Eduardo Wagner

A noção de potência de um ponto em relação a uma circunferência é importante no estudo da Geometria, pois são muitas as aplicações em problemas que tratam de relações métricas entre secantes e tangentes a uma circunferência. Infelizmente, este tema está, em geral, ausente dos livros didáticos atuais do ensino médio. Como a Geometria plana ficou restrita ao conteúdo da 8a série, tópicos interessantes e úteis não são mais ensinados e este artigo pretende abordar um deles.
 

      Definição

Seja  C  uma circunferência de centro  O  e raio  R.  Se um ponto  P está a uma distância  d  de  O,  definimos a potência do ponto  P  em relação à circunferência  C  por:

.

Pela definição apresentada, se  P  é exterior a  C,  sua potência é um número positivo; se  P  pertence a  C,  sua potência é zero e, se  P  é interior a C,  sua potência é negativa. Passemos então a investigar as propriedades desse conceito.

 

     Teorema

São dados uma circunferência  C  e um ponto  P.  Se uma reta passa por  P  e corta  C  nos pontos  A  e  B,  então o produto    é constante.

Prova: Seja O o centro de  C   e  R  o seu raio. Seja  P  um ponto não pertencente a  C   com  PO = d.  Consideremos uma secante  PAB  e o ponto  M,  médio de  AB.  Façamos  MA = MB = m  e, observando que  OM  é perpendicular a  AB,  podemos escrever:

a) se  P  é exterior a  C, 

 


b) se  P  é interior a  C,

 

 

 

 

 

 

Se  P  pertence à circunferência, então ou  A  ou  B  coincide com  P, um dos dois segmentos tem comprimento zero e a potência de P é também igual a zero.

Na realidade, o fato que o produto    é constante para qualquer secante passando por  P  é conhecido desde a antigüidade, mas o termo “potência” foi utilizado pela primeira vez por Jacob Steiner (1796–1863), matemático suíço que deu uma enorme contribuição ao desenvolvimento da Geometria. Observamos ainda que, se  P  é exterior à circunferência e se  PT  é tangente em  T,  decorre da definição (e do teorema de Pitágoras) que  .

É claro que o conjunto dos pontos que possuem determinada potência em relação a uma circunferência  C  é uma outra circunferência concêntrica com  C.  Vamos então investigar qual é o conjunto dos pontos que possuem mesma potência em relação a duas circunferências dadas.  

 

     Problema  

Determinar o lugar geométrico dos pontos que possuem mesma potência em relação a duas circunferências dadas.

Consideremos duas circunferências (não concêntricas) de centros  A  e  B  e raios  R  e  r,  respectivamente. Seja  AB = 2d  e seja  M  o ponto médio de  AB.  Tomemos um ponto  P  que tenha mesma potência em relação às duas circunferências e seja  H  a projeção de  P  sobre  AB  como mostra a figura a seguir. Seja ainda  PM = m  e    a medida do ângulo  .  Se  P  tem mesma potência em relação às duas circunferências, então ,  ou seja,  .

A lei dos cossenos nos triângulos  PMA  e  PMB  fornece

  e  .

Subtraindo, temos  ,  ou seja,

.


 Assim, o lugar geométrico de  P  é a reta perpendicular a  AB  passando por  H.

Logo, o conjunto dos pontos que possuem mesma potência em relação a duas circunferências é uma reta perpendicular à reta que contém os dois centros e é chamada de eixo radical das duas circunferências. É interessante observar que, se as duas circunferências forem secantes, o eixo radical contém os pontos de interseção e, se as circunferências forem tangentes, o eixo radical contém o ponto de tangência.

     

Logo, quando duas circunferências são secantes ou tangentes, a construção do eixo radical (ER) é imediata. Mas como obter o  ER  quando duas circunferências não têm ponto comum? Vejamos uma solução.

Dadas as circunferências A  e B de centros  AB, respectivamente, tracemos uma circunferência C de centro  C, qualquer, que seja secante às duas primeiras. Na figura, a circunferência C cortou a circunferência A nos pontos D  e  E,  e cortou B  em  F  e  G. A reta  DE  é eixo radical entre A e C e a reta  FG  é eixo radical entre B e C.

Assim, o ponto  P,  interseção de  DE  com  FG,  tem mesma potência em relação às três circunferências e é chamado de centro radical de A, B e C.  Logo, P pertence ao eixo radical das circunferências A e B e, para desenhá-lo, basta conduzir por  P  uma reta perpendicular a  AB.

Resolvido o problema de construir o eixo radical entre duas circunferências, vamos ver como este conceito aparece na Geometria Analítica.  

 

     Na Geometria Analítica  

Utilizando um sistema de coordenadas com mesma escala nos dois eixos, a equação de uma circunferência  C,  de centro    e raio  R  é .

Consideremos, então, a função  ,  onde  x0  e  y0  são números reais e R  é um real positivo. A expressão    representa o quadrado da distância do ponto    ao ponto    e, portanto,   é a potência do ponto    em relação à circunferência  C. Assim,  para todo ponto  pertencente a  C,    para todo ponto    interior a C   e    para todo ponto    exterior a C .

Consideremos agora o problema clássico de obter os pontos de interseção de duas circunferências dadas por suas equações. Para tornar o texto mais ameno, vamos trabalhar em um exemplo.


 

     Problema  

Determinar os pontos de interseção das circunferências   e  .

A solução tradicional (e eficiente) deste problema consiste em igualar as duas equações para obter uma outra mais simples, sem os termos do segundo grau. Sabemos que, ao fazer isso, a nova equação contém as soluções do sistema original.

A igualdade    implica em .  O que significa essa equação? Repare que a igualdade acima é satisfeita para os pontos que possuem mesma potência em relação às duas circunferências e, portanto,    é precisamente a equação do eixo radical delas. Para obter os pontos de interseção das duas circunferências, fazemos a interseção de uma delas com o eixo radical de ambas. Concluindo o problema, da equação de ER temos  e, substituindo na equação da segunda circunferência . Resolvendo, encontramos    e    x = 3, e os pontos de interseção são (1, 4) e (3, 0).
 

 

       A distância entre o incentro e o circuncentro de um triângulo  

É interessante o fato de que, em qualquer triângulo, o raio da circunferência circunscrita não é menor que o dobro do raio da circunferência inscrita. Esse resultado, aparentemente difícil de demonstrar, decorre imediatamente da fórmula que dá a distância entre o incentro e o circuncentro de um triângulo, como veremos a seguir.

Na figura a seguir,  I  e  O  são o incentro e o circuncentro do triângulo  ABC.  Os raios das circunferências inscrita e circunscrita são  r  e RAD  é bissetriz do ângulo    e, conseqüentemente,  D  é o ponto médio do arco  BC.  Ainda,  DE  é um diâmetro,  IF  é perpendicular a  AC  e  IB  está contido na bissetriz do ângulo  .

Seja    a medida dos ângulos  ,  e   e  b  a medida dos ângulos    e  . Observe que (em relação às medidas)

 = + = + b  e

= + = + b.

Logo,  BD = ID. Da semelhança dos retângulo em  B;  logo,  e, portanto,

.

Daí,  .

Fazendo  OI = d,  vamos calcular a potência do ponto  I  em relação à circunferência circunscrita ao triângulo  ABC.

.

Ou seja,

,

que é a fórmula que dá a distância entre o incentro e o circuncentro de um triângulo em função dos raios das circunferências inscrita e circunscrita, obtida pela primeira vez por Euler.

Quanto ao fato que citamos no início desta seção, observe que devemos ter  ,  o que implica  .  Repare ainda que a igualdade só ocorre quando o incentro coincidir com o circuncentro, ou seja, quando o triângulo for equilátero.