Novo Lançamento da SBM
Exame de Textos

Análise de Livros de Matemática para o Ensino Médio
Elon Lages Lima (editor)

(470 páginas)   Rio de Janeiro 2001
Publicação da Sociedade Brasileira de Matemática.
Estrada Dona Castorina 110, CEP 22460-320, Rio de Janeiro, RJ.
Fones (0xx21) 529-5073, 529-5076.
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e-mail: sbm@impa.br

Analistas:  Augusto Cesar Morgado, Edson Durão Judice, Eduardo Wagner, Elon Lages Lima, João Bosco Pitombeira de Carvalho, José Paulo Quinhões Carneiro, Maria Laura Magalhães Gomes, Paulo Cezar Pinto Carvalho.

A Sociedade Brasileira de Matemática acaba de publicar o livro intitulado Exame de Textos. Ele contém uma apreciação de 36 volumes, constituindo 12 coleções de livros didáticos usados no ensino médio de Matemática nas escolas brasileiras. Os exames e as respectivas conclusões foram feitos por oito professores de reconhecida experiência no ensino. O projeto foi patrocinado pela sociedade VITAE, uma organização privada à qual a Educação em nosso país muito deve, com o apoio do IMPA, que muito corretamente vê o ensino básico como uma etapa indispensável para a pesquisa, e da SBM, cujo suporte às iniciativas que visem à boa qualidade do ensino de Matemática é constante e incentivador.

O total de páginas lidas, analisadas, discutidas em conjunto e depois resenhadas excede a 15 000. Para ser exato, esse número deveria ser multiplicado por 2, pois dois analistas se responsabilizaram pelo escrutínio e redação definitiva da resenha de cada texto.

O resultado final do trabalho é apresentado num livro de quase 500 páginas, que a SBM põe agora à disposição dos professores, estudantes universitários e, de modo geral, de todos aqueles interessados em questões de ensino.

 Seria um engano pensar que se trata meramente de uma série enfadonha de 36 resenhas que se limitam a descrever o conteúdo de cada livro considerado, ocasionalmente apontando alguns erros de cálculo ou impressão.

Na verdade, as análises não se restringem a apontar acertos e eventuais defeitos encontrados nos 36 textos estudados. Críticas são feitas e são muitas. Mas se baseiam em princípios claramente enunciados, muitos deles delineados na Introdução que abre o livro. E são sempre seguidas de orientação, sugestões e até mesmo exemplos, ilustrando o caminho a seguir.

Por isso, Exame de Textos é um livro que educa, abre horizontes, apresenta desafios e ensina a ensinar. Tem tudo para tornar-se um clássico, leitura obrigatória para quem gosta de Matemática e de ensiná-la.

Transcrevemos a seguir o Posfácio do livro, que, nas palavras do Professor Elon Lages Lima, “resume a impressão que me restou após a leitura de tantos volumes, acompanhada de freqüentes discussões com meus sete co-autores”.

 

 

     POSFÁCIO  

Elon Lages Lima
IMPA, RJ

Ao concluirmos este trabalho, temos plena consciência de que não examinamos todos os livros adotados em nosso Ensino Médio, mesmo porque a cada ano surgem novos títulos, enquanto outros saem de circulação. Isso, sem mencionar as inúmeras apostilas, às vezes anônimas e freqüentemente mal concebidas, que tantas escolas utilizam. Por outro lado, estamos certos de que as coleções aqui analisadas são adotadas pela absoluta maioria dos professores. Mais ainda: elas refletem em seu bojo a atitude, a visão da matéria, a linguagem, os hábitos e o conhecimento matemático predominantes no meio em que estão inseridas.

Por isso não hesitamos em considerar a amostra da qual dispomos representativa o suficiente para permitir, a partir dela, falar genericamente, sem mencionarmos as exceções de praxe, caso existam.

O livro didático é o instrumento essencial utilizado pelo professor para realizar o seu trabalho. Dele são tiradas as listas de exercícios, é nele que estão as definições, os exemplos, as observações, as demonstrações e a linguagem a ser usada na comunicação com a classe. Muitas vezes (quase sempre) o livro didático é onde o professor aprende aquilo que vai transmitir a seus alunos, pois em geral não estudou na faculdade (se é que freqüentou alguma) um número considerável de assuntos que fazem parte do currículo escolar.

