Augusto José Maurício Wanderley
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ

Estudando o chamado “caso irredutível” da equação do terceiro grau, R. Bombelli, na sua  Algebra (1572), considerou a equação

que tem apenas uma raiz positiva, 4.  Ele introduziu, nesse livro, operações com números complexos usando (na nossa notação moderna)

  e  ,

encontrando a única raiz positiva  4  como a soma dos números complexos:    e  .

Sabemos que na segunda parte do Vollständige Anleitung zur Algebra (Instruções Completas em Álgebra) ou, da sua tradução para o inglês, Elements of Algebra (Elementos de Álgebra), ditada por L. Euler, já cego, em 1767, são considerados exemplos, como

   e   ,

onde, outra vez, temos apenas uma raiz positiva ([4], cap. XII, págs. 743-744). Outros exemplos históricos importantes de equações do terceiro grau são:

a equação    com uma única raiz positiva, entre 2 e 3, considerada por I. Newton, em carta de 20/6/1674, endereçada a J. Collins, na qual ele usou a equação para ilustrar o que hoje chamamos o “metódo de Newton” para aproximar raízes de equações e a equação  ,  com uma única raiz positiva, entre 1 e 2, usada, classicamente, para provar que o ângulo de 60o não pode ser trissectado usando-se apenas régua e compasso. Para detalhes sobre equações do terceiro grau, leia [6], págs. 11-25, ou [2], págs. 64-90. 

Nosso objetivo é generalizar esse resultado para equações de qualquer grau, demonstrando a seguinte proposição.  


 

     Proposição  

Seja    com  n  natural,  ,  ,  ,  .

Então,    tem uma única raiz positiva.  

 

     Demonstração:  

Já que zero não é uma raiz de  f,  supomos     e escrevemos

Para mostrarmos que    possui somente uma raiz positiva, basta mostrar que  g é estritamente crescente, e para isso consideremos  .  Então,

NR: A demonstração da proposição foi adaptada por Sérgio Muniz Oliva, IME, USP.  

 

 

     Observações finais  

A proposição 1 permite-nos contar o número exato de raízes reais positivas de equações do tipo particular considerado: é exatamente um. A questão da contagem do número exato de raízes positivas, consideradas as suas multiplicidades, data, pelo menos, da publicação do Artis Analytical Praxis, de T. Harriot (1631). G. Cardano já havia mencionado uma ligação entre uma ou duas variações de sinais nos coeficientes da equação e a existência de raízes positivas. R. Descartes, na sua La Géometrie, Livro III, com primeira edição em 1673, enunciou, sem demonstração, regra, hoje conhecida como “regra de Descartes”, estabelecendo que    “... podemos ter tantas raízes verdadeiras quantas vezes os sinais + e - sejam trocados...”. Com isso ele queria dizer que uma equação como  ,  com apenas uma variação de sinais nos coeficientes, pode ter, no máximo, uma raiz positiva (“verdadeira”),  ,  no caso. E outra equação como   ,  com três variações de sinais nos coeficientes, pode ter, no máximo, três raízes positivas. Aqui, as raízes são  1,  i,  e  i   e,  portanto, temos uma raiz real positiva. Em um dos seus enunciados “modernos”:  

 

 

     Regra de Sinais (Descartes)  

Se os coeficientes de uma equação são reais e todas as suas raízes são reais, então o número de raízes estritamente positivas (levando-se em conta as suas multiplicidades) é igual ao número de trocas de sinais na seqüência dos seus coeficientes. Se a equação também tem raízes complexas, então o número de trocas nos sinais dos seus coeficientes menos o número de raízes positivas é um número par.

A primeira parte dessa regra foi importante para Descartes na sua tentativa de resolver a questão da tangência a uma curva algébrica, em um ponto dela. Ela supõe que saibamos, a priori, que todas as raízes da equação são reais. A proposição 1 diz que para as equações que consideramos, o número de trocas de sinal nos coeficientes, um, é o número de raízes positivas, sem a suposição de que as raízes sejam todas reais. Pode, portanto, ser usada para equações como   com duas raízes complexas: .

O enunciado original de Descartes estabelecia que o número de raízes “verdadeiras” era igual a, no máximo, o número de trocas de sinais nos coeficientes da equação. Newton, como havia acontecido com Harriot e Descartes, publicou, sem demonstração, na sua Arithmetica Universalis, em 1707, um enunciado mais preciso para essa regra e deu, novamente sem demonstração, um método para determinar o número de raízes complexas. Uma demonstração da regra “de Descartes” só seria dada por S. Sturm, em 1835, e, em forma completa, por J. J. Sylvester em 1865. Na sua demonstração, Sylvester usou a teoria das funções complexas (o “princípio do argumento”) bem estabelecida àquela época. Gauss, em 1828, havia feito contribuição importante para o entendimento das idéias necessárias à prova.

 

Referências bibliográficas

[1]  Carneiro, J. P. Q. Equações algébricas de grau maior que dois: assunto para o ensino médio?, RPM 40, 1999.

[2]  Carneiro, J. P. Q. Resolução de equações algébricas, Ed. Universidade Santa Úrsula, 1998.

[3]  Descartes, R. The Geometry of René Descartes, Dover, NY, 1954.

[4]  Euler, L. Elements of Algebra, Springer-Verlag, NY, 1984.

[5]  Gonçalves, A. Introdução à Álgebra, Projeto Euclides, IMPA, 1987, 2a edição.

[6]  Lima, E. Meu professor de Matemática e outras histórias, Coleção do Professor de Matemática, SBM, 1991.

[7]  Lima, E. Curso de Análise, vol. 1, Projeto Euclides, 1976.