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Cláudio Arconcher
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(1) (Fukusima/1881). Na figura abaixo temos quatro circunferências, cada uma delas tangente internamente a uma quinta circunferência. As circunferências menores formam um “ciclo”. Provar que vale a relação:
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(2) (Hyogo/sem data). O triângulo ABC está inscrito na circunferência de centro O e raio R, AB é um diâmetro.
A circunferência de centro e raio r tangencia os catetos AC e BC, também tangencia a circunferência de centro O e raio R. Designando por c a hipotenusa, a e b os catetos do triângulo ABC, provar que |
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(3) (Tochigi/1901). Na figura a seguir temos uma elipse de centro O, eixo maior 2a, eixo menor 2b. A circunferência de centro C e raio r tangencia externamente a elipse. Ambas são tangentes a um par de retas paralelas. Provar que
(4) (Iwate/1850). Na figura abaixo a
circunferência de centro C e raio r tangencia internamente a
elipse em dois pontos distintos, T é um dos pontos de tangencia. O
centro da elipse é o ponto O, seu eixo maior mede 2a, o menor
2b. A reta m é uma tangente comum em T, H é o
pé da perpendicular a m pelo ponto O.
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Nessas condições, provar que
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(5) (Tochigi/1853). Na figura, o triângulo ABC é retângulo em C. As circunferências com centros em A, B e C são externamente tangentes duas a duas e têm raios e , respectivamente. A circunferência de centro O e raio r tangencia externamente as três anteriores. Nessas condições, provar que . |
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Os exemplos anteriores ilustram bem o gosto dos matemáticos japoneses do período Edo por problemas geométricos envolvendo tangências. Até onde pudemos constatar não há preocupação com a construção geométrica das figuras usando régua e compasso. Nesse aspecto a Matemática japonesa se diferencia nitidamente da concepção geométrica ocidental do mesmo período, o que confirma a idéia de um desenvolvimento autóctone no Japão.
Após a reforma Meiji, em 1868, há um rompimento cultural do Japão com sua matemática tradicional (wasan). Modelos ocidentais são implantados na Educação e na industrialização do país. Os Sangaku são, temporariamente, esquecidos. Felizmente, para todos nós que apreciamos a geometria, o trabalho pioneiro do professor Fukagawa, divulgando os Sangaku, fornece mais uma fonte de interessantíssimos problemas no domínio da geometria elementar.
Na nossa opinião a história dos Sangaku pode ser usada para enriquecer nossas aulas de geometria e, mais do que isso, fornece um excelente exemplo de interdisciplinaridade natural: geometria e história e oriente e... etc.
Vamos agora mostrar um Sangaku e sua solução. É um belo problema e pode ser compreendido e apreciado pelos estudantes que estudam geometria.
Um Sangaku para a sala de aula |
Alguns dos trabalhos Sangaku têm grau de dificuldade bastante adequado para nossas aulas de Geometria em nível médio.
Uma boa estratégia para apresentá-los é, primeiramente, apresentar um resumo da história dos mesmos e, em seguida, propor o problema como um desafio para a próxima aula.
O problema apresentado a seguir nos parece
adequado para esse propósito. A peça em madeira, o Sangaku
propriamente dito, está preservada e data de 1885. Sua origem é o distrito de
Fukusima.
O problema |
Na figura a seguir temos um triângulo equilátero ABC e duas circunferências de centros e O , raios r1 e r2 , respectivamente. Tais circunferências tangenciam os lados do triângulo equilátero externamente, tangenciam a reta suporte do lado BC e uma rela l variável que passa pelo vértice A. Provar que, independentemente, da posição da reta l, a soma r1+r21 é uma constante.
Demonstração |
Primeiramente observemos que, se traçarmos por A, a reta l , paralela ao lado BC, descobrimos que, nesse caso, r1+r21 é igual a h, altura do triângulo equilátero. Resta provar que em todos os outros casos possíveis a soma r1+r21 é igual a h. Podemos ainda considerar as situações limites para a reta l: l contendo AB ou AC. Nesses casos, uma das circunferências transforma-se num dos vértices, B ou C, e a outra torna-se uma circunferência ex-inscrita ao triângulo ABC. Ainda aqui temos r1+r21 igual a h, sendo um dos raios zero e outro h.
Para todos os outros casos temos a situação descrita a seguir e ilustrada na figura abaixo.
Seja L a interseção da reta BC com a reta perpendicular a AB que passa por . Se é a interseção dessa perpendicular com AB e é a interseção, com a reta , da perpendicular a traçada por L, temos, com as notações da figura:
Os triângulos retângulos e são congruentes ( e são tangentes por B) e, lembrando que o ângulo mede , segue que também os triângulos retângulos e são congruentes, implicando . Então, temos que os triângulos e também são congruentes logo, o ângulo entre os segmentos AL e AB mede . Observe que logo, o que implica e que o ponto L pertence ao segmento BC. Além disso, temos que a medida do ângulo também é . Isso permite provar, de modo análogo, que o simétrico de em relação a AC também coincide com L, ou Finalmente, temos h, o que completa a demonstração.
Notas do autor |
1. Para apreciar mais a beleza dos Sangaku, o leitor pode consultar o endereço eletrônico: www.asahi-net.or.jp ou na revista Scientific American de maio 1998, o artigo Japanese Temple Geometry.
2. O professor Ângelo Barone Netto do IME-USP fez uma demonstração do problema 3 que pode ser encontrada no Boletín de Ficom – Federacion Iberoamericana de Competiciones Matemáticas, no endereço eletrônico: www.missouri.edu/~oc918/ficom. Essa demontração, na opinião do autor, poderia estar no “Livro”, uma criação do famoso matemático húngaro Paul Erdös (1913-1996) que costumava dizer que Deus possui um “Livro” contendo as mais elegantes e perfeitas demonstrações da cada teorema da Matemática. Vez ou outra Deus permite que um simples mortal examine uma das demonstrações do “Livro” e a difunda entre nós. A partir daí criou-se o costume de se referir a uma demonstração como tendo sido tirada diretamente do “Livro”, significando que dificilmente alguém conseguirá uma demonstração mais inspirada e elegante para o resultado em questão. O próprio Paul Erdös iniciou um projeto tentando escrever uma cópia imperfeita do “Livro”. Infelizmente sua morte, em 1996, interrompeu o trabalho. Em 1998 os matemáticos alemães Martin Aigner e Günter M.Ziegler publicaram uma versão do projeto de Erdös com o nome Proofs from the Book. Esse livro está na segunda edição e é publicado pela editora alemã Springer Verlag.