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Antônio
Luiz Pereira
Vários polígonos e sólidos têm “construções físicas” conhecidas através de dobraduras. Algumas delas são encontradas em [1], como, por exemplo, a seqüência de figuras a seguir, que ilustra a construção de um pentágono regular usando uma fita de papel. O procedimento é bastante simples: tome uma fita de papel (suficientemente extensa) e faça o nó de gravata mais simples possível. Aperte até que o nó esteja bem “justo”, sem, porém, dobrar a fita. Eis aí o seu pentágono .
A questão agora é: obtivemos realmente um pentágono regular? Em um certo sentido, a resposta a essa pergunta é muito simples: não, o “objeto” obtido não é um pentágono regular. Não há tal coisa no mundo físico; na verdade não há linhas retas, ou mesmo “linhas” que tenham apenas comprimento, que não tenham volume ou largura. No caso da construção proposta, em algum nível de resolução os lados do “pentágono” se apresentariam como uma linha muito irregular, e em um nível ainda mais alto, como constituídos por partículas individuais. Entretanto, você (como eu) provavelmente tem a sensação de que a pergunta “obtivemos realmente um pentágono regular?” faz sentido e que a resposta dada é, de fato, inadequada. Talvez se possa reformular a pergunta: pode-se construir um pentágono de modo que os lados difiram no máximo em 1%? Ou, quem sabe, em 0,1%? Ou será possível encontrar um “erro mínimo” que não pode ser evitado, por melhor que seja o material usado e mais cuidadosa que seja a construção? Ou, colocando de maneira ligeiramente diferente, o que queremos saber é se o processo descrito leva à construção de um pentágono regular “em princípio”, ou seja, ignorando-se as imperfeições acidentais. Um aspecto intrigante do problema é exatamente entender o que poderia ser uma “prova” do fato alegado. Em princípio, um resultado matemático só pode ser obtido a partir de outros fatos matemáticos admitidos como verdadeiros. Ora, na situação proposta, não temos (ao menos explicitamente) hipóteses matemáticas. Assim, estritamente falando, o problema não tem solução tal como proposto, ou melhor, não é possível exibir a prova pedida. Mas é inegável a utilidade da Matemática na modelagem do mundo físico e, assim sendo, vamos tentar ver como isso pode ser feito no nosso modesto problema do pentágono. O plano é, resumidamente, o seguinte: primeiro vamos propor um modelo matemático para o problema e levantar algumas hipóteses sobre ele. Procuraremos, é claro, formular um modelo que corresponda, de alguma forma, ao problema dado e propor hipóteses que sejam “naturais”. É importante observar, porém, que não podemos fornecer uma prova da adequação do nosso modelo (o que não nos impedirá, porém, de oferecer argumentos sobre sua razoabilidade). Em seguida, de posse de hipóteses matemáticas adequadas, provaremos que o objeto matemático (idealizado a partir da construção) é, de fato, um pentágono regular. Teremos, então, demonstrado (em algum sentido) que a construção física proposta dá origem, de fato, a um pentágono regular? Deixamos a questão para a reflexão do leitor.
Vamos supor, inicialmente, que o procedimento leva à construção de um pentágono. Pensamos que o leitor se convencerá de que essa hipótese é razoável realizando, ele mesmo, a construção. Por esse motivo, e não tendo encontrado nenhum outro argumento (quem sabe o leitor o encontre), vamos assumir que obtemos um pentágono com uma de nossas hipóteses. Assim, só o que nos propomos a demonstrar é que o pentágono obtido é regular (os lados e os ângulos internos são iguais). Agora, se olhamos para o pentágono construído, percebemos que seus lados (exceto um) coincidem com bordas da fita de papel. As outras bordas aparecem como diagonais, ou seja, ligando vértices não adjacentes.
Observe também que, pelo mesmo motivo, as retas paralelas acima deverão estar todas à mesma distância d, igual à largura da fita. Tomaremos esses fatos como hipóteses adicionais. Nossa proposição matemática será então a seguinte: Proposição:
Suponhamos que ABCDE é um pentágono tal que
,
e todos os pares de
retas paralelas indicadas estão à mesma distância d. Então, ABCDE é um pentágono
regular. Para a prova precisaremos do seguinte resultado preliminar: Resultado:
Seja
MNPQ um paralelogramo
tal que as distâncias entre os lados opostos são iguais. Então,
MNPQ é um losango (ou
seja, os quatro lados têm mesma medida).
Voltemos ao pentágono:
Como a soma das medidas dos ângulos internos de um losango é igual a , obtemos as medidas de ângulos indicadas nas figuras abaixo.
Por outro lado, como , o triângulo é isósceles, logo
Como os triângulos e são congruentes (por exemplo, por LAL), Observamos, então, que todos os ângulos internos do pentágono podem ser calculados e Finalmente, observando que os triângulos e têm os ângulos internos correspondentes congruentes e o lado comum , concluímos que eles são congruentes. Em particular, , e todos os lados do pentágono são congruentes, assim como seus ângulos internos. Logo, o pentágono ABCDE é regular. Nota: O autor agradece aos colegas Saulo Rabello M. de Barros e Cláudio Possani pelas discussões sobre o tema do artigo.
Referência
bibliográfica [1]
IMENES, L. M. Geometria das
dobraduras, São Paulo: Scipione, 1988.
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