Roberto Stenio A.C. de Albuquerque
Olinda, PE

      Introdução

Nas colônias gregas, ao longo das margens do mar Negro e do Mediterrâneo, vivia, no século VI a.C., uma das figuras mais intrigantes e influentes daquele tempo: Pitágoras de Samos [2].

Conta-se, pois, de acordo com os historiadores, não existem relatos originais da vida de Pitágoras, nem tampouco de suas obras, que em 540 a.C. no sudoeste da Itália, mais precisamente em Crotona, ele fundou a  irmandade pitagórica, formada por um grupo de aproximadamente seiscentos seguidores que eram fascinados pelos números inteiros e estavam convencidos de que o universo subordinava-se absolutamente a tais números. Os pitagóricos buscavam compreender a razão de ser desses números, procurando explicar através deles a essência de todas as coisas. Dessa forma, classificavam os números, de acordo com suas características, em categorias como, por exemplo, os perfeitos e os amigáveis (ver RPM 41, p. 34).

Outros povos antigos, que partilharam um conhecimento e estudo abstrato dos números, admitiam que a perfeição das coisas estaria vinculada às impressões dos sentidos e a crenças diversas. Observaram, esses antigos, por exemplo, que a lua demora vinte e oito dias para dar uma volta completa em torno da Terra, sendo vinte e oito apenas um mero reflexo daquele perfeito movimento e não a sua causa fundamental. O mesmo pode-se dizer sobre a concepção divina do mundo, que, segundo aqueles povos, foi criado em seis dias, não porque seis fosse um número ideal, mas tão-somente porque Deus assim o desejou [6].

Em contrapartida, os pitagóricos buscaram a perfeição das coisas nas características intrínsecas dos próprios números. Encontramos em A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, a síntese mais completa do ideal pitagórico: “O número é perfeito em si mesmo e não porque Deus criou todas as coisas em seis dias. O inverso é mais verdadeiro, Deus criou todas as coisas em seis dias porque este número é perfeito. E continuaria perfeito mesmo que o trabalho de seis dias não existisse”. [6]

Essa visão sobre a perfeição numérica seria repensada e mais tarde um novo modelo seria proposto, segundo o qual a perfeição estaria determinada por um número inteiro quando esse inteiro fosse igual à soma dos seus próprios divisores, excluindo-se o inteiro em questão [8]. Assim sendo, entre a infinidade de números existentes, apenas alguns especiais, como os números  6  e  28,  atenderiam ao pré-requisito necessário para a perfeição: 1+2+3=6 e 1+2+4+7+14=28.

Para maiores informações sobre os números perfeitos, o leitor pode consultar a RPM 41, páginas 35 e 36, onde se menciona que todos os números perfeitos encontrados até hoje são números pares (o último encontrado, graças a técnicas computacionais, tem mais de 2 milhões de dígitos). Uma das conjecturas mais antigas da Matemática, que ainda está em aberto, diz que não existem números perfeitos ímpares.

Outro enigma que intrigou os antigos gregos, e que ainda tortura os matemáticos modernos, é quanto à existência de números ligeiramente imperfeitos excessivos, números tais que a soma de seus divisores (diferentes do próprio número) são uma unidade a mais do que o número original. Embora exista uma infinidade de números ligeiramente imperfeitos deficientes como  2, 4, 8, 16,  ou seja, números tais que a soma de seus divisores (diferentes do próprio número) é uma unidade a menos do que o número, conjectura-se que não existem números ligeiramente imperfeitos excessivos; mas nada está comprovado a esse respeito.

Refletindo acerca do assunto, defrontei-me com determinadas hipóteses intrigantes, bem como com algumas relações bastante curiosas em torno da perfeição numérica. Dentre elas escolhi as que se seguem.


 

1.    Se existir um número perfeito ímpar, ele será a soma de dois quadrados perfeitos.

Demonstração: Suponhamos que  n  seja um número perfeito ímpar. Denotemos por S(n)a soma de todos os divisores de  n.  Se  n  é perfeito, a soma de seus divisores (diferentes de  n)  é igual a  n.  Logo,  S(n)=2n.

Se a decomposição  de  n  em fatores primos (ímpares) é

Observe que, se p é primo ímpar e  r  um natural, então

Observamos que o matemático e filósofo francês René Descartes, um dos fundadores da Geometria Analítica, acreditava na possibilidade de existirem números perfeitos ímpares...[7]
 

2.    Se existir um número ligeiramente imperfeito excessivo, ele será um     quadrado perfeito.

Demonstração: Suponhamos que  n  seja um número ligeiramente imperfeito excessivo, então, por definição: .

Das igualdades anteriores podemos escrever

É bastante curioso que um número “imperfeito” ligeiramente excessivo, se existir, terá um certo grau de perfeição: é um quadrado “perfeito”.

 

Referências bibliográficas:

[1] Bergamini, David. As Matemáticas, trad. de José Gurjão Neto. Biblioteca Científica LIFE. Rio de Janeiro, 1965.

[2] Boyer, Carl B. História da Matemática, trad. de Elza F. Gomide e revista por Uta C. Merzbach. 2a edição. São Paulo, 1996.

[3]  Garbi, Gilberto G. O romance das equações algébricas. São Paulo, 1997.

[4]  Jacy Monteiro, L. H. Elementos de Álgebra. Rio de Janeiro, 1969.

[5] Rouse Ball, W. W. A Short account  of the History of Mathematics. Collection of Mathematical Biographies. 4th Edition, 1908. Fonte: INTERNET.

[6]  Singh, Simon. O último teorema de Fermat, trad. de Jorge Luiz Calife. 2a edição. Rio de Janeiro, 1998.

[7]  Tahan, Malba. Matemática divertida e curiosa (Professor Júlio César de Mello e Souza). 10a edição. Rio de Janeiro, 1998.

[8] Tahan, Malba. O homem que calculava. 45a edição. Rio de Janeiro, 1997.

 

Roberto Stenio A.C. de Albuquerque é graduando em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da FESP-UPE, fazendo, atualmente, pesquisas na área de Teoria dos Números e em Educação Matemática.