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EULER foi um desses raros matemáticos que se sentiam à vontade tanto com o discreto quanto com o contínuo. Suas contribuições à Teoria dos Números são numerosas. As mais importantes estão contidas em seu Vollstandige Anleitung zur Algebra (Guia Completo de Álgebra) de 1770, originalmente um livro texto, em dois volumes, para as escolas da Rússia. Assim como Elementos de EUCLIDES, escrito por volta de 300 a.C., este é um dos livros mais lidos dentre todos em Matemática, tendo sido impresso pelo menos trinta vezes em três edições e em sete idiomas. Os Elementos d’algebra de Leonardo Euler foram publicados, sem tradutor declarado, no Rio de Janeiro, em 1909; destinava-se ao uso como “compêndio” do “curso matemático” da então Academia Real Militar, precursora da Escola Politécnica da qual descende a hoje Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conforme nos diz o Professor F. M. OLIVEIRA CASTRO (em F. Azevedo; As Ciências no Brasil. São Paulo, Editora Melhoramentos, 1955, pág. 53). Para demonstrar o poderio matemático de EULER consideremos, inicialmente, os pares de números “amigáveis”; dois inteiros têm esta propriedade se cada um é igual à soma dos divisores próprios do outro. O menor tal par é o dos inteiros 220 e 284, já conhecido por PITÁGORAS (por volta de 540 a.C.):
O segundo e o terceiro par foram descobertos no século XVII por FERMAT (1601-1665) e DESCARTES, respectivamente, e os 61 pares seguintes por EULER, a partir de 1747. [1](**) Por outro lado, um número é dito perfeito, segundo PITÁGORAS, se for igual à soma de seus divisores próprios. Por exemplo, 6 é um número perfeito, bem como 28. EUCLIDES já havia demonstrado que 2n –1 (2n – 1) é perfeito se 2n –1 é primo. EULER demonstrou a recíproca, isto é, todo número perfeito par é da forma dos de EUCLIDES. Se existe, ou não, um número perfeito ímpar, ninguém por enquanto sabe. (***)[2] Sua inspiração para pesquisa em Teoria dos Números derivou-se do estudo dos trabalhos de FERMAT. Entre outras coisas, FERMAT havia conjeturado que os números da forma são primos. EULER, em 1732, mostrou, com sua extraordinária habilidade de cálculo, que 4.294.967.297 é fatorável em 6.700.417 x 641, destruindo a conjetura. A demonstração de EULER se baseia na observação de que o número primo 641 pode ser expresso de duas maneiras: como 54 + 24 e como 5 . 27 + 1. Portanto tem-se: F5 = 232 + 1 = 228 (54 + 24) – (5 . 27)4 + 1 = = 228 . 641 – (641 – 1)4 + 1 = k . 641, onde k é um inteiro. Desde então mostrou-se que muitos números Fn, ditos “números de Fermat”, são compostos e, de fato, nenhum número primo Fn foi encontrado para n > 4. Em 1772 EULER demonstrou que os números da forma são primos para os primeiros 40 números naturais e, observando que p(n –1) = p(-n), viu que p(n) é primo para 80 valores consecutivos de n: Outro trinômio, campeão no fornecimento de números primos a partir de uma seqüência de inteiros consecutivos, é q(n – 40) = n2 – 79n + 1601, n = 0, 1, ..., 79 isto é, os números q(-40), ..., q(39) são todos primos. O mesmo se dá com r(n) = n2 – 2999n + 2248541, sendo n = 1460, 1461, ..., 1539. Em 1736, EULER apresentou uma demonstração elementar, por indução finita, do “teorema menor” de FERMAT: “se p é primo e a é um inteiro não divisível por p, então ap – a é divisível por p”, embora LEIBNIZ já houvesse deixado outra demonstração em um manuscrito não publicado. O teorema foi generalizado, usando o que é hoje conhecido como “função de EULER”. Se m é um inteiro positivo maior do que um, a função (m) é definida como sendo o número de inteiros positivos menores do que m e que são primos com m. Define-se (1) = 1 e tem-se (2) = 1, (3) = 2 , (4) = 2, etc. Se p é primo, então obviamente (p) = p –1. Demonstra-se que onde p1, p2, ... , pr são os fatores primos, distintos, de m. Utilizando este resultado, EULER demonstrou que é divisível por m se a e m são primos entre si. A função (m) encontrou uma aplicação moderna em criptografia, a técnica de elaborar códigos cifrados. Assim como EULER, através de um contra-exemplo, destruiu uma das conjeturas de FERMAT, em 1966. L.J. LANDER e T.R. PARKIN mostraram ser falsa a seguinte conjetura de EULER: se n é maior do que 2, pelo menos n n-ésimas potências são necessárias para compor uma soma que fosse, em si, uma n-ésima potência. O contra-exemplo mostra uma quinta potência que pode ser escrita como soma de apenas quatro quintas potências: Entretanto, foram necessários duzentos anos e os serviços de um grande computador para detectar esse contra-exemplo. O “último” ou “grande” teorema de FERMAT é muito comentado e tentativas de demonstração, repleta de erros, continuam aparecendo ocasionalmente na imprensa. A origem do problema é simples e se encontra na Arithmetica de DIOFANTOS (séc. I): dividir um dado quadrado em dois quadrados. A generalização deste problema deu origem à conjetura ou teorema de FERMAT: “não existem números inteiros estritamente positivos x, y, z, tais que xn + yn = zn, para n inteiro e maior do que 2.” (Evidentemente para n = 2, números inteiros