Eduardo Wagner
Rio de Janeiro, RJ

     Introdução

O programa de Matemática no ensino médio de nosso país contém um conjunto de temas divididos pelas três séries. Como não há um programa oficial, a divisão dos temas pelas séries obedece a um critério tradicionalmente sugerido pelos livros didáticos disponíveis e tanto os temas quanto a divisão são razoavelmente adequados. Notamos, entretanto, que cada tema é, em geral, tratado de forma completamente independente dos demais. Em um capítulo se estuda a função afim e em outro as progressões aritméticas sem nenhuma ligação entre eles. As progressões geométricas e a função exponencial são estudadas em separado e não vemos nos “textos didáticos” a conexão entre esses assuntos. Com a geometria ocorre o mesmo, ou seja, as aulas de geometria analítica da 3a série do ensino médio não fazem, em geral, nenhuma referência aos problemas de geometria (sintética) que os alunos conhecem desde a 8a série do ensino fundamental.

A divisão dos temas do currículo de Matemática em compartimentos estanques é prática para a execução do trabalho, mas não conduz a um bom ensino. Além disso, o ensino tradicional e também os livros didáticos não fazem referência às ligações dos temas de Matemática estudados com os de outras matérias, presentes freqüentemente na mesma série. Notamos, por exemplo, que o aluno, quando estuda em Física as escalas termométricas, não faz ligação desse tema com as funções afins, quando estuda o movimento uniformemente variado não percebe que a função quadrática está presente e quando estuda genética (em Biologia) não faz ligação com as lições de probabilidade. Para cada assunto de Matemática estudado no ensino médio é preciso fornecer aplicações, ou seja, a possibilidade de aplicar o tema estudado em problemas da vida real, em outras áreas da Matemática, ou mesmo em outras matérias do currículo escolar. Essas ligações tornam o ensino mais interessante, estimulante e o aprendizado mais permanente.


 

     A Geometria Analítica

A Geometria Analítica é ensinada, em geral, na 3a série do ensino médio e, como já observamos, de forma completamente desconectada de todos os assuntos que o aluno aprendeu antes. Fica parecendo que a Geometria Analítica é um instrumento que serve apenas para resolver problemas de Geometria Analítica. Por isso, essa matéria pode parecer enfadonha, embora a Geometria Analítica, ou melhor, o método das coordenadas, seja uma ferramenta útil para resolver problemas diversos, mesmo aqueles que não contêm equações ou coordenadas. É educativo o professor propor problemas que permitam ao aluno introduzir um sistema apropriado de coordenadas e conseguir uma solução simples e convincente.

A seguir, mostraremos alguns problemas desse tipo. Para cada um deles outras formas de resolução são possíveis, mas o método das coordenadas é uma boa opção.

 

Problema 1

Um pesado caminhão parte ao meio-dia da cidade  A  para a cidade  B viajando com velocidade constante de 40 km/h, e às 6 horas da tarde chega à cidade  B. Um automóvel parte da cidade  B  às 2 horas da tarde desse dia e, viajando com velocidade constante pela mesma estrada, chega à cidade  A  também às 6 da tarde. Pergunta-se em que momento o caminhão e o automóvel se cruzaram na estrada.

Solução:

A distância entre as cidades  A  e  B,  é de  6 x 40 = 240 km. Vamos introduzir o seguinte sistema de coordenadas: para um objeto qualquer que se mova ao longo da estrada, seja  x  o tempo (em horas) decorrido após o meio-dia e seja  y  (em quilômetros) a sua distância à cidade  A. Os gráficos correspondentes aos movimentos do caminhão e do automóvel são retas, uma vez que eles viajam com velocidades constantes. De acordo com os dados do problema, o gráfico que mostra o movimento do caminhão é um segmento de reta cujos extremos são os pontos (0, 0) e (6, 240), e o gráfico que mostra o movimento do automóvel é um segmento de reta cujos extremos são os pontos (2, 240) e (6, 0). As equações das retas do gráfico abaixo são  e 

Resolvendo o sistema, encontramos  x = 3,6 e  y = 144.

Concluímos então que o encontro se deu 3,6 horas após o meio-dia, ou seja, às 3 horas e 36 minutos da tarde e, nesse momento, ambos estavam a  144 km  da cidade  A.

Esse problema nada tem de original, mas serve para ilustrar que diversos problemas que os alunos estudam em cinemática escalar podem ser resolvidos com o método analítico.

Problema 2

Dois lados de um paralelogramo medem 2 e 3 e fazem entre si um ângulo de  . Qual é o cosseno do ângulo formado pelas diagonais?

