Mario Dalcín
Montevidéu, Uruguai
Ana Catarina P. Hellmeister
Comitê Editorial da RPM
     Introdução

Sabemos que o circuncentro  O,  o baricentro  G  e o ortocentro  H  de um    estão alinhados na chamada reta de Euler (1707–1783) e que a distância  GH  é o dobro de  OG:

O,  G,  H  alinhados e    (ver [4]).

Temos também que o centro P do círculo dos nove pontos (ver [3]) é o ponto médio do segmento cujos extremos são H  e  O:

O, P, H  alinhados e 

       

Resumindo:

O, G, P, H  alinhados e

Não parece que o incentro  I,  ponto de encontro das bissetrizes dos ângulos internos, sendo um dos pontos notáveis do triângulo, também com direitos adquiridos, foi desprezado? Não parece que ficou “sem vela nesse enterro”? Vamos, neste artigo, tentar resgatar o papel do incentro.  

1.       

Consideremos o  A'B'C'   formado pelos pontos médios dos lados do  ABC  e seja  S  o   o incentro  I  do ABC é levado no incentro S do  A'B'C', uma vez que homotetias preservam retas paralelas, logo, ângulos. 

Temos então:

I,  G,  S  alinhados  e

Até que enfim o incentro  I  está participando de algo! Mas, claro, “alegria breve”, já que o circuncentro  O  e o ortocentro  H  possuem propriedades semelhantes.

Além disso, aqui há participação de apenas três pontos, enquanto  O,  G  e  H  estão relacionados com um quarto ponto  P,  mencionado na introdução deste artigo.

Pobre incentro  I,  continua cumprindo um papel secundário. Será que “quem nasce para apito nunca chega a ser corneta”?  

2.       

(a)

Sejam  D,  E,  F  os pontos de contato da circunferência inscrita (de centro I)  com os lados do  DABC.

Então temos

,    e 

Portanto,

que é a chamada condição de Ceva (1647–1736) (ver [1]), suficiente para a concorrência das retas determinadas por  AD,  BE  e CF.  O ponto de interseção comum,  J,  chama-se ponto de Gergonne (1771–1859).

- Que me dizem agora? - pergunta  I.

H,  G  e  O   calam-se.  

(b)

Se  ,   e    são os pontos simétricos de  D,  E  e  F,  em relação aos respectivos pontos médios dos lados do triângulo, temos:

,  e de modo análogo têm-se   e . Portanto,  concorrência de Ceva para as retas determinadas por  ,    e  . 

Denotemos por    o ponto comum de concorrência dessas três retas, que também é chamado ponto de Gergonne.

I  já não está tão sozinho, sente a presença dos pontos de Gergonne  J      e    intimamente ligados a ele.

(c)

Por que considerar só a circunferência inscrita se há outras três circunferências exinscritas que também são simultaneamente tangentes às três retas que contêm os lados do triângulo?, pensa  I.

Imediatamente constrói uma das circunferências exinscritas. Se   e U  são os pontos de contato das retas determinadas pelos lados do triângulo com essa circunferência, observemos que:

   ou     e,  como    e  ,  temos  . 

Logo,  U  é tal que  (o ponto  U  “divide o perímetro” do triângulo em .  Mas também temos  . Logo,    e, como  ,  vem    e então,  ,  que implica    o que mostra que  D  e  U  são simétricos com relação ao ponto médio do lado  CB  do triângulo. Portanto,  .

Repetindo os procedimentos de  (a), (b) e (c)  para os outros dois vértices do  ,  podemos afirmar que os três segmentos determinados por um vértice e pelo ponto de tangência da circunferência exinscrita com o lado oposto a esse vértice são concorrentes em um ponto chamado ponto de Nagel (1803–1882)  N,  e que  .  

3. 

Dados o incentro  I  e o baricentro  G  do  ABC  marquemos um ponto  M  sobre a semi-reta  IG  que satisfaça  .

Dessa forma, como  ,  o  e o   são semelhantes, o que implica  paralelo ao  AM.

Se    é o ponto de encontro da reta determinada por  AM  com o lado  CB,  vamos provar que    “divide o perímetro”  p  do    em duas partes iguais, isto é, que 

Cálculo de QM' :

Sendo  Q  o pé da perpendicular ao lado  BC,  por  A,  de    resulta que    e    são semelhantes. Logo, temos,

Cálculo de DA' :

Denotando  ,    e    temos  ,  .  Então,

diferente da indicada na figura, o procedimento é análogo).

Cálculo de BQ:

  e, pela lei dos cossenos,   logo, 

Concluindo,


 procedimento é análogo).

Então,    e, repetindo o processo com os outros vértices,  B  e  C,  obtemos 

Sendo    provamos que  I,  G,  N  estão alinhados e 

- Vocês têm algo para dizer agora? - pergunta  I,  dirigindo-se a  O  e  H.

- Não se esqueça que somos quatro os pontos alinhados e não três - contestam  O  e  H.

- Então estamos em igualdade de condições - responde  I.

O  e  H  olham-se sem entender.

- Vejam - diz  I:  

 

4.       

Do que foi demonstrado em  1  e  3,  temos

I,  G,  S  e  N  alinhados e 

Lembrando o resultado da Introdução, retas  OI,  PS,  HN  são paralelas.

Comentário do Prof. Sérgio Alves:  

     A verdadeira vingança do incentro  

O ortocentro  H  e o circuncentro  O  são pontos tipicamente euclidianos, no sentido, que a prova de sua existência depende do Axioma das Paralelas (em geometrias não euclidianas, como, por exemplo, a hiperbólica, podemos encontrar triângulos nos quais as três retas mediatrizes são paralelas, não determinando, portanto, o ponto O).  Entretanto, mesmo nas geometrias não euclidianas, as três bissetrizes são sempre concorrentes em um único ponto, garantindo a existência do incentro  I.  Conseqüentemente, são os pontos  H  e  O  que devem morrer de inveja do  I.

RPM: Agradecemos aos professores Antônio Luiz Pereira, Claudio Possani e Sérgio Alves a leitura cuidadosa e sugestões para o artigo.

 

Referências bibliográficas

[1] COXETER, H. S. M. e GREITZER S. L. Geometry revisited. New York: Random House, 1987.

[2] EVES, H. Estudio de las geometrias. México, 1969.

[3] RPM 14. O círculo dos nove pontos, Plácido Rogério Pinheiro.

[4] RPM 43. Coordenadas para os centros do triângulo, Augusto C. Morgado.