Jesús A. P. Sánchez
Mérida, Venezuela
José Paulo Q. Carneiro
Comitê Editorial da RPM
Problema 1 – Jesús A. P. Sánchez

O problema a seguir foi inspirado numa história do livro Um, dois, três, ..., infinito  de George Gamow.

Era uma vez dois irmãos aventureiros que encontraram, no baú das lembranças de seu bisavô, o mapa de um tesouro, juntamente com as instruções para localizá-lo.

O tesouro estava numa ilha, cuja localização estava descrita de forma clara; encontrada a ilha, deveriam procurar um campo aberto com um grande espaço arenoso, perfeitamente circular. No exterior do dito círculo encontrariam numerosas palmeiras alinhadas ao longo de uma reta. Deveriam, então, procurar a palmeira com um desenho geométrico no seu tronco e, partindo de sua base, traçar as tangentes à pista circular, chamando de    e    os pontos de tangência. A seguir, deveriam traçar também o diâmetro, , da circunferência fronteira da clareira, perpendicular à reta das palmeiras.

Encontrariam o tesouro enterrado exatamente no ponto de intersecção de    com  .

Os jovens viajaram muito contentes até a ilha, levando cordas e outras ferramentas necessárias.

Lá estavam a formosa planície, a grande clareira circular e a comprida fila de belas palmeiras. Mas todas as palmeiras apresentavam figuras geométricas nos seus grossos troncos!

Esse inesperado fato derrubou todos os planos. Não sabiam qual era o ponto inicial e, sem ele, imaginaram que o trabalho seria gigantesco ou impossível. Dessa forma tiveram de voltar com as mãos vazias...

Entretanto, se aqueles aventureiros soubessem um pouco de Geometria, teriam escolhido uma palmeira qualquer da fila, como ponto inicial, e teriam encontrado o tesouro.  Vejamos por quê.

Na figura:

O  e  r  são, respectivamente, o centro e o raio da circunferência fronteira da clareira circular;  H  o ponto de intersecção da reta determinada por  AM  com a reta das palmeiras;  P  o ponto que representa a palmeira escolhida, eleita para iniciar a procura do tesouro;  B  o ponto de intersecção de  OP  com  ;  T  intersecção de    com  AM, ponto onde deveriam cavar para encontrar o tesouro.

Temos então:

Os triângulos retângulos    e    são semelhantes.

Analogamente, os triângulos retângulos  OBT  e  OHP  são semelhantes, o que implica:


ponto  P,  ou seja, independe da palmeira escolhida inicialmente.

 

Referências bibliográficas

[1] CARONNET, Th. Exercises de Géometrie. Paris: Librairie Vuibert, 1930.
[2] GAMOw, George, Um, dois, três,¼, infinito. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

 

 

Problema 2 – José Paulo Q. Carneiro

O problema a seguir foi inspirado em um exercício do livro Polynomials, de E. J. Barbeau, e foi apresentado a professores do ensino médio, alunos de um curso, de formação continuada, sobre números complexos.

Dois piratas decidem enterrar um tesouro em uma ilha. Escolhem, como pontos de referência, uma árvore e duas pedras. Começando na árvore, medem o número de passos até a primeira pedra. Em seguida, dobram, segundo um ângulo de 90o, à direita e caminham o mesmo número de passos até alcançar um ponto, onde fazem uma marca. Voltam à árvore, medem o número de passos desde a árvore até a segunda pedra, dobram à esquerda, segundo um ângulo de 90o, e caminham o mesmo número de passos até alcançar um ponto, onde fazem outra marca. Finalmente, enterram o tesouro exatamente no ponto médio entre as duas marcas.

Anos mais tarde, os dois piratas voltam à ilha e decidem desenterrar o tesouro, mas, para sua decepção, constatam que a árvore não existe mais (o vento, a chuva e os depredadores a haviam arrancado). Então um dos piratas decide arriscar. Escolhe ao acaso um ponto da ilha e diz: “Vamos imaginar que a árvore estivesse aqui.” Repete então os mesmos procedimentos de quando havia enterrado o tesouro: conta os passos até a primeira pedra, dobra à direita, etc., e encontra o tesouro.

A pergunta é: esse pirata era sortudo ou um matemático?

Mesmo tendo sido apresentado em um curso sobre números complexos, e para “alunos” que tinham bastante experiência – eram professores de Matemática –, o problema da ilha do tesouro causou uma comoção. Na verdade, todos admitiram que, se o curso não fosse sobre números complexos, a nenhum dos presentes teria ocorrido a idéia de resolver esse problema usando a álgebra dos números complexos. E, mesmo depois da sugestão para fazê-lo, quase ninguém conseguiu.

Qual é a relação entre o problema e os números complexos? Bem, tudo se baseia em dois fatos fundamentais:

1) no plano complexo, a diferença entre dois complexos traduz o vetor com origem no primeiro ponto e extremidade no segundo; é o que se costuma formular por: ;

2)  multiplicar um complexo pelo número  i  (a “unidade imaginária”) equivale a girá-lo de um ângulo reto positivo.

A figura ilustra a situação do problema. Sendo A  a árvore, e  P  e  Q as pedras, o tesouro está no ponto T médio dos pontos  e  . Considerando os pontos pertencentes ao plano complexo, não importando onde esteja a origem, tem-se:

Esse resultado não só demonstra que a localização do tesouro independe da posição da árvore (o pirata era um matemático...), como também permite localizá-lo como o terceiro vértice de um dos triângulos retângulos isósceles com hipotenusa  PQ.


Referências bibliográficas

[1] Barbeau, E.J. Polynomials. Springer-Verlag, 1989.

[2] Carneiro, J.P.Q. Resolução de equações algébricas. Rio de Janeiro: Univ. Santa Úrsula, 1998.

[3] Carneiro, J.P.Q. Los números complejos en la isla del tesoro. III Congresso Iberoamericano de      Educación Matemática, 1998.

[4] Motta, E. Aplicações dos números complexos à geometria. Eureka!, no 6.