Diofanto de Alexandria
(viveu no século III d.C.), em tradução para o latim, ao lado do problema
da decomposição do quadrado de um número inteiro em soma de dois
quadrados. Resumidamente, essa anotação dizia que, se n
Essa proposição entrou para a história da Matemática como Último Teorema de Fermat (UTF) porque foi a última de uma série de observações de Fermat a ficar por ser demonstrada. Na verdade, apesar do empenho, ao longo do tempo, de grandes matemáticos e de inúmeros amadores em demonstrar esse teorema, só em 1994, portanto mais de 350 anos após a formulação de Fermat, isso foi conseguido plenamente. Vale acrescentar que a demonstração que venceu o desafio lançado por Fermat, de autoria do inglês Andrew Wiles, envolve avançados métodos matemáticos do século XX, entre outros, custou ao autor cerca de oito anos de trabalho direcionado exclusivamente nesse sentido e estende-se por mais de 100 páginas. Com toda a certeza, então, não é a de Fermat, se esta realmente existiu (ver RPM15, p.1, RPM29, p. 27 e RPM38, p. 1). Vale registrar ainda que as equações x + y = z e x2 + y 2 = z2, correspondentes respectivamente a n = l e n =2, têm infinitas soluções formadas de inteiros positivos, fato que já era conhecido desde a época de Euclides (séc. III a.C.), pelo menos. Os méritos matemáticos de Fermat vão muito além da formulação do UTF. De fato, apesar das limitações decorrentes de sua atividade profissional, Fermat foi um dos pioneiros da criação do cálculo, da geometria analítica, da teoria das probabilidades e da moderna teoria dos números. Não sem motivo, pois, é considerado o maior matemático francês do século XVII. Fermat exerceu grande influência sobre seus contemporâneos, graças, em grande parte, à correspondência científica que manteve com os grandes matemáticos de seu tempo. É de lembrar, a propósito, que na época os matemáticos ainda não dispunham de revistas especializadas para a publicação de seus trabalhos. Um exemplo de sua correspondência matemática é uma carta enviada por ele ao amigo Bernard Frénicle de Bessy (1612-1675), em 18 de outubro de 1640, na qual dava a conhecer uma proposição aparentemente despretensiosa, o Pequeno Teorema de Fermat (PTF), como veio a ser conhecido, cujo enunciado é o seguinte: Se p é um número primo e a um
inteiro não divisível por p, então ap-1
Por exemplo, como 3 não é
divisível por 11, que é primo, então 310
Mas a primeira demonstração conhecida do PTF é de L. Euler (1707-1783) e só foi publicada em 1736. Uma demonstração elementar do PTF está no apêndice deste artigo. O PTF diz que
ap-1
35
320
Observando-se o exemplo dado, é válido atentar para o menor expoente
inteiro positivo h tal que ah
(*)
ah
Considerações preliminares Usualmente, no ensino, um número racional é apresentado como um número real que tem uma representação decimal finita ou infinita periódica.
Considerando o algoritmo usado para obter a representação decimal, ou seja, a divisão do numerador pelo denominador, pode-se explicar a razão desse fato. Se um dos restos for igual a zero, a representação é finita e termina no primeiro quociente para o qual isso acontece. É o caso de 2/5, por exemplo, pois:
Caso
contrário, seja a / b a forma fracionária irredutível do número
racional. O fato de nenhum resto ser igual a zero garante que o processo
de divisões sucessivas se repete indefinidamente e que, portanto, a
representação decimal da fração é infinita. Por outro lado, os restos
possíveis na divisão por b são l, 2, ... , b
Portanto o período no caso é formado de seis
algarismos: 142857. De todo modo, então, o número de algarismos do período
não supera b Mas a questão que pretendemos focalizar aqui com mais detalhes é a de saber, sem efetuar a divisão, se um número racional tem representação decimal finita ou infinita e, neste último caso, determinar o número de algarismos do período e do pré-período (entende-se por pré-período a sequência de algarismos entre a vírgula e o primeiro período). A representação decimal finita A pista neste caso é observar que toda fração decimal finita, como 0,125, por exemplo, é gerada por uma fração cujo denominador é uma potência de 10. Por exemplo:
Por outro lado, uma fração cujo denominador não tem outros fatores primos além do 2 e do 5 (poderia ser um deles apenas) sempre pode ser expressa por uma fração cujo denominador é uma potência de 10 e, portanto, tem uma representação decimal finita. Por exemplo,
No caso geral, seja a/b a fração, na forma
irredutível, em que b = 2m 5n com m,
n
Esse raciocínio permite concluir que um número racional a/b, na forma irredutível, tem uma representação decimal finita se, e somente se, o denominador não apresenta nenhum fator primo diferente de 2 e de 5 (ver RPM 10, p. 23). A representação decimal dos números da forma a/p, sendo p um primo positivo diferente de 2 e 5 que não divide a O resultado obtido no item anterior garante de imediato que a representação decimal desejada é infinita. Isso posto, propomo-nos a justificar os seguintes fatos, por meio do PTF: (i) A representação decimal desses números é necessariamente periódica e não apresenta pré-período; (ii) O número de algarismos do período pode ser obtido sem efetuar a divisão de a por p.
