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Nos últimos trinta anos temos assistido a profundas mudanças no ensino da Matemática. O enfoque estruturalista adotado pelo grupo Bourbaki repercutiu com extrema rapidez nos programas da escola elementar e da secundária antes mesmo de alcançar a concordância dos matemáticos das diferentes correntes de pensamento. Citemos, por exemplo, Laurent Schwartz no seu depoimento sobre a obra de Bourbaki no Relatório “La France em mai 1981: L’enseignement at lé développement Scientifique”. “É impossível descrever aqui a revolução trazida ao pensamento e à produção matemática por esta obra, pois é considerável. Não tem somente qualidades! Por exemplo, privilegiou demais a Matemática Pura, ignorando quase totalmente a Matemática Aplicada e mesmo as Probabilidades”... “Jamais procuraram fazer de sua exposição um método de aprendizagem para os jovens, se bem que seus livros tenham tratado a Matemática na origem; isto por uma razão bem conhecida dos matemáticos, a saber, que os fundamentos são as partes mais difíceis para expor e algumas vezes para compreender, vêm no começo de uma exposição geral destinada aos matemáticos, certamente, não no início da formação matemática para os jovens, ou para os físicos e os engenheiros. Para citar apenas alguns exemplos, é preciso explicar bem às crianças (como aos engenheiros) o que são ângulo, uma área, um volume. Entretanto, numa teoria matemática coerente, isto vem muito longe numa exposição” ... Por que então o impacto da Matemática estruturalista no ensino? Uma das razões, não a única certamente, talvez tenha sido a necessidade urgente dos Estados Unidos promoverem uma “revolução científico-tecnológica” a fim de vencer o desafio soviético do lançamento do Sputiniki em 1957. Cientistas, educadores e homens do governo tomaram a decisão de, em curto prazo, formar uma massa crítica de matemáticos e físicos, aliados a engenheiros inventivos, capazes de ultrapassar os russos na corrida espacial. Sem sombra de dúvida, tal objetivo foi atingido. Os resultados, contudo, foram nefastos para os 80% da população Norte-americana que não se mostravam atraídos pela Ciência e/ou tecnologias avançadas. O ensino tradicional da Matemática foi duramente questionado e, convenhamos, com fortes razões. Tal ensino pecava pela irracionalidade de cálculos e regras impingidos aos alunos, entre outros defeitos. Era preciso tornar o indivíduo racional, compreendendo as estruturas matemáticas subjacentes às suas atividades. Nada melhor que o “modelo estruturalista bourbakiano” que recebeu o cognome de Matemática Moderna. Se, como opina Schwartz, era questionável tal modelo, como estendê-lo ao ensino sem que houvesse tempo para a formação de recursos humanos, em número suficiente e com aprofundamento de conhecimento, para ministra-lo. Muito menos, não houve uma cuidadosa pesquisa didática experimental para avaliar a sua aplicabilidade pedagógica. Com mais forte razão foi terrivelmente nociva para o Brasil a importação da Matemática Moderna segundo os cânones americanos. Surgiram grupos como SMSG (School Mathematics Study Group) e UICSM (University of Illinois Commitee on School Mathematics) nos Estados Unidos, CBPM (Centre Belge de Pédagogie de la Mathématique) na Bélgica e, no Brasil, o GEEM (Grupo de Estudos do Ensino da Matemática) de São Paulo, que se propunham a produzir textos didáticos – nem sempre de boa qualidade – e fazer a reciclagem apressada dos professores para sanar as dificuldades acima apontadas. A França, País exportador do colonialismo cultural da Matemática Moderna, só posteriormente entrou no circuito com a reforma Lichnerowicz, de triste memória. Em 1969, como conseqüência dos acontecimentos de maio de 1968, uma providência salutar da reforma Edgard Faure foi a criação dos IREM (Institut de Recherches sur I’Enseignement des Mathématiques) que tinham também entre outras, a finalidade de preparar textos e reciclar professores. Hoje, os IREM são centros de pesquisa em Didática Experimental da Matemática, alguns possuindo sofisticada aparelhagem. É importante mencionar, ainda, o papel de inovadores, como G. Papy e Z. Dienes, que por seu carisma e grande poder de comunicação conseguiram resultados significativos, do ponto de vista pedagógico na Bélgica e no Canadá, respectivamente. Seus métodos foram, em parte, transplantados para o Brasil. Entretanto, os transplantes correm sempre o risco da rejeição também no organismo escolar. Assistimos à rejeição dos transplantes das metodologias de Papy e Dienes para o meio brasileiro. Felizmente, as reações se fizeram sentir e está longe a época em que se discutiam e aplicavam os ideários daqueles ilustres e dignos inovadores. Já existem grupos de estudos e pesquisas em Educação Matemática, como o GEPEM do Rio de Janeiro, e esforços individuais de professores idealistas que procuram criar metodologias próprias; ao mesmo tempo, desenvolvem pesquisas para avaliar a aplicação de tais metodologias quanto ao ensino do professor e sobretudo à aprendizagem do aluno. A condição necessária, mas não suficiente, para o bom desempenho do professor é sua atualização, seu aprimoramento e seu aprofundamento no conteúdo matemático. É preciso insistir que cabe às Universidades a função de proporcionar meios para atingir esta condição. É ela a responsável pela preparação dos futuros mestres, alunos que são de seus cursos de licenciatura, além da ação indireta na formação dos professores primários através dos licenciados que atuam no 2o. grau, magistério. Deve ainda promover a formação contínua dos professores através de programas de treinamento em serviço. Contudo, há uma certa resistência por parte dos matemáticos para propiciar tais ações nos departamentos de Matemática das nossas Universidades. Ainda uma vez o fenômeno é universal e não se prende apenas à Matemática. Permito-me transcrever um trecho que se encontra à página 188 do livro de Seymour Papert “Mindstorms: Children, Computer and Powenful Idea” Basic Books, Inc. Publishers, New York 1980: ...“Nas definições profissionais correntes, físicos pensam sobre como fazer Física; educadores pensam como ensiná-la. Não existe lugar reconhecido para aqueles cuja pesquisa é realmente Física, mas Física orientada nas direções que sejam educacionalmente significativas. Tais pessoas não são particularmente benvindas nos departamentos de Física; seus objetivos educacionais servem para tornar trivial seu trabalho aos olhos de outros físicos. Tampouco são bem-vindos nas escolas de educação – nelas sua linguagem altamente técnica não é compreendida e seus critérios de pesquisa estão fora de foco”... Este trecho é demais eloqüente e todo acréscimo tiraria o seu impacto. Começa, todavia, a haver uma reação: há 3 anos, o GEPEM oferece um curso de pós-graduação “lato sensu” em Educação Matemática. Instalou-se, este ano, um curso de Mestrado em Matemática, com área de concentração no ensino, na UNESP, Campus de Rio Claro. Os trabalhos que são realizados pelo GEPEM e pelo grupo de Educação Matemática do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IM-UFRJ) partem do pressuposto de que para haver uma melhoria no ensino da Matemática, o apoio das universidades e órgãos governamentais competentes é imprescindível. É também ponto pacífico que as condições necessárias e suficientes para a melhoria do ensino da Matemática podem ser esquematizados no tripé: conteúdo matemático metodologia de ensino relacionamento professor-aluno mediante os conhecimentos da psicologia Educacional Para o equilíbrio deste tripé, naturalmente, é indispensável que os seus itens sejam indissociáveis. As pesquisas desenvolvidas com base nesta premissa têm mostrado que a metodologia mais adequada para o ensino da Matemática deve seguir o caminho heurístico preconizado por G. Polya. Já existe uma bibliografia bastante extensa com este enfoque e entre os autores quero salientar Herbert Fremont do Queens College of the New York City University. Numa homenagem à sua memória – esteve no Brasil em abril de 1983 vindo a falecer alguns meses depois – foi escolhido o título deste artigo. Era Fremont um opositor consciente da Matemática Moderna e, acima de tudo, um opositor construtivo. Não se limitava apenas a assinalar as falhas. Ia além. Procurava caminhos, deixando o legado do livro “Teaching Secondary Mathematics through Applications” Prindle Weber e Schmidt, Boston, 1979 (*) para ajudar aqueles que desejavam inovar e alcançar um bom desempenho como professor. Ao principiar o prefácio, afirmava: “A segunda edição de Teaching Secondary Mathematics through Applications enfatiza (1) a necessidade para os professores de mostrar aos estudantes que não há razão para temer a Matemática e (2) a Matemática está integrada no cotidiano de suas vidas. Este objetivo é alcançado através de uma abordagem de resolução de problemas que utilize uma grande variedade de aplicações e desafios que ilustrem por que a Matemática é tão importante”... Fremont, com muita propriedade dividiu o seu livro em três partes a saber: I. Preparando para Ensinar Matemática II. O Ensino da Matemática III. Medindo Progresso em Matemática A fim de se preparar para o ensino da Matemática é fundamental, na opinião do autor, conhecer o seu significado, segundo os diferentes enfoques: a ciência que ajuda a entender o meio ambiente e que interage com a sociedade; linguagem da ciência; um sistema abstrato de idéias e o estudo de modelos. Na parte II, Fremont pauta o ensino da Matemática pelo seu significado segundo cada um dos enfoques. Muito oportunamente, o 2o. capítulo da parte I trata do planejamento para aprender em oposição ao que comumente é feito: planejamento para ensinar. As quatro liberdades de: Cometer erros Fazer perguntas Pensar por si mesmo Escolher o método de solução são enumeradas no final deste capítulo 2, com a descrição das técnicas para torná-las realidade, ao lado da reafirmação das idéias básicas norteadoras da Metodologia de Ensino. Fremont escreveu um tratado de didática da Matemática, no sentido amplo e correto, onde o tripé aqui esquematizado está presente ao longo de toda a exposição.
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