J. Orlando G. Freitas
Universidade da Madeira, Portugal

Um professor de Biologia considera-se um  biólogo, o de História um historiador, o de Educação Física um desportista... e nós professores de Matemática? Vou relatar uma experiência que me levou a pensar sobre isso.

Durante uma aula do  11o  ano, foi necessário calcular a área de um triângulo retângulo. Apesar de ser fácil, muitos alunos não o souberam fazer, o que é triste e assustador. Só não fiquei mais admirado porque, tempos atrás, um professor de uma Universidade afirmou num jornal que alguns de seus alunos universitários não conheciam o teorema de Pitágoras ...

Coloquei a pergunta: Conhecendo só os comprimentos dos lados de um triângulo, é possível saber a sua área? Se o triângulo for retângulo é fácil. Mas, caso não o seja, o que fazer? Foi então que me lembrei de uma fórmula que já tinha visto algures, a relação de Herão (Alexandria, séc. I):


Qual o interesse dessa fórmula? De fato é de fácil memorização... Antes de usar a fórmula, temos de demonstrá-la, se queremos ter o espírito de um matemático.

Ao ler uma demonstração, não conseguia entender um dos passos. Como só indicavam bibliografia onde seria possível encontrá-lo demonstrado – essa passagem de fato é um teorema bastante interessante que agora poderá ser demonstrado andando em sentido contrário, depois de provar a relação de Herão –, decidi então demonstrar por mim mesmo a fórmula de Herão. Peguei um lápis e papel (e uma calculadora programável para verificar algumas conjecturas e assim evitar grandes cálculos desnecessários), como fazem os matemáticos, e pus-me a brincar com a álgebra.

Comecei usando o teorema de Pitágoras e cheguei a um resultado. Agora só bastava dar umas mexidelas para aparecer na forma de Herão. Algo que me fascina na Matemática é que grandes resultados podem ser provados usando métodos elementares e muito simples. Vejamos.

Se  a,  b,  c  são os comprimentos dos lados de um  triângulo, seja  h  a altura relativa ao lado  a (posso escolher  a  de modo    e  ).

Aplicando o teorema de Pitágoras aos dois triângulos retângulos obtidos, temos:
  e  .


 

Portanto, demonstramos a fórmula de Herão:
 

Muitas vezes, quando se ataca um dado problema, este já foi resolvido por muitos outros e por processos e resultados por nós desconhecidos. Até que é bom não ter conhecido alguns desses processos ou resultados, pois à partida já não estamos “viciados” e poderemos enveredar por outro caminho ainda não descoberto ou talvez mais simples. É esse tipo de iniciativa que faz muita falta aos nosso alunos.

Ao chegar ao fim de uma demonstração, mesmo que já tenha sido demonstrada por outros, podemos nos sentir matemáticos? Penso que sim... Pois é o sentir-se matemático que nos faz gostar desta bela “arte”, ou diria mesmo “poesia” ou “música”, que é a Matemática. Há quem afirme que todos nós somos matemáticos. Também sou dessa opinião, nem que seja só um bocadinho de matemático. Mas ao fazer (pequenas) demonstrações, como a anterior, por exemplo, sem copiar dos livros, ou quando ao pegar num problema, tipo problema do mês, conseguimos resolvê-lo com a pouca Matemática que temos interiorizada, aí sim, é que podemos nos sentir na pele de um matemático, pelo menos na de um matemático amador. Seria ótimo se nossos alunos assim se sentissem durante as nossas aulas.