Solução:

Seja  ABCD  o paralelogramo e vamos introduzir um sistema de coordenadas como o sugerido na figura.  De  AB = 3,  AD = BC = 2  e       DÂB =  obtemos as coordenadas dos vértices do paralelogramo:

,  ,

  e  .

Consideremos então os vetores

  e     .

O cosseno do ângulo    entre as diagonais  AC  e  BD  do paralelogramo é então dado por:

.

Problema 3

O quadrado  ABCD  tem lado 10. Sendo  M  o ponto médio de BC, trace  DP  perpendicular a  AM. Qual é o comprimento do segmento  DP?

Solução:

A solução pela geometria sintética passa pela descoberta de que os triângulos  ABM  e  DPA  são semelhantes. Com isso, e mais uma aplicação do teorema de Pitágoras, resolve-se o problema. Entretanto, com os recursos da Geometria Analítica, a solução não depende da descoberta dessa semelhança. Podemos escolher um sistema de coordenadas com o eixo  X  passando por  AB  e com o eixo  Y  passando por  AD.

 

Na figura ao lado temos:

, , ,   e  , A equação da reta  AM  é    e o comprimento do segmento  DP  é a distância do ponto  D  à reta  AM.  A distância do ponto  à reta  é dada por:

Problema 4

Considere todos os números reais  x  e  y  tais que . Para que valores de  x  e  y  a expressão  E = x2 + y2  assume menor valor?

Solução:

Este é um problema de álgebra. Sua solução, uma vez que o enunciado esteja bem entendido, não é difícil. Entretanto, a solução analítica é interessante.

Estabelecendo um sistema de coordenadas, todos os pontos  P(x, y)  tais que  pertencem a uma reta  r  e o valor de  E  é o quadrado da distância de  P à origem do sistema de coordenadas.

Precisamos então encontrar o ponto de r cuja distância ao ponto (0, 0) é mínima. A reta s, perpendicular a r e passando pela origem, tem equação  e a interseção dessas retas é o ponto que procuramos.  

Resolvendo o sistema formado pelas duas equações, encontramos    e  ,  que é a solução do problema. Concluímos ainda que o valor mínimo de  E  é  .  

Problema 5

Na molécula do metano (CH4), o átomo de carbono ocupa o centro de um tetraedro regular em cujos vértices estão os átomos de hidrogênio. Determine o ângulo entre duas das valências do carbono.

Solução:

O resultado deste problema está presente em todos os cursos de química orgânica. O estranho número fornecido pelo professor é aceito pelos alunos, mas, em geral, eles não têm a menor idéia de como esse resultado foi obtido. Para calcular esse ângulo, a geometria analítica é um método imbatível, aliada, é claro, com alguma inventividade.

Em um sistema de coordenadas no espaço, consideremos inicialmente um cubo de aresta 2 (para facilitar) com um vértice na origem, outro no eixo  X,  outro no eixo  Y  e outro no eixo  Z.  Não é difícil escolher quatro vértices desse cubo que formem um tetraedro regular.

Os pontos  A = (0, 0, 0),  B = (2, 2, 0),  C = (0, 2, 2)  e  D = (2, 0, 2)  formam um tetraedro regular (uma vez que as distâncias entre dois quaisquer deles são diagonais de faces do cubo) e são ocupados pelos hidrogênios.

O ponto P = (1, 1, 1), centro do cubo e também centro do tetraedro, está ocupado pelo carbono.

O resto é fácil. Para calcular, por exemplo, o ângulo APB, consideremos os vetores

  e

.

O cosseno do ângulo entre eles é:  

Com uma calculadora, determinamos um valor muito aproximado para esse ângulo: .

Os exemplos que mostramos ilustram o que dissemos no início: a Geometria Analítica é uma boa ferramenta que pode ser aplicada em diversos problemas. Os leitores podem descobrir inúmeros outros  em que o método das coordenadas é mais eficiente que o sintético. É também necessário dizer que o método analítico pode ser adequado para alguns problemas e não para outros. Apesar disso, um jovem matemático brasileiro premiado em diversas olimpíadas internacionais de Matemática, nunca resolveu um problema de geometria pelo método sintético. Sempre introduziu coordenadas e por várias vezes ficou diante de imensas complicações algébricas, mas, com seu talento, sempre conseguiu a solução. A moral da história é que o método analítico é uma opção que devemos ter em mente, mas sua utilização depende da sensibilidade de cada um ao abordar um novo problema.

 

Referência Bibliográfica

A Matemática no Ensino Médio, vol. 3 - SBM 1998.
 

VOCÊ SABIA?  


Que {3, 5, 7} é o único conjunto de números ímpares consecutivos formado por números primos?