Roberto Ribeiro Paterlini
Departamento de Matemática de UFSCar

Temos aplicado o problema do jogo dos discos (veja Nota da RPM no final do artigo) em classes de estudantes de Licenciatura em Matemática e temos acompanhado colegas professores que o têm aplicado na escola média e fundamental. O problema tem feito muito sucesso.

     O problema do jogo dos discos

Uma escola estava preparando uma Feira de Ciências e foi pedido aos estudantes que bolassem um jogo que servisse para arrecadar fundos. Os estudantes observaram que no salão da Feira o piso era feito com quadrados de 30 cm de lado, desses quadrados de Paviflex. Pensaram então em construir discos de papelão de um certo diâmetro  d  que seriam comprados pelos visitantes por R$ 1,00 cada um. O visitante jogaria o disco aleatoriamente no piso. Se o disco, depois de pousar no piso, tocasse um lado de um quadrado, ele perderia para a escola o que tinha pago. Se, ao contrário, acertasse o disco inteiramente dentro de um quadrado, ele receberia R$ 2,00 (R$ 1,00 como devolução e mais R$ 1,00 como prêmio).

O problema dos estudantes consistia em determinar o diâmetro  d  dos discos de modo que o jogo resultasse favorável à escola. Observaram que quanto menor  d, melhor para o jogador, e quanto maior  d,  melhor para a escola. O favorecimento para a escola não deveria ser exagerado, pois, se o jogo fosse muito desfavorável para o jogador, ninguém iria querer jogar. Resolveram que uma probabilidade de 60% favorável à escola seria adequada.

Pergunta 1: Como determinar o valor de  d  que resulta em uma probabilidade de 40% favorável ao jogador e de 60% à escola?

Pergunta 2: Qual será, em média, o ganho da escola se 500 discos forem vendidos na feira?

Pergunta 3: Se os quadrados do piso têm lado  l,  qual a fórmula para o valor de  d  que resulta numa probabilidade  p  para o jogador?

Pergunta 4: O que muda no jogo se for feita a seguinte modificação: se o bordo do disco tangenciar o lado de um quadrado, a jogada é favorável ao jogador. Qual a probabilidade de ocorrer esse caso?

 

      Solução do problema do jogo dos discos  

Resposta da Pergunta 1

Para obtermos uma solução exata, podemos resolver primeiro a pergunta 3 e depois especificar os valores  cm  e    Isso está feito logo abaixo, onde podemos ver que o diâmetro procurado é    Uma solução aproximada pode ser obtida simulando-se o jogo com discos de vários diâmetros. Para cada diâmetro fazemos o quociente do número de acertos do jogador pelo número de jogadas. Colocamos os dados num gráfico cartesiano em que o eixo dos  x  representa o diâmetro dos discos e o eixo dos  y  representa a probabilidade de o jogador ganhar. Unindo-se os pontos assim conseguidos, obtemos uma curva que se assemelha a uma parte do gráfico de uma função quadrática    Através desse gráfico procuramos o valor de  d  para o qual resulta    Esse é o valor aproximado. Abaixo apresentamos os dados de um experimento realizado por estudantes, no qual foi obtido   

 

       Resposta da Pergunta 2  

Se 500 discos forem vendidos na feira, a arrecadação bruta será  R$ 500,00. Supondo que em 40% das jogadas (200 jogadas) os jogadores ganhem, a escola pagará R$ 400,00. Sobrará R$ 100,00 para a escola.  

 

       Resposta da Pergunta 3  

Seja  l  a medida do lado do quadrado do piso e seja  d,   o diâmetro do disco. Construindo um quadrado de lado    simetricamente disposto dentro do quadrado de lado  l  (ver figura), vemos que o jogador ganha se o centro do disco cair no interior do quadrado de lado   

Sob condições ideais podemos supor que lançar o disco aleatoriamente no piso é o mesmo que lançar seu centro aleatoriamente. Assim, a probabilidade  p  de o jogador ganhar é a mesma probabilidade de um ponto, lançado aleatoriamente dentro do quadrado de lado  l,  cair dentro do quadrado de lado    Da definição de probabilidade geométrica (veja [3]) temos

um disco de diâmetro  d,   lançado aleatoriamente, cair inteiramente no interior do quadrado de lado  l.  Dada uma probabilidade  p,  com    resolvendo a equação    em  d,  obtemos    Lembrando que  ,  temos    Esse é o diâmetro do disco que resulta em uma probabilidade  p  em favor do jogador.

Podemos agora encontrar a resposta exata da Pergunta 1. Fazendo    e  ,  obtemos    Em valores aproximados resulta  cm.


é um zero duplo de 

As duas linhas pontilhadas na figura acima mostram como se obtém graficamente o valor de  d  tal que   
 

     Resposta da Pergunta 4  

Teoricamente nada muda. A probabilidade de o disco tangenciar o lado de um quadrado é zero, embora a contagem desses casos no método experimental dependa do observador das jogadas.  

 

     Comentários sobre o uso do jogo dos discos em sala de aula  

Participando de um projeto dos Departamentos de Matemática e Física da UFSCar tivemos a oportunidade de orientar um grupo de professores que aplicaram o problema do jogo dos discos em suas escolas.

d

p

Para resolver o problema por experimentação foram construídos discos de madeirit ou de borracha com diâmetros 4, 6, 8, 10, 12 e 14 cm.

Os professores observaram que devem ser feitos pelo menos 200 lançamentos para cada diâmetro e para facilitar a experiência foram feitos 10 discos de cada diâmetro.