Portanto, o nível, a qualidade do ensino e, conseqüentemente, a formação adquirida pelo aluno dificilmente serão superiores ao nível e à qualidade média dos livros didáticos disponíveis. Daí a importância dos mesmos.

Da extensa leitura que fizemos, refletida nos comentários das páginas precedentes, emerge a figura do livro genérico brasileiro de Matemática para o Ensino Médio.

O livro genérico não é nenhum dos que existam realmente. Entretanto, cada uma de suas características, que enumeraremos a seguir, está presente na maioria (pelo menos oitenta por cento) dos textos atualmente em uso. E, reciprocamente, esses compêndios possuem a maioria (ainda oitenta por cento, pelo menos) das características do livro genérico.

E quais são essas qualidades e defeitos do livro genérico?

Ele é muito bem impresso e diagramado, em várias cores, com belas ilustrações, embora as figuras matemáticas contenham muitas imprecisões e erros.

Seu texto não induz o leitor (aluno) a pensar. Quando propõe problemas que exigem raciocínio, são quebra-cabeças que não se relacionam com a matéria ensinada.

Transmite sistematicamente a impressão de que as conclusões gerais da Matemática resultam do exame superficial de dois ou três casos particulares.

Contém afirmações gerais obviamente falsas, que poderiam ser evitadas mediante cuidados elementares, como no uso indevido da Regra de Cramer.

Usa uma terminologia peculiar, que o aluno deverá esquecer em estudos posteriores, na Universidade. Exemplos: ciclo trigonométrico, paralelas coincidentes, retas ortogonais devem ser reversas, interceptar em vez de intersectar, função afim não pode ser constante.

Omite inteiramente qualquer menção a um dos conceitos mais relevantes da Matemática, que é o de vetor, cujo uso simplificaria e esclareceria enormemente o estudo dos sistemas lineares.

Não estabelece conexões entre os assuntos estudados em diferentes capítulos ou volumes. Exemplo: progressão geométrica e função exponencial.

Das três componentes básicas do ensino da Matemática (conceituação, manipulação, aplicações), privilegia a manipulação. A parte conceitual é extremamente deficiente e as aplicações reais, contextualizando os temas estudados, praticamente inexistem.

Tomemos quatorze assuntos dentre os mais relevantes que se estudam no Ensino Médio e vejamos rapidamente como o livro genérico os trata.

1.  Conjuntos e funções. Não fica claro para o leitor (aluno ou professor) que os conjuntos são o modelo matemático para o raciocínio lógico. (Por exemplo: que a implicação lógica eqüivale a uma inclusão entre conjuntos.)  Funções são definidas como relações binárias, ponto de vista que nenhum matemático nem usuário da Matemática adota em seu dia-a-dia. Pior: esta generalidade inútil é rapidamente abandonada e todas as funções que surgem depois são bolinhas e flechinhas, ou então dadas por fórmulas.

2.   Números reais. Apresentação obscura. Não há menção a medidas. Deseduca e mistifica. Exemplo:  é irracional porque não é uma decimal periódica. Quem garante isso? Ou então:  quando b está à direita de a na reta. Como saber se  ou não?

3.  Função afim. A importantíssima noção de proporcionalidade, que o aluno não aprendeu corretamente no Ensino Fundamental, não é retomada de forma adequada. A caracterização da função afim (acréscimos iguais a  x  provocam acréscimos iguais em )  nunca é mencionada. Que seu gráfico é uma reta é uma conclusão nunca provada, mas afirmada a partir de três pontos particulares num exemplo particular. Além disso, é chamada função do primeiro grau, como se funções tivessem graus.

4.   Função quadrática. Um acúmulo de impropriedades. O método de completar quadrados, instrumento essencial para o estudo deste tópico, não é usado nem ao menos mencionado. A forma canônica do trinômio, idem. A parábola não é definida geometricamente nem é feita a conexão com a curva de mesmo nome (a mesma curva) estudada na terceira série. Os inúmeros e interessantes problemas contextuais que o assunto permite (e que livros didáticos já expunham há 250 anos) se reduzem a um único. Empregos importantes da parábola, como antenas de televisão, por exemplo, não são mencionados.

