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Neste artigo são discutidos alguns aspectos ligados à noção independência de dois eventos na Teoria das Probabilidades. Os objetivos principais são analisar o conceito formal, relacionando-o com a idéia intuitiva , que as pessoas geralmente têm, sobre as relações entre os fenômenos que elas observam na sua vida diária. Vamos, inicialmente, recordar alguns conceitos básicos da Teoria da Probabilidade. A teoria por objetivo fornecer um modelo matemático para experimentos aleatórios, isto é, para experimentos que, “repetidos” em idênticas condições, produzem, geralmente resultados distintos. A todo experimento aleatório é associado o conjunto S, chamado espaço amostral, de todos os resultados possíveis do experimento. Assim, considerando o lançamento de um dado, o espaço amostral naturalmente associado a este experimento é S = {1, 2,3, 4, 5, 6}. Se S é um espaço amostral finito chamamos evento a qualquer subconjunto de S e diremos que ocorreu o evento A Ì S quando o resultado do experimento for um elemento de A.
No caso do lançamento de um lado, o
evento: “o resultado é par” é o subconjunto Cada subconjunto unitário de S chama-se evento elementar, isto é, se S = {x1, x2, ..., xn}, {x1}, {x2},... são eventos elementares. Uma probabilidade é uma função que associa a cada evento elementar {xi} um número pi, 0 pi 1 de tal modo que p1 + p2 + ... + pn = 1. A probabilidade de um evento qualquer A S será, por definição a soma das probabilidades dos eventos elementares contidos em A e será indicada por P (A). Retomando o exemplo do dado e supondo agora que o lançamento seja o de um dado honesto, a cada evento elementar {1}, {2}, {3}, {4}, {5}, {6}, é associada a probabilidade 1/6.
Começaremos com a definição formal de independência. À primeira vista, os exemplos poderão parecer contrários à noção intuitiva de “independência”. Com a introdução do conceito de probabilidade condicional e a análise de mais exemplos esperamos deixar claro o que sejam “eventos independentes”conciliando, assim, a definição formal com intuição. Definição: Dois eventos, A e B, de um mesmo espaço amostral (isto é, dois eventos associados ao mesmo experimento aleatório), são independentes quando a probabilidade de que eles ocorram simultaneamente, for igual ao produto de suas probabilidades individuais. Em símbolos, A e B serão independentes, quando:
Exemplo 1 – Considere o lançamento de um dado honesto. O espaço amostral associado e esse experimento é o conjunto formado pelos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, a cada um dos quais é atribuída probabilidade 1/6. Vamos considerar os eventos: A – “o resultado é par”; B – “o resultado é maior do que 4”; C – “o resultado é um múltiplo de 3”. Os subconjuntos do espaço amostral associados a esses eventos são respectivamente: {2, 4, 6}, {5, 6} e {3, 6}. Segue-se então que: P(A) = ½ e P(B) = P(C) = 1/3. Os eventos A e B (e também os eventos B e C) ocorrerão simulteamente quando o resultado do lançamento for um 6. Segue-se que . A comparação desses valores, com os produtos das probabilidades individuais, mostra que A e B são independentes enquanto que B e C são dependentes. É claro que o fato de dois eventos serem ou não independentes é determinado pelo espaço amostral e pela probabilidade definida nesse espaço. O exemplo seguinte mostra como a probabilidade escolhida afeta as relações de dependência ou independência entre eventos. Exemplo 2 – Vamos considerar o lançamento de um dado ao qual está associada a seguinte distribuição de probabilidades:
É fácil então ver que estamos diante da situação inversa daquela que ocorreu no exemplo 1. os eventos B e C são independentes, enquanto que A e B são dependentes. Observação – O leitor poderá argumentar, com razão, que não é fácil transmitir a uma classe iniciante a idéia de um dado que se comporte da maneira acima. Vale lembrar, no entanto, que na realidade dos cassinos e das casas de jogos, o dado honesto do exemplo 1 talvez seja até mais fantasioso do que aquele que estamos considerando aqui. Além disso, é possível realizar esse experimento numa sala de aula, com o auxílio de uma urna e de 12 bolas numeradas com os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, nas proporções indicadas pela distribuição de probabilidades. A retirada de uma bola dessa urna é equivalente, em termos probabilísticos, a um lançamento do nosso dado hipotético. Vamos apresentar mais um exemplo, tirado do livro “Uma Introdução à Teoria das Probabilidades e suas Aplicações”, de W. Feller, que mostra como a estrutura do espaço amostral afeta as relações de dependência.