pitagóricos como 3, 4, 5, satisfazem x2 + y2 = z2.) Muitas conjeturas feitas por FERMAT se revelaram falsas posteriormente mas, no caso do teorema acima, FERMAT escreveu na margem do seu exemplar de “Arithmetica” que havia encontrado uma demonstração admirável do teorema mas “essa margem é demasiadamente estreita para contê-la”. Até o presente, nenhum matemático foi capaz de demonstrar ou refutar este resultado, embora um grande passo nesta direção tenha sido dado em 1983 por GERD FALTINGS de Wuppertal, Alemanha Ocidental. Em Geometria Algébrica, onde se estudam as soluções de sistemas de equações algébricas usando uma linguagem geométrica, essa conjetura se assemelha a um problema de Geometria Analítica: sendo n > 2, no espaço das coordenadas positivas x, y, z, existirão pontos na superfície algébrica xn + yn – zn = 0 com coordenadas inteiras, que não (0, 0, 0), (1, 0, 1) e (0, 1, 1)? Para n = 4, caso relativamente simples, a inexistência já havia sido demonstrada por FRENICLE DE BESSY (~1602-1675). Em 1745, EULER provou o caso n = 3 e, em 1763 ofereceu uma demonstração mais elegante para o caso n = 4. É interessante notar o avanço desta conjetura: por volta de 1825, o jovem DIRICHLET e, segundo ABEL (1802-1829), o idoso LEGENDRE (1725-1833) demonstraram o teorema para n = 5 e, mais tarde, em 1832, DIRICHLET o fez para n = 14. Logo depois, CAUCHY deu o rebate falso de uma “demonstração” geral o que levou à prova de inexistência em 1839/40, para n = 7, por LAME (1795-1870) e V.A. LEBESGUE (1791-1875). Os casos n = 5, 7 constam dos manuscritos originais de GAUSS, não conhecidos àquela época. Em suas pesquisas desde 1837, KUMMER (1810-1893) buscou separar os expoentes em classes e em 1849 recebeu a medalha de ouro e 3000 francos da Academia de Ciências de Paris por haver sido quem mais se aproximou da demonstração, ao afirmar que nenhum número primo ímpar menor que 100 é expoente na conjetura de FERMAT. Entretanto, os primos 37, 59 e 67 escapam a sua demonstração. Desde então, os matemáticos não mais recorreram à busca de expoentes, inteiro por inteiro, para decidir a questão e, o trabalho publicado em 1983 em direção à demonstração da conjetura, faz uso da separação de equações algébricas em classes e nestas é buscada a existência, ou não, de uma solução e não mais uma solução particular. Não obstante, em 1955, T.L. SELFRIDGE, C.A. NICOL e H.S. VANDIVER, da Universidade de Califórnia, mostraram, através de cálculos realizados com auxílio de um computador e pela separação em classes de KUMMER, que a conjetura de FERMAT é correta para todos os primos ímpares p < 4003. Pena é que os 1.000.000 marcos alemães, colocados como prêmio pelo Dr. P. WOLFSEKEHL de Darmstadt, para quem demonstrasse a conjetura, tenham se anulado por desvalorização com a 1a. Guerra Mundial. A grande conjetura de FERMAT, dada a simplicidade de sua formulação, atrai a atenção de matemáticos diletantes que têm oferecido milhares de “demonstrações” ingênuas e errôneas como a que ainda recentemente apareceu nos Resumos dos trabalhos apresentados na 35a. Reunião Anual da SBPC (pág. 211 Cód. 01-C.1). Em 1900, HILBERT, renomado professor em Göttingen, apresentou em um Congresso um lista de 23 problemas que, acreditava ele, ocupariam a atenção dos matemáticos no século XX. O 7o. problema da lista é uma generalização da conjetura de EULER (1748) acerca da transcendência de certos logaritmos de base racional de números racionais. (*) Especificamente, o 7o. problema de HILBERT consistia em decidir se ab é algébrico ou transcendente, dado que a e b são algébricos (a ¹ 0, a ¹ 1, b não racional). O problema foi resolvido em 1934 por A. GELFOND e, independentemente, por Th. SCHNEIDER e é o hoje chamado teorema de GELFOND: “se a e b são algébricos, a ¹ 0, a ¹ 1, b não racional então ab é transcendente”. também o é. Mas até hoje não se sabe se os números ee, pp e pe são transcendentes ou algébricos. (De passagem, é necessário lembrar que até hoje, apenas pouco mais da metade dos 23 problemas apresentados por HILBERT foram resolvidos e que a Matemática do século XX se desenvolveu em muitas outras direções não previstas em 1900.) Ainda dentre as conjeturas de FERMAT, EULER, em 1754/55 demonstrou que todo número primo da forma 4n + 1 pode ser decomposto, de modo único, como a soma de dois quadrados. Devemos lembrar que, na época de EULER, a Teoria dos Números consistia tão somente numa coleção de resultados isolados. Como teoria propriamente dita, ela nasceu com a publicação de Disquisitiones Arithmeticae de GAUSS, em 1801, mas, grande parte dos problemas estudados por GAUSS neste livro tiveram origem em trabalhos de EULER.
_______________ (**) N. da R.: Apesar do trabalho de Euler e de outros matemáticos, um par relativamente pequeno (1184 e 1210) passou desapercebido. Um garoto de 16 anos, Nicolo Paganini o descobriu em 1866. Atualmente, mais de 400 pares de números amigáveis são conhecidos. (*) N. da R.: Conjetura de EULER: “Se a e b são racionais, a > 1 e b > 1, então logab é racional ou transcedente”.
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