5.  Funções exponenciais e logarítmicas. São tratadas separadamente e só de passagem é dito que uma é a inversa da outra. Há menção, extremamente anacrônica, de tábuas de logaritmos e pouco uso da calculadora. Os variados, atuais e importantes exemplos em que estas funções são aplicadas são escassos e apresentados sob a forma enganosa em que a exponencial e o logaritmo já vêm junto com o       enunciado do problema. As propriedades características destas funções não são mencionadas, logo não é possível propor questões em que elas sejam usadas na resolução mas não ocorram no enunciado. Nunca é observado que progressões geométricas são discretizações de funções exponenciais.

6.  Trigonometria. Tratamento demasiadamente longo, com ênfase em trivialidades, omissões importantes, conceitos mal definidos e ausência de problemas contextuais atraentes. O radiano é mal definido, as calculadoras não são enfatizadas e nunca é claramente exposta a diferença entre o seno (por exemplo) de um ângulo e o seno de um número.

7.  Progressões aritméticas e geométricas. A noção de seqüência é definida incorretamente. Uma P.A. não é exibida geometricamente como pontos igualmente espaçados sobre uma reta nem como pontos situados sobre uma reta do plano cartesiano (o que deixaria claro que uma P.A. é a discretização de uma função afim). A soma dos termos de uma P.A. finita não é relacionada com uma função quadrática nem são mencionadas P.A.’s de segunda ordem. Não é feita a conexão entre P.G. e função exponencial nem são oferecidos problemas não artificiais que exibam situações de fato onde se poderiam usar P.G.’s ou funções exponenciais. Temas irrelevantes e inúteis como produto dos termos de uma P.G. são destacados. Na soma dos termos de uma P.G. infinita, nenhuma explicação é dada sobre o fato de que    quando  .  A Matemática Financeira não é suficientemente desenvolvida.

8. Análise Combinatória. O livro genérico deixa a impressão de que os problemas combinatórios se reduzem à questão de saber se se trata de uma permutação, uma combinação ou um arranjo e então aplicar a fórmula, sem se dar conta de que a maioria dos problemas interessantes de contagem não cabe nesse restrito formato. Não são propostas questões nas quais o leitor tenha que tomar decisões a partir da contagem de situações.

9.   Álgebra Linear. Enquadramos sob esta epígrafe os capítulos de matrizes, determinantes e sistemas lineares. O tratamento deste tópico no livro genérico é provavelmente o mais anacrônico e mal concebido de todo o programa de Matemática do Ensino Médio. A noção de vetor que, como dito acima, seria o elemento unificador, esclarecedor e simplificador, não é mencionada, embora esteja presente nas linhas e colunas das matrizes e nas soluções dos sistemas.

Os conceitos de combinação e dependência linear também não são mencionados, embora indispensáveis para explicar os fatos e enunciar as conclusões. Com efeito, uma matriz é invertível se, e somente se, nenhuma de suas linhas (ou colunas) é combinação linear das outras. Um sistema linear possui solução se, e somente se, a coluna dos termos independentes é combinação linear das colunas da matriz do sistema. Um determinante se anula quando, e somente quando, uma de suas linhas (ou colunas) é combinação linear das demais. Esta injustificável omissão evidencia falta de preparo de nossos autores.

Mesmo sem falar nas omissões acima citadas (porém como conseqüência delas), há falhas imperdoáveis no tratamento da Álgebra Linear dado no livro genérico. O estudo de matrizes é desmotivado, com definições arbitrárias e afirmações peremptórias não justificadas. Determinantes são incorretamente definidos e suas propriedades fundamentais não são devidamente destacadas. Dessas propriedades elementares (segundo as quais o determinante é uma função multilinear alternada das linhas ou colunas da matriz), resultaria facilmente que o determinante do produto de duas matrizes é o produto dos seus determinantes. Este fato é citado, mas nunca é provado.

