Nicolau C. Saldanha
IMPA–RJ

O leitor certamente sabe que existem cinco poliedros regulares: o tetraedro, o cubo, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. O leitor provavelmente também sabe dar coordenadas para os vértices dos três primeiros destes sólidos: para o cubo tomamos todos os oito vértices da forma  (1, 1, 1) , para o tetraedro tomamos dentre esses apenas os quatro cujos produtos das coordenadas é  1  e, finalmente, para o octaedro escolhemos para vértices os pontos (1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1) . O objetivo deste artigo é preencher a lacuna óbvia mostrando como dar coordenadas para os dois sólidos restantes. Vamos começar pelo icosaedro.

A idéia mais natural, provavelmente, é a de construir um icosaedro na posição em que ele é mais freqüentemente representado: pendurado por um dos vértices (figura 1). Os doze vértices assim seriam:


  para o vértice de cima;

formam um pentágono;

      

de baixo;

  para o vértice de baixo.
 

Essas coordenadas resultam simplesmente do fato de os “níveis” intermediários serem pentágonos regulares. Para determinar os valores de  a  e  b,  podemos resolver o sistema

a primeira equação garante que o sólido está inscrito na esfera unitária e a segunda garante que as faces são triângulos equiláteros. Assim,

Esperamos ter convencido o leitor de que é inteiramente possível obter coordenadas para os vértices do icosaedro dessa forma mas que a resposta é bastante complicada. A complicação da resposta deve-se, entretanto, a uma escolha infeliz da posição do sólido. A posição “certa” para este problema não é nem pendurar o icosaedro por um vértice (como fizemos), nem pousá-lo na mesa ficando uma face horizontal (deixamos a cargo do leitor o exercício tedioso de determinar as coordenadas nessa posição), e sim pendurá-lo por uma aresta (figura 2).

Pela figura, temos um par de arestas paralelas a cada eixo e estas intersectam outro eixo; por exemplo, as arestas paralelas ao eixo  x  cruzam o eixo  z. (O leitor talvez se pergunte se a posição das arestas é exatamente a que a figura sugere: as simetrias do icosaedro são suficientes para provar os fatos necessários. Mais formalmente ainda, podemos inverter o raciocínio e usar as coordenadas a serem obtidas para provar que o sólido obtido é regular.)

  Os vértices têm portanto a forma

, onde  c  e  d  são parâmetros, por enquanto desconhecidos, satisfazendo

.

Observe que os vizinhos de, por exemplo,  são

 e

.

Para determinar a razão entre  c  e  d, basta resolver a equação  ,  que garante que as arestas têm todas o mesmo tamanho; isso nos dá  . Assim, denotando , as coordenadas de um icosaedro são:

O dodecaedro é o dual do icosaedro, isto é, os centros das faces de um icosaedro são os vértices de um dodecaedro (e vice-versa). Para obter coordenadas para os vértices de um dodecaedro (figura 3), basta portanto somar as coordenadas dos três vértices de cada face desse nosso icosaedro, obtendo:

ou,

multiplicando tudo por

(lembrando que   e

e que   ):

Gostaria de agradecer a Elon Lages Lima por me incentivar a escrever este artigo.

 

Sobre a Coluna do Botelho da RPM 37:
A curiosa Matemática eleitoral

       A RPM recebeu mensagem do leitor Mário G. Cunha de Salvador, BA, informando-nos que as eleições deste ano, 1998, estão subordinadas à lei 9504/97 que apresenta mudanças em relação ao Código Eleitoral, até então vigente. O artigo 107 revogou o parágrafo único do artigo 106 do Código Eleitoral, que determinava a contagem dos votos em branco como válidos para a obtenção do quociente eleitoral.

Sendo assim, não há mais a questão brancos versus nulos, uma das situações discutidas na Coluna do Botelho, que continua oportuna e interessante pelos outros aspectos  apresentados do Código Eleitoral.

O colega também nos mandou uma cópia de um texto que elaborou, com base no artigo da Coluna do Botelho, para os alunos do Colégio Oficina, no qual é professor e coordenador de Matemática.

O autor da coluna, Manoel Henrique Botelho, escreveu à RPM desculpando-se pela falta de atualização na legislação eleitoral. Desculpa-se “por  acreditar que as leis eleitorais fossem tão permanentes como as leis da Matemática, imperdoável inocência para um homem de cinqüenta e tantos anos”.  O autor também manifestou sua satisfação pelas cartas dos vários leitores sobre o artigo.