4

75,5%

6

68,5%

8

62%

10

50%

12

38%

14

32%

Os resultados obtidos em uma classe da 2a série estão dispostos na tabela ao lado, sendo  d  o diâmetro dos discos, em cm, e  p  a probabilidade de o jogador ganhar.

No gráfico estão dispostos os pontos obtidos. Os estudantes, usando uma folha de papel quadriculado e uma régua, desenharam a curva que lhes pareceu ser a que melhor se aproximava dos pontos dados e obtiveram a solução   (ligeiramente diferente do que obtivemos no gráfico). Ao fazer nosso gráfico (acima), usamos o aplicativo computacional Maple V para obter a função quadrática que mais se aproxima dos pontos dados. Acrescentamos na lista dos estudantes os pontos    e    A função obtida foi

Resolvendo a equação    em  d,  temos   

 

     Fazendo conexões  

No problema do jogo dos discos podemos considerar pavimentações de outros tipos para o piso onde serão lançados os discos, fazendo conexões com outras áreas da Matemática.

Consideremos as pavimentações chamadas mosaicos regulares do plano. Conforme vemos em [1], p. 3, são pavimentações constituídas por polígonos regulares de um único tipo e satisfazendo as condições:           a) quando dois polígonos se intersectam, essa interseção é um lado ou um vértice comum;  b) a distribuição dos polígonos ao redor de cada vértice é sempre a mesma. Os únicos mosaicos regulares do plano são os constituídos por triângulos equiláteros, quadrados ou hexágonos regulares.

Vamos aplicar nosso jogo dos discos a esses tipos de pavimentação. O caso de mosaicos formados por quadrados já foi estudado acima. Vejamos os outros dois casos.

Suponhamos que o piso do jogo dos discos seja pavimentado com peças na forma de triângulos equiláteros de lado  l.

No interior do triângulo equilátero de lado  l  dispomos um triângulo equilátero de lado  t,  com lados paralelos ao triângulo maior, de modo que a distância entre o lado do triângulo maior

Podemos verificar que a relação entre  l  e  t  é    Lembrando que a razão entre as áreas de duas figuras semelhantes é igual à razão entre os quadrados dos lados, a probabilidade de um disco de diâmetro  d,  lançado aleatoriamente no piso, cair inteiramente dentro do triângulo de lado  l  é


 o caso de o piso ser pavimentado com triângulos equiláteros.

Se o piso for pavimentado com peças na forma de hexágonos regulares, a probabilidade de um disco de diâmetro d, lançado aleatoriamente no piso, cair inteiramente dentro de um hexágono é

com    Resolvendo a equação    em  d,  temos    Como  ,  vem    Essa é a solução para o caso de o piso ser pavimentado com hexágonos regulares.

Outros tipos de pavimentação podem ser considerados.

Referências bibliográficas

[1]  RPM 40. Mosaicos no plano, Sérgio Alves e Mário Dalcín. [2]  HARUTA, M. E., FLAHERTY, M., McGIVNEY, J. e McGIVNEY R. J. Coin Tossing, The Mathematics Teacher, vol. 89, no 8, 1996, págs. 642-645.

[3]  RPM 34. Probabilidade geométrica, Eduardo Wagner.

RPM: Nota histórica sobre Buffon e o problema dos ladrilhos  

Georges Louis Leclerc, Conde de Buffon, nasceu em 7 de setembro de 1707, em Montbard, na França, e morreu em 16 de abril de 1788, em Paris.

Nascido na aristocracia, estudou Medicina e Direito. Mostrou interesse pela Matemática, tendo descoberto sozinho a Fórmula do Binômio e mantido correspondência com Cramer sobre Mecânica, Geometria, Probabilidade, Teoria dos Números e Cálculo Diferencial e Integral. Mas era a Natureza a sua paixão. Dedicou-se principalmente à História Natural, tendo sido o maior responsável pelo crescimento do interesse pela História Natural na Europa, no século XVIII. No século XVIII acreditava-se que Deus havia criado as espécies separadamente, isto é, de modo independente umas das outras, e que a idade da Terra seria de no máximo 6 000 anos. Em sua História Natural, uma enciclopédia que continha todo o conhecimento da época sobre a natureza, Buffon apontava, 100 anos antes de Darwin, as semelhanças entre homens e macacos e até mesmo sugeria a existência de um ancestral comum. Em As Épocas da Natureza (1788), sugeria que a idade da Terra era muito maior que os 6 000 anos até então a ela atribuídos. O 4o volume do Suplemento à História Natural, publicado em 1777, tem 3 de suas 35 seções dedicadas ao Cálculo de Probabilidades. Uma delas é Sur le jeu de franc-carreau (Sobre o jogo do ladrilho), na qual Buffon discute o jogo do ladrilho e apresenta o Problema da Agulha (abordado na RPM 09, pág. 10, e RPM 20, pág. 20). Foi o primeiro escrito sobre o que hoje se conhece por Probabilidade Geométrica.

O jogo do ladrilho

Era bastante jogado pelas crianças francesas no século XVIII. Uma pequena moeda de raio R é lançada ao acaso em um chão coberto por ladrilhos quadrados de lado  l  (l>2r) . As crianças apostavam que a moeda cairia inteiramente dentro de um ladrilho ou que a moeda cairia atravessando o lado de algum ladrilho.

Buffon notou que a probabilidade de a moeda cair inteiramente dentro de um ladrilho era a probabilidade de o centro da moeda cair dentro de um quadrado de lado  l>2r.

Essa probabilidade é a razão entre as áreas do quadrado e do ladrilho, pois a probabilidade de o centro da moeda cair em uma região é proporcional à área dessa região. Portanto, a probabilidade de a moeda cair inteiramente dentro de um ladrilho é