No estudo de sistemas lineares, a Regra de Cramer é destacada como um método de resolução sem que se perceba que dificilmente método menos eficiente pode existir. Também a inversão de matrizes é proposta, sem que se dê conta de que inverter uma matriz    requer resolver  n  sistemas lineares  .

Há muito mais o que criticar no lamentável tratamento dado em nosso ensino a um tópico de tão grande importância como a Álgebra Linear. Mas encerremos este assunto dizendo que uma visão geométrica dos sistemas  ,  nunca apresentada, muito ajudaria o entendimento do assunto. E que o tema permite aplicações bastante interessantes, como os tradicionais problemas de ligas e vários outros mais modernos, os quais não são estudados.

10. Geometria Espacial. A Geometria é tratada de modo insatisfatório no livro genérico. A escolha dos axiomas é no mínimo curiosa. É dada ênfase ao chamado “axioma fundamental”, segundo o qual a reta, o plano e o espaço têm infinitos pontos. Este axioma nunca é usado. Como o ponto médio de um segmento tem sua existência admitida sem discussão, bastaria dizer que a reta não se reduz a um só ponto para garantir que há infinitos pontos na reta. Além disso, na primeira série admite-se uma bijeção entre IR e a reta, logo esta é infinita. Quanto ao plano, bastaria dizer que há nele três pontos não colineares. E que no espaço há quatro pontos não coplanares. Em todo o livro genérico, os autores mostram muito pouca familiaridade com a Geometria e com o método dedutivo em geral. Há uma grande pressa de passar do desordenado tratamento da geometria da posição para o estudo de áreas e volumes, predominantemente aritmético.

O volume de um sólido nunca é definido, nem sequer intuitivamente. A fórmula do volume do bloco retangular é “deduzida” a partir de um exemplo particular onde as arestas têm medidas inteiras. As demais baseiam-se em argumentos mal explicados e omissões de pontos      essenciais. O Teorema de Euler para poliedros é demonstrado incorretamente. Incorreta também é a definição de poliedro.

11. Geometria Analítica. A falta de objetividade e de autocrítica na feitura do livro genérico fica patente aqui. A condição de alinhamento de três pontos e a equação de uma reta são apresentadas sob a forma   de um  determinante  ,  o que é um opção infeliz. Nunca  é observado que a reta de equação   (ou  ,  como o livro genérico inadequadamente prefere) é perpendicular ao     segmento  AO,  onde    e  .  Isto tornaria imediata a obtenção da fórmula da distância de um ponto a uma reta. Não são apresentados os numerosos e eloqüentes exemplos de uso da Geometria Analítica para resolver problemas de Geometria Plana. As seções cônicas são estudadas apressadamente, sem que se discutam     suas várias aplicações nem que suas equações sejam deduzidas corretamente. Mais uma vez falta o método de completar quadrados. Também fazem falta os vetores. Outro ponto inexplicável é a ausência das coordenadas no espaço. Pelo menos a equação do plano permitiria interpretar geometricamente um sistema linear  .

12. Números Complexos. A aritmética dos números complexos não apresenta dificuldades. A conexão com a Geometria, porém, é deficiente, o que é estranho, pois a Geometria Analítica acabou de ser estudada. É mais um exemplo de falta de conexão entre os capítulos. As aplicações geométricas das operações entre complexos (principalmente a multiplicação), tão belas como variadas, não são exploradas. Isto é imperdoável, pois todo matemático ou usuário da Matemática, ao pensar num número complexo, sempre o imagina como um ponto do plano coordenado e as operações são interpretadas como transformações geométricas.

13. Polinômios. O livro genérico não traz gráficos de polinômios de grau superior a 2. Não traz exemplos de problemas contextuais que requeiram a resolução de uma equação de grau superior a 2. Não    deixa claro ao leitor que as fórmulas que expressam as raízes das equações do terceiro e quarto graus são inúteis e que os métodos numéricos (como o de Newton) são eficientes e estão ao alcance dos alunos, principalmente com uma boa calculadora ou um computador.

14. Cálculo. Em algumas edições, o livro genérico traz capítulos sobre Cálculo Diferencial. Seria melhor não trazê-los. Os alunos vão estudar o assunto na universidade e os que não vão ao terceiro grau não aprenderão aqui nada que se aproveite.