Wagner da Cunha Fragoso
Santa Maria, RS

É grande a curiosidade de alguns alunos sobre o desenvolvimento histórico dos temas de Matemática estudados e, muitas vezes, os estudantes ficam esperando por esse esclarecimento num curso mais avançado. Os cursos se sucedem e sua curiosidade nem sempre é satisfeita.

Daí minha idéia de, neste artigo, perseguir o desenrolar da resolução da equação do 2o grau, desde os egípcios até nossos dias. Não há, entretanto, é claro, a presunção de esgotar o assunto.

     Egito

Não são conhecidos registros do tratamento da equação polinomial do 2o grau pelos egípcios, mas os historiadores matemáticos suspeitam que eles dominavam alguma técnica de resolução dessas equações. Essa crença se baseia no fato de ter sido encontrada no papiro de Kahun1 uma resolução da equação hoje escrita como  ,  k  um número positivo, pelo método da falsa posição, desenvolvido pelos egípcios para resolver equações do 1o grau (ver RPM 15, págs. 18-22).

 

     Mesopotâmia

O primeiro registro conhecido da resolução de problemas envolvendo o que hoje chamamos de equação do 2o grau data de 1700 a.C. aproximadamente, feito numa tábula de argila através de palavras. A solução era apresentada como uma “receita matemática” e fornecia somente uma raiz positiva.  Os mesopotâmicos enunciavam a equação  e  sua  resolução em palavras, mais ou menos do seguinte modo: Qual é o lado de um quadrado em que a área menos o lado dá 870?  (o que hoje se escreve:  ). E a “receita” era: 

Tome a metade de 1  (coeficiente de  x)  e multiplique por ela mesma, ( ).  Some o resultado a  870  (termo independente). Obtém-se um quadrado  ( )  cujo lado somado à metade de  1  vai dar  (30)  o lado do quadrado procurado.
 

 

     Grécia

Acredita-se que a dificuldade com o tratamento dos números racionais e irracionais, com a falta de praticidade do sistema de numeração grego, que era literal, além do gosto natural pela Geometria, levou essa civilização (500 a 200 a.C.) a desenvolver um tratamento geométrico de muitos problemas matemáticos, dentre os quais a solução de equações do   2o grau. Um dos processos de que se tem notícia, usado, por exemplo, na equação que hoje se escreve como    era o seguinte:

Trace o segmento  .  Por  P,  ponto médio de  AB,  levante o segmento perpendicular    (igual à  raiz quadrada de 9) e, com centro em  E  e raio  PB,  trace um arco de circunferência que corta  AB  no ponto  Q. A raiz desejada será dada pelo comprimento AQ .

Com efeito, por construção, a medida do segmento  AQ  será


e corresponde à raiz 9 da equação.


     Índia

A Matemática hindu produziu grandes personagens, dentre os quais destacam-se Bhaskara de Akaria e Sridhara. O primeiro usou, no século XII, a solução que mais se assemelha à utilizada atualmente e o segundo foi responsável pela determinação, no mesmo século, da regra que originou a fórmula atual, conhecida no Brasil como de Bhaskara.

Bhaskara apresentou a solução de equações do 2o grau ao resolver problemas de ordem comercial/financeira. Apresentamos um deles com linguagem de hoje:

Um capital de 100 foi emprestado a uma certa taxa de juro ao ano. Após 1 ano, o capital foi retirado e o juro obtido foi aplicado durante mais     1 ano. Se o juro total foi de 75, qual foi a taxa ao ano?

Sendo essa taxa  x%,  tem-se que o juro no 1o ano será de x e no 2o ano será de  x.x/100, ou seja, a equação em linguagem algébrica hoje seria:  x+x.x/100=75  ou  x2+100x 7500=0.

E a solução era enunciada também em palavras, o que seria, na linguagem atual, algo como:

Eleve a metade do capital (coeficiente de  x) ao quadrado, acrescente o resultado ao produto dos juros totais (termo independente) pelo capital, extraia a raiz quadrada e diminua a metade do capital, o que leva à solução procurada  .

 

 

      Mundo árabe

Se, por um lado, os árabes foram responsáveis por fazer desaparecer grande parte do conhecimento ocidental, por outro lado contribuíram para sua preservação. O extermínio se deu quando, como conta a História, em 641 d.C. Omar mandou que fosse destruída a Biblioteca de Alexandria. E a preservação foi devida à atuação de três califas, considerados os grandes patronos da cultura abássida:  al-Mansur, Harum al-Rachid e al-Mamum, que durante seus reinados foram responsáveis pela tradução, do grego para o árabe, dos mais importantes escritos científicos conhecidos, entre eles, O Almagesto de Ptolomeu e Os Elementos de Euclides.

Al-Mamum fundou em Bagdá, no século IX, um centro científico similar à Biblioteca de Alexandria, denominado Casa da Sabedoria (Bait al-hikma), para onde convergiram muitos matemáticos, dentre os quais Mohamed ibn-Musa al-Khowarizmi, que, além de outras obras, escreveu, em 825, Hisab al-jabr wa’lmuzabalah, obra de grande potencial didático, traduzida como Ciência das equações. Nessa obra, Al-Khowarizmi apresenta a equação polinomial do 2o grau, bem como sua resolução, de forma retórica, além de uma comprovação geométrica denominada método de completar quadrados, método geométrico distinto daquele utilizado pelos gregos. Em muitos casos apresentava, tal como seus predecessores, somente uma raiz (positiva). Esse método está descrito no artigo “Equações do 2o grau: completando quadrados” (RPM 6, págs. 36-38).

