Francisco Júlio S. de Araújo Corrêa
Belém, PA

     1.      Introdução

Todos os anos os noticiários dão grande destaque às concessões dos diversos Prêmios Nobel. Existe Prêmio Nobel para Física, Química, Medicina ou Fisiologia, Literatura, Economia e Paz. Assim, qualquer pessoa razoavelmente esclarecida já questionou: Por que não existe tal prêmio para a Matemática, pois, como se sabe, esse ramo da Ciência é, seguramente, um dos maiores patrimônios culturais da humanidade e pilar central das construções científicas e tecnológicas?

Antes de tentarmos responder a essa pergunta, devemos apresentar ao leitor os dois principais personagens desse episódio: Alfred Nobel e o matemático, também sueco, Magnus Gösta Mittag-Leffler.

   

     2.      Alfred Nobel  

Alfred Nobel nasceu na Suécia em 1833 e era um dos quatro filhos do fabricante de nitroglicerina Immanuel Nobel. Alfred Nobel, mesmo não tendo uma educação escolar formal das mais sólidas, era extremamente bem-preparado, falava fluentemente vários idiomas, tinha interesse em Filosofia e Literatura e, em Paris, freqüentou laboratórios de Química dedicando especial atenção aos explosivos. Em particular, ele trabalhava com a nitroglicerina; como se sabe essa substância é extremamente perigosa, provocando explosões violentas se submetida a choques ou alterações bruscas de temperatura. Em vista disso, Alfred Nobel, visando tornar a manipulação desses explosivos menos arriscada, teve a idéia de misturá-la a um elemento inerte, inventando, destarte, a dinamite.

Alfred Nobel morreu em San Remo, Itália, em 10 de dezembro de 1896, praticamente sozinho e com profundo sentimento de culpa por seus inventos terem sido usados com objetivos bélicos.  

 

     3.  Mittag-Leffler  

Magnus Gösta Mittag-Leffler (1846-1927) foi, certamente, o matemático sueco mais influente do seu tempo, e suas contribuições para a Análise Matemática tornaram-se resultados clássicos. O seu trabalho mais conhecido diz respeito à representação analítica de uma função de uma variável (complexa) e culminou com um teorema que leva o seu nome.

Em 1882 ele fundou a revista Acta Mathematica, até hoje um prestigioso periódico de Matemática, e durante 45 anos foi o seu editor-chefe.

Para criar e editar com sucesso um grande periódico como Acta Mathematica, o editor precisa, nas palavras de André Weil [1] ... ter .um alto grau de  ecletismo, ... capacidade de bem julgar é decerto essencial, ... possuir um grande círculo de relações (através de conhecimento pessoal ou por correspondência) dentro do mundo matemático, ... ter um alto grau de simpatia intelectual e pessoal e, acima de tudo, um toque de grandeza intelectual.  Mittag-Leffler possuía todos esses atributos.

Mittag-Leffler faleceu em julho de 1927, deixando uma vasta produção matemática. Mais informações sobre esse matemático, o leitor poderá encontrar em [1] e na internet.

 

     4.  Fofocas 

Qual, enfim, a relação entre Mittag-Leffler e o Prêmio Nobel? A resposta é que as duas versões correntes sobre a não-existência desse prêmio para a Matemática estão relacionadas com aquele matemático. São elas:

a)    versão franco-americana

Mittag-Leffler teria tido um caso amoroso com a esposa de Alfred Nobel e este, por vingança, não destinou seu prêmio à Matemática.

b)    versão sueca

Mittag-Leffler era o líder da Matemática sueca no tempo em que Alfred Nobel escreveu seu desejo de instituir seus prêmios. Nobel saberia que, se houvesse esse prêmio em Matemática, Mittag-Leffler poderia usar sua influência junto à Academia Real Sueca de Ciências para ser o seu primeiro ganhador. Para evitar que tal coisa acontecesse, Nobel não teria permitido que essa premiação fosse concedida à Matemática.

Qualquer uma dessas razões, se verdadeiras, seria extremamente mesquinha, pois estaria condenando toda a Matemática em virtude de dissensões pessoais entre duas figuras de grande importância no meio científico. Entretanto, de acordo com um artigo dos matemáticos suecos Lars Gårding e Lars Hörmander [2], as duas versões não são verídicas e os autores justificam seus pontos de vista no artigo citado. Procurarei, a seguir, expor alguns desses pontos.