Em outras palavras: o deslocamento da
vírgula t casas à direita na representação decimal de
A título de ilustração, consideremos as frações do tipo
a / 13, em que a não é múltiplo de 13. Como 102
35/13 = 2,692307692307... =2,692307. Considerações finais De um modo geral, uma
fração a/b, na forma irredutível, tem representação decimal
infinita se, e somente se, b=b0 . 2m
. 5n, com b0 > 1
m, n
• 9/140 tem pré-período formado de 2 algarismos (observar que 140 = 22
. 5 . 7 e que max {2, 1} = 2) e
período formado de 6 algarismos, pois 6 é o menor expoente tal que 106
Para mais detalhes, ver [3], p. 271-278.
Demonstração do Pequeno Teorema de Fermat
Para a demonstração vamos usar o seguinte
fato: se um número primo não é divisor de nenhum de dois números inteiros
dados, então também não é divisor do produto desses números. Considerando
esse resultado e fazendo uso do algoritmo euclidiano p
a = pq1+ r1, (0 < r1 < p) 2a = pq2+ r2, (0 < r2 < p)
(p
De fato, se ri = rj,
então ia
1
.
2
. ...
. (p
1
.
2
. ...
. (p
sendo A igual à soma dos
fatores de p no segundo membro e portanto é um número
inteiro. Daí segue que 1
.
2 .
... .
(p
e, portanto, p é um divisor de
1
.
2 .
... .
(p Demonstração da proposição (*)
Com as hipóteses do PTF, e supondo que h
é o menor expoente inteiro positivo tal que a
at
De fato, sendo ah at = ahs+r = (ah)s ar = (1+ pq)s ar (2) Mas, desenvolvendo (1+ pq)s pela fórmula do binômio de Newton, pondo p em evidência na soma dos termos em que aparece e chamando de Q1 o fator que multiplica p, obtém-se (1+ p q)s =1+ pQ1 (3) De (2) e (3) segue que at =(1+ pQ1) ar = ar + pQ, sendo Q = Q1ar . Como at = l +
p q1,
então ar + pQ =
1+ pq1.
Desta última igualdade resulta ar
Por outro lado, como ah
Referências bibliográficas [l] ACZEL, A.D. O último teorema de Fermat (Trad. André M.D. Melancia e Joaquim Coutinho). Lisboa: Gradiva, 1997. [2] BOYER, C.B. História da Matemática, 2.ª ed. (Trad. Elza F. Gomide). São Paulo: EdgardBlücher.1996. [3] DOMINGUES, H.H. Fundamentos de Aritmética. São Paulo: Atual, 1998. [4] NIVEN, I. Números racionais e irracionais (Trad. Renate Watanabe). Rio de Janeiro, SBM, 1984. [5] SINGH, S. O último Teorema de Fermat (Trad. Jorge Luiz Calife). Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 1998. [6] VISWANATHAN, T.M. Introdução à álgebra e aritmética. Rio de Janeiro: IMPA, 1979. |