Mário Dalcin
Montevidéu - Uruguai

Sérgio Alves
IME - USP


A sogra de um professor de Matemática, cansada de sempre usar triângulos, quadrados ou hexágonos nos tapetes que fazia, tentou fazer um só de pentágonos.
-  Impossível fazer esse tapete! - disse o professor. Responde a sogra: - Por que impossível? Você pode entender de Matemática, mas de tapetes quem entende sou eu!

Esse problema, que freqüentemente se apresenta, é o de cobrir uma superfície plana com regiões poligonais. Essa cobertura, chamada mosaico do plano, deve ser feita de modo que não haja nem lacunas nem superposições e através dela podem ser obtidos interessantes e bonitos desenhos como os mostrados abaixo.

Para que possamos nos concentrar mais na Matemática do que no aspecto artístico dos mosaicos, vamos restringir nossa discussão a coberturas formadas exclusivamente por polígonos regulares. Além disso, duas condições serão impostas aos mosaicos aqui estudados:

a)  se dois polígonos regulares intersectam-se, então essa interseção é um lado ou um vértice comum;

b)   a distribuição dos polígonos regulares ao redor de cada vértice é sempre a mesma.

Com essas restrições estamos eliminando coberturas do tipo:

A da esquerda não satisfaz  a)  e a da direita não satisfaz  b).

Todos nós temos familiaridade com os mosaicos formados por polígonos regulares de um mesmo tipo: triângulos equiláteros, quadrados ou hexágonos regulares.

Seriam esses os únicos polígonos regulares que pavimentam o plano? Para respondermos a essa pergunta, precisamos conhecer a medida em graus,  ,  de cada ângulo interno de um  n-ágono  regular.

                                                              Tabela I

polígono regular

número de lados (n)

triângulo equilátero

3

quadrado

4

pentágono

5

hexágono

6

...

...

...

n-ágono

n

Para que se tenha um mosaico do plano formado exclusivamente por polígonos regulares natural 

positivas são   (com  ),   (com  )  e   (com ).

Essas soluções nos dão exatamente os mosaicos apresentados anteriormente e consistem em distribuir ao redor de cada vértice ou 6 triângulos equiláteros, ou 4 quadrados ou 3 hexágonos regulares.

Tais coberturas são chamadas mosaicos regulares do plano e são indicadas pelas sugestivas notações  ,    e  .

O que acontece se combinarmos polígonos regulares não necessariamente congruentes entre si? Observamos inicialmente que, embora tais polígonos regulares não tenham obrigatoriamente o mesmo número de lados, as condições impostas em nossa definição de mosaico exigem que os lados de todos os polígonos regulares que comparecem na cobertura tenham o mesmo comprimento.

Um primeiro passo para responder à questão acima é procurar todas as possíveis combinações de polígonos regulares que podem ser arranjados ao redor de um vértice comum de modo que não haja nem lacunas nem superposições.

 

Por exemplo, um dodecágono regular, um hexágono regular e um quadrado podem ser assim arranjados:

 

Já o mesmo não ocorre para um octógono regular, um hexágono regular e um triângulo equilátero ou, ainda, para um octógono regular, dois quadrados e um triângulo equilátero.

Sendo  m  o número de polígonos regulares ao redor de um ponto, temos, evidentemente,  Como a menor medida do ângulo interno de um polígono regular é    segue que o maior valor de  m  é dado por    e, portanto,  .

Suponhamos que três polígonos regulares são arranjados em torno de um vértice comum de modo que não haja nem lacunas nem superposições, o primeiro com  lados, o segundo com    lados e o terceiro com  lados.

Para acharmos as soluções inteiras e positivas dessa equação supomos, sem perda de

Façamos  ,  isto é, um dos polígonos regulares é um triângulo equilátero. Então,
lembrando que    é inteiro, obtemos as seguintes ternas    como soluções:   e .

Procedendo analogamente para  ,  obtemos    e as seguintes ternas:   e  .

                                                                                                      Tabela II

Para  n1 = 5 ,  temos  5 n2 6   e uma única solução . Finalmente, para  n1 = ,  a única solução é a terna (6, 6, 6).

Em resumo, as únicas soluções inteiras e positivas da equação

,

com  3n1n2n3  estão descritas na tabela ao lado.

3

7

42

3

8

24

3

9

18

3

10

15

3

12

12

4

5

20

4

6

12

4

8

8

5

5

10

6

6

6

A classificação das possíveis combinações de quatro polígonos regulares ao redor de um vértice comum corresponde à determinação das soluções inteiras e positivas da equação:

                                                                                          Tabela III

Repetindo o argumento anterior, verificamos que as únicas soluções inteiras e positivas dessa última equação, com  ,  estão descritas na tabela ao lado.

3

3

4

12

3

3

6

6

3

4

4

6

4

4

4

4

Aqui surge a seguinte questão: Os arranjos abaixo desenhados devem ser considerados iguais ou diferentes?

 

Como o da esquerda possui um eixo de simetria enquanto o da direita tem dois eixos de simetria, vamos considerá-los como distintos, ou seja, a solução    admite uma segunda interpretação, que é  .

Da mesma forma, as soluções    e    admitem uma segunda interpretação, que são respectivamente   e  .  Temos, assim, no total, sete maneiras de combinar quatro polígonos regulares ao redor de um vértice comum.

Analogamente, a classificação das possíveis combinações de cinco polígonos regulares em torno de um vértice comum de modo que não haja nem lacunas nem superposições corresponde à determinação das soluções inteiras e positivas da equação

As únicas soluções inteiras e positivas dessa equação, com  ,  estão descritas na tabela:

                                                                  Tabela IV

3

3

3

3

6

3

3

3

4

4

Como  admite uma segunda interpretação , temos, no total, três maneiras de combinar cinco polígonos regulares ao redor de um vértice comum.

Finalmente, a classificação das possíveis combinações de seis polígonos regulares em torno de um vértice comum nos leva à determinação das soluções inteiras e positivas da equação

,

cuja única solução é  . 

As considerações feitas até agora nos permitem concluir a existência de vinte e uma combinações de polígonos regulares que podem ser arranjados ao redor de um vértice comum de modo que não haja nem lacunas nem superposições.

A questão crucial que agora surge é sabermos quais das combinações acima podem ser estendidas de modo a obtermos um mosaico do plano.

Por exemplo, considere o arranjo    ao redor do vértice comum  V.  Se tentarmos estender essa configuração de modo que o mesmo arranjo se repita em torno do vértice  ,  vemos que será impossível efetivar esse mesmo arranjo ao redor do vértice  .  Concluímos que o arranjo    não pode ser estendido de modo a formar um mosaico do plano.

 

        

A figura à esquerda, a seguir, indica que um arranjo envolvendo um triângulo equilátero e dois outros polígonos regulares não pode ser estendido de modo a formar um mosaico do plano a menos que os outros dois polígonos regulares sejam congruentes, isto é,  .  Logo, nenhum dos arranjos  ,  ,    e    definem mosaicos do plano.

Analogamente, um arranjo que envolve um pentágono regular e dois outros polígonos regulares não pode ser estendido de modo a formar um mosaico do plano a menos que os outros dois polígonos regulares sejam congruentes. Concluímos que    e    não definem mosaicos do plano.

Com relação à Tabela III, além de    encontramos mais três combinações que não podem ser estendidas,  ,    e  ,  como mostram as figuras seguintes.

Assim, das vinte e uma possíveis combinações de polígonos regulares, dez delas foram eliminadas por não se estenderem. As onze restantes fornecem os possíveis mosaicos do plano, sendo três deles os mosaicos regulares (figuras na página 2), e os demais, chamados mosaicos semi-regulares, desenhados a seguir.

 

 

 

 

 

 

 

 

A existência dos mosaicos regulares já era conhecida pelos antigos pitagóricos da Matemática grega. A primeira pessoa a exibir os mosaicos semi-regulares foi J. Kepler, em um trabalho publicado em 1619, no qual está o seguinte resultado, que resume nossa discussão:

Teorema de KeplerExistem exatamente onze maneiras de se cobrir o plano utilizando-se exclusivamente polígonos regulares sujeitos às condições a) e b) anteriormente descritas.

Referências bibliográficas:

[1]  Alsina, C.e Pérez, R., – Simetria dinámica. Madrid: Editorial Síntesis, 1989.

[2]  Barbosa, R.M. – Descobrindo padrões em mosaicos. São Paulo: Atual, 1993.

[3]  Martin, G.E. – Transformation geometry – An introduction to symmetry. Springer Verlag, 1982.

[4]  O’ Daffer, P.G.e Clemens, S.R. – Geometry: an investigative approach. Addison Wesley, 1976.