Geraldo Ávila

     Introdução

 

Muitos professores encontram dificuldades ao lidar com equações e inequações com radicais. A propósito, a RPM 19 contém um artigo correlato