 

     China

Em 1303, o grande matemático chinês daquela época, Chu Shih-chieh, apresenta na obra Ssu-yüan yú-chien  (Precioso espelho dos quatro elementos) uma técnica especial para a resolução da equação polinomial do 2o grau, baseada em aproximações sucessivas, de grande precisão, denominada método fan-fan, que foi apresentado de forma retórica e chega a uma única raiz (positiva).

Em 1819, o matemático inglês William George Horner reivindica a descoberta do método fan-fan, rebatizando-o de método de Horner.

Vejamos no que consistia o método fan-fan: para encontrar, por exemplo, a solução da equação hoje escrita como  ,  ele partia de uma solução aproximada, no caso,    (a raiz positiva dessa equação está entre 19 e 20), e usava o fan-fan, no caso, a transformação  y=x19, para obter a equação  y2+290y=143 em  y,  cuja solução está entre  0  e  1.  Identificando  y2  com  y,  obtinha-se uma solução aproximada para essa equação: y=19+143/291,  e assim o valor inicial de x era corrigido para:  x=19+143/191=19,49.  A idéia era repetir o processo a partir desse novo resultado até chegar a um número que não mais se modificasse. No caso, fazendo  z=x19,49,  obtinha-se a equação em z z2+290,98z=0,66 e, daí:

z=0,66/291,98=0,0022,  o que já confirmava as 2 casas decimais do valor encontrado no passo anterior (com efeito, os primeiros dígitos dessa raiz são  19,49226).

 

     Europa

Embora ainda não se usasse o formalismo atual, o processo para resolver problemas envolvendo as atuais equações do 2o grau resumia-se na receita usada por Bhaskara. Do século XV ao XVII, muitos foram os matemáticos que desenvolveram formas distintas de representação e resolução da equação polinomial do 2o grau. O artigo “Método de Viète para resolução de equações do 2o grau” (RPM 13, págs. 18-20) descreve o método de Viète (1540–1603), que consistia em considerar duas novas variáveis  u  e  v  e fazer .

A seguir, destacamos outros processos desenvolvidos naquela época por matemáticos europeus.

Em 1637, o francês René Descartes, além de possuir uma notação que diferia da atual somente pelo símbolo de igualdade, desenvolveu um método geométrico para obtenção da solução positiva. No apêndice La Géométrie de sua obra O discurso do método, Descartes resolve equações do tipo:  ,    e  ,  sempre com b  e  c  positivos. Por exemplo, para resolver equações do 1o tipo, ,  ele usou o seguinte método:

Traça-se um segmento  LM,  de comprimento  c,  e, em  L,  levanta-se um segmento  NL  igual a  b/2  e perpendicular a  LM.  Com centro em  N, construímos um círculo de raio  b/2  e traçamos a reta por  M  e  N  que corta o círculo em  O  e  P. Então a raiz procurada é o segmento  OM.

Com efeito, no triângulo retângulo  MLN,  se  ,  tem-se:

  e  daí:  .

Hoje, sabemos que a segunda raiz é –PM,  mas Descartes não considerava a raiz negativa.

Uma descrição completa do método de Descartes pode ser encontrada na RPM 19, pág. 9.

No século XVIII, o inglês Sir John Leslie, em sua obra Elements of Geometry, apresenta o seguinte procedimento (extraído de Eves 1995, pág.123).

É dada uma equação quadrática  .  Sobre um sistema cartesiano retangular de referência, marque os pontos   e  .  Trace o círculo de diâmetro  AB.  As abcissas dos pontos em que esse círculo cortar o eixo  x,  se cortar, são as raízes da equação quadrática dada.                       M=(x1,0)   e   N=(x2,0)

Com efeito, a equação do círculo traçado é:

e, daí, quando  ,  tem-se  .


     Atualmente

Ao estudarmos, hoje em dia, essa equação, usamos a representação herdada dos europeus e a solução fornecida pelos hindus. Sabe-se, contudo, que desde 1700 a.C. houve preocupação com o trato e o desenvolvimento desse tipo de equação, analisando as relações entre seus coeficientes e suas raízes, a fim de se determinar mais facilmente o seu sinal, módulos e valores.

Por outro lado, além de estudos algébricos e geométricos dessa equação, foram sendo aprimorados também métodos de cálculo aproximado, com seus primórdios no processo da “falsa posição”. Hoje, com o advento e popularização das calculadoras e dos computadores, cada vez mais se apresenta a oportunidade de utilização eficaz de tais métodos. 

Além dos artigos da RPM já citados, lembramos que o artigo “A equação do segundo grau” (RPM 13, págs. 21-33) complementa esta exposição. De autoria do professor Elon Lages Lima, aquele artigo apresenta alguns processos de resolução da equação do 2o grau, algébricos, gráficos e de resolução aproximada.
 

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1 Papiro da 12a dinastia egípcia (1991–1786 a.C.), atualmente em Londres.  

 

Wagner da Cunha Fragoso é licenciado em Matemática pela UFMG e especialista pela UFSM. É professor efetivo de Matemática do Colégio Militar de Santa Maria, RS.