Painel I
Uma equação motivadora

Gilder da Silva Mesquita
gildermesquita@uol.com.br
Recife, PE
 

Quando eu era aluno de um curso pré-vestibular, meu professor de Álgebra propôs o problema: Resolver a equação irracional  

,

usando apenas técnicas aprendidas no ensino fundamental (1o grau), portanto, sem usar resultados sobre raízes de equações algébricas, vistos no ensino médio (2o grau). Aparentemente não parecia nada fora do comum, mas...

Qual é a primeira ação natural? Elevar ambos os membros ao quadrado, não é?  

.

Elevando novamente ao quadrado:

.

“E agora, José?” Como resolver essa equação usando apenas recursos do ensino fundamental? Acredite, é possível! E esse é um problema desafiador, do tipo que devemos oferecer aos nossos alunos, pois exige alguma criatividade e exercita várias operações algébricas. Vejamos:

Inicialmente observamos que, sendo a raiz quadrada um número não negativo, devemos ter  .

Fazendo a substituição ( ), obtemos e a equação fica  ,  logo,  .

Como não adianta elevar ao quadrado novamente, vamos tentar uma

fatoração e uma nova mudança de variável:

=

Fazendo a substituição  ,  temos

  e   e, então,

 ou 

e essa equação podemos resolver. Vejamos:

1o)  se    temos a solução   [esta solução, em geral, nossos alunos perdem fazendo o cancelamento do termo ( )].

2o)  se     temos     ou  ;

de    e  ,  temos  ,  mas então    portanto, não se pode ter   ;  logo, a única solução da equação em  z  é   ,  que faz    e, então,   .

Logo,    é a única solução real da equação proposta inicialmente.  

 

 

 

 

Painel II
Valores irracionais de funções trigonométricas
Paulo A. da Mata Machado
Aldo Trajano Lourêdo
Universidade do Estado da Bahia

RPM: O que segue é uma transcrição adaptada de alguns resultados encontrados no livro Números: racionais e irracionais, de I. Niven, SBM, RJ, 1984, que decidimos publicar por julgar do interesse de nossos leitores.

São conhecidas as identidades trigonométricas

  e

,

as quais, juntamente com a relação fundamental, , implicam

.

Fazendo    na última igualdade, obtemos:

.

Se escrevemos  x  no lugar de , obtemos a equação

,

que por construção tem    como raiz.

Aplicando a essa equação o conhecido resultado sobre raízes racionais de equações polinomiais:

Se , fração irredutível, é raiz de uma equação com coeficientes inteiros  anxn + an-1xn-1 +...+ a1x + a0 = 0 ,  então p  é divisor de a0q  é divisor de  an ,

substituindo-se na equação, um cálculo simples mostra que nenhum desses números é raiz; logo, a equação não tem raízes racionais e, portanto,    é um número irracional.

Também temos  .

Logo, se    fosse racional, então    seria racional, o que implicaria  racional, o que é uma contradição.

Portanto,    é irracional.

Usando    conclui-se, de modo análogo, que     é também irracional.

Generalizando, temos o resultado:

Se   for um ângulo tal que cos 2  é irracional, então  cos sen   e  tg   são também irracionais.

A verificação de que    e    são irracionais se faz de modo análogo ao utilizado para   ,  usando as igualdades

.

Finalmente, se     fosse racional, então    seria racional e de

,

teríamos    racional e, novamente, concluiríamos que    é racional, uma contradição. Portanto,     é irracional.

Com repetidas aplicações do resultado anterior mostra-se que  ,   e     são irracionais, para, por exemplo, os valores de 

; ;    etc.