Exemplo 3 – Vamos considerar famílias com n crianças e admitir que todas as distribuições do sexo dessas crianças são igualmente prováveis. Seja A o evento: “existem crianças de ambos os sexos” e B o evento: “existe no máximo uma menina”. Pode-se verificar então, que no conjunto das famílias com 3 crianças, A e B são eventos independentes o que não ocorre no conjunto das famílias com 4 crianças. O leitor interessado no cálculo dessas probabilidades, pode consultar a referência citada anteriormente. Com um pouco mais de trabalho, é possível mostrar ainda que A e B só serão independentes no caso n = 3. Na vida real, a independência entre dois fenômenos está associada à idéia intuitiva de que eles nada têm a ver um com o outro, não existindo entre eles nenhum tipo de relação. É natural que a descoberta da existência de algum tipo de relação entre dois fenômenos (isto é, a verificação de que eles não são independentes) seja mais importante do ponto de vista prático. Nenhum jornal abriria manchetes para afirmar, por exemplo, que a ingestão de açúcar nada tem a ver com câncer de pele. No entanto, os meios de comunicação estão sempre discutindo, entre outras, as prováveis relações entre consumo de açúcar e cárie dental e entre o excesso de exposição à luz solar e o câncer de pele.
Essa idéia intuitiva explica porque os
estudantes freqüentemente confundem eventos independentes com eventos mutuamente
exclusivos. De fato, a eventos mutuamente exclusivos correspondem subconjuntos
disjuntos do espaço amostral. A associação entre a ausência de pontos comuns e a
idéia intuitiva de independência, embora falsa, chega a ser compreensível.
Quando se utiliza a definição, vê-se facilmente que a não ser em casos muitos
particulares (quando ao menos um dos eventos tem probabilidade zero), eventos
mutuamente exclusivos nunca são independentes. Exemplo 4 – Numa rifa são vendidos 100 bilhetes numerados de 00 à 99. Um único prêmio será entregue ao portador do bilhete que for escolhido por sorteio. Esse sorteio será realizado em duas etapas, utilizando-se uma com dez bolas numeradas de 0 a 9. Na primeira etapa, uma bola é escolhida ao acaso obtendo-se assim o algarismo das unidades do número premiado; em seguida, essa bola é devolvida à urna e repete-se o processo para que seja obtido o algarismo das dezenas. Vamos analisar a situação de dois indivíduos, João e Paulo, cujos bilhetes têm os números 25 e 47 respectivamente. Antes de ser iniciado o sorteio (e supondo-se que ele seja honesto) os dois têm a mesma probabilidade de sucesso, igual a 1/100. Supondo-se que a primeira bola sorteada tenha o número 7, o conjunto dos resultados possíveis do sorteio se reduz a um conjunto com dez elementos, a saber: {07, 17, ..., 97}. João já pode rasgar o seu bilhete pois, suas chances de vitória se reduziram de 1/100 para 0. Por outro lado, Paulo viu sua chance multiplicada por 10, passando de 1/100 para 1/10. Seja A o evento “Paulo ganha o prêmio”, B o evento “João ganha o prêmio” e C o evento “o número sorteado termina em 7”. Antes da realização da primeira etapa, tínhamos: P(A) = P(B) = 1/100 e P(C) = 1/10. As probabilidades, 0 e 1/10, calculadas após a realização da primeira etapa, são denominadas probabilidades condicionais de B e A respectivamente, dado que ocorreu o evento C. No exemplo acima, as probabilidades condicionais foram calculadas através da redução do espaço amostral ao conjunto C, que passou a ser o espaço associado à segunda etapa do sorteio. Probabilidades condicionais podem também ser calculadas em termos das probabilidades do espaço original, como veremos na definição abaixo. Definição – Sejam A e C dois eventos num mesmo espaço de probabilidades e suponhamos P(C) ¹ 0. A probabilidade condicional de A, dado C, é definida como sendo:
Observação: Da definição segue-se facilmente que se A e C são dois eventos independentes, com probabilidades positivas, teremos: (2) P (A/C) = P(A) e P(C/A) = P(C) Um evento com probabilidade zero é trivialmente independente de qualquer outro e para eventos com probabilidades positivas a igualdade (1) é equivalente a qualquer uma das igualdades em (2). Podemos então dizer que dois eventos com probabilidades positivas são independentes, quando a probabilidades condicional de um deles, dado que o outro ocorreu, for igual à probabilidade daquele evento no espaço original. Em outras palavras, a informação adicional sobre a ocorrência de um deles não altera a probabilidade do outro. Como procuraremos ilustrar no exemplo seguinte, essa é a interpretação correta da idéia intuitiva de que um evento nada tem a ver com o outro. Exemplo 5 – Vamos considerar novamente a possibilidade da existência de algum tipo de relação entre ingestão de açúcar e incidência de câncer de pele. Vamos supor que a evidencia experimental, comprovada por testes estatísticos adequados, mostre que não existe nenhum tipo de relação entre os dois fenômenos. O que isto quer dizer é que a informação adicional sobre a quantidade de açúcar ingerida por um individuo (seja ela grande ou pequena) não altera em nada o seu risco (medido por uma probabilidade) de vir a adquirir câncer de pele. Fica claro agora, do ponto de vista intuitivo, porque eventos mutuamente exclusivos não são, em geral, independentes. A informação de que um deles ocorreu nos assegura que o outro não ocorrerá. Portanto, com essa informação, a probabilidade do outro passa a ser igual a zero, isto é, se altera, a não ser que já fosse igual a zero no espaço original.
Bibliografia Feller, W. – Introdução à Teoria das Probabilidades e suas Aplicações, Vol I, Parte I, Editora Edgar Blücher, São Paulo.
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