 

     5.  A versão de Gårding-Hörmander  

A versão franco-americana não é verdadeira, pois Alfred Nobel permaneceu celibatário por toda a sua vida. A versão sueca foi fabricada nos meios acadêmicos e não merece credibilidade, pois Nobel e Mittag-Leffler não tiveram quase nenhum relacionamento e, portanto, não haveria motivo para desinteligência entre os dois. A verdade é que a idéia de um prêmio para a Matemática nunca passou pela cabeça de Nobel.

Os prêmios para Física e Química foram motivados pelo fato de que essas áreas estavam relacionadas com o seu próprio trabalho. O prêmio para a Literatura foi instituído em virtude de seu gosto literário e o da Paz foi conseqüência de uma certa dose de idealismo motivada, talvez, por seu gosto pelo estudo da Filosofia. Como veremos mais adiante, o prêmio para Medicina e Fisiologia não constava do seu primeiro testamento e o prêmio para Economia foi criado nos anos 60.

 

     6.  Os testamentos de Nobel  

  Quando Nobel morreu, deixou um testamento datado de 27 de novembro de 1895 que ampliava o anterior, de 14 de março de 1893. Nesse, além da determinação de doar sua fortuna a várias pessoas, principalmente familiares, e instituições, 65% daquela deveria ser destinada à Academia Real Sueca de Ciências a fim de que fosse criada uma fundação que administraria recursos para que seus rendimentos fossem distribuídos anualmente como um prêmio para o mais importante e mais pioneiro trabalho no vasto domínio do conhecimento e progresso, exceto nas áreas da Fisiologia e Medicina. Sem fazer disso uma condição absoluta, era seu desejo que aqueles que através da escrita e de ações contribuam na luta contra os preconceitos que nações e governos ainda têm contra a criação de um tribunal de paz europeu sejam especialmente considerados.

Já no testamento final era dito que deveriam ser conferidos anualmente prêmios para aqueles que ao longo dos anos tivessem trazido para a humanidade os maiores benefícios. Tais prêmios deveriam ser distribuídos em cinco categorias:

-   Um no domínio da Física, para quem tenha feito a mais importante descoberta ou invenção;

-    Um para quem tenha feito a mais importante descoberta ou avanço químico;

-    Um para quem tenha feito a mais importante descoberta nas áreas da Fisiologia ou Medicina;

-    Um em Literatura, para quem tenha feito o melhor numa direção ideal;

-   Um para quem tenha feito mais ou melhor para a fraternização dos povos ou abolição ou diminuição de exércitos na ativa, e para a criação e propagação de congressos para a paz...  (veja[2]).

 

O Prêmio Nobel para Economia foi instituído em 1969 pelo Banco da Suécia. A Academia Real Sueca de Ciências escolhe os premiados nas áreas de Física, Química e Economia; o Real Instituto Médico Carolino nas áreas de Medicina e Fisiologia; a Academia Sueca de Literatura em Literatura; uma comissão de cinco representantes do Parlamento norueguês indica o ganhador do Nobel da Paz.

Wilhelm Roentgen, físico que descobriu os raios X, recebeu, em 1901, o primeiro Prêmio Nobel.

 

     7.  Existem prêmios em Matemática?  

Muito embora não exista o Nobel em Matemática, vários prêmios são concedidos nessa área, sendo o principal a Medalha Fields, entregue desde 1936 durante os encontros do Congresso Internacional de Matemática, que se realizam a cada quatro anos, com apenas duas interrupções devidas às duas guerras mundiais. Esse prêmio foi idealizado pelo matemático John Charles Fields (1863-1932), professor da Universidade de Toronto e organizador do Congresso Internacional de Matemática realizado em Toronto, em   1924. O Congresso Internacional de Matemática realizado em Zurique, em 1932, acatou a proposta do prêmio e a Medalha Fields foi pela primeira vez concedida no congresso seguinte, de 1936, realizado em Oslo. A medalha Fields é concedida a matemáticos com no máximo quarenta anos de idade que tenham feito contribuições relevantes para o desenvolvimento da Matemática. O patrimônio para concessão do prêmio é proveniente dos fundos restantes da realização do congresso de Toronto acrescidos de doação deixada por Fields através de seu testamento. Há mais informações sobre esse prêmio na RPM 10, pág. 19.

A medalha Fields traz no anverso a efígie de Arquimedes com seu nome em grego  e a (APXIMHOY)seguinte inscrição.   

TRANSIRE  SVVM  PECTUS  MUNDOQVE  POTIRI  

Superar as próprias limitações e dominar o Universo.  

No reverso da medalha aparece uma esfera inscrita num cilindro com a inscrição:

CONGREAGATIEX  TOTO   ORBE  MATEMATICI  OB  SCRIPTA      INSIGNIA  TRIBVERE.

Matemáticos de todo o mundo reunidos prestam homenagens por obras notáveis.  

A seguir vamos relacionar os ganhadores da Medalha Fields, com o ano de premiação, o país de origem e a idade na época do prêmio:

 

1936

Ahlfors, Lars

Finlândia

29

 

1974

Mumford, David

Inglaterra

37

1936

Douglas, Jesse

EUA

39

 

1978

Deligne, Pierre

Bélgica

33

1950

Schwartz, Laurent

França

35

 

1978

Fefferman, Charles

EUA

29

1950

Selberg, Atle

Noruega

33

 

1978

Margulis, Gregori

URSS

32

1954

Kodaira, Kunihiko

Japão

39

 

1978

Quillen, Daniel

EUA

38

1954

Serre, Jean-Pierre

França

27

 

1982

Connes, Alain

França

35

1958

Roth, Klaus

Alemanha

32

 

1982

Thurston, Willian

EUA

35

1958

Thom, Rene

França

35

 

1982

Yau, Shing-Tung

China

33

1962

Hormander, Lars

Suécia

31

 

1986

Donaldson, Simon

Inglaterra

27

1962

Milnor, John

EUA

31

 

1986

Faltings, Gerd

Alemanha

32

1966

Atiyah, Michael

Inglaterra

37

 

1986

Freedman, Michael

EUA

35

1966

Cohen, Paul

EUA

32

 

1990

Drinfeld, Vladimir

URSS

36

1966

Grothendieck, Alex.

Alemanha

38

 

1990

Jones, Vaughan

NZelândia

38

1966

Smale, Stephen

EUA

36

 

1990

Mori, Shigefumi

Japão

39

1970

Baker, Alan

Inglaterra

31

 

1990

Witten, Edward

EUA

38

1970

Hironaka, Heisuke

Japão

39

 

1994

Lions, Pierre-Louis

França

38

1970

Novikov, Serge

URSS

32

 

1994

Yoccoz, J.Chrisophe

França

37

1970

Thompson, John

EUA

37

 

1994

Bourgain, Jean

Bélgica

40

1974

Bombieri, Enrico

Itália

33

 

1994

Zelmanov, Efim

Rússia

39

Em 1998 os ganhadores da medalha foram: Richard E. Borcherds (Cambridge Univ.), William T. Gowers (Cambridge Univ.), Maxim Kontsevich (Rutgers Univ.) e Curtis T. McMullen (Harvard Univ.). Além disso, um tributo especial, a "IMU silver plaque", foi concedido a Andrew J. Wiles (Princeton Univ.) pela prova do Último Teorema de Fermat.

 

 

Francisco Julio Sobreira de Araujo Corrêa é natural de Belém do Pará. Doutor em Matemática pela UnB, é professor de UFPA. Sua área de pesquisa são as Equações Diferenciais Parciais Elípticas Não-Lineares. Tem como hobbies a literatura, a música e história da Matemática e torce pelo glorioso Paysandu Sport Club.  

 

Referências bibliográficas

[1] Weil, André. Minhas recordações de Mittag-Leffler, Matemática Universitária – SBM no 5, junho, págs. 1-8, 1987.

[2] Hörmander, Lars Gårding-Lars. Why is there no Nobel Prize in Mathematics, The Mathematical Intelligencer, vol. 7, no 3, págs. 73-74, 1985.

[3] Congresso Internacional de Matemática e Medalha Fields, Matemática Universitária – SBM no 4, dezembro, págs. 1-7, 1986.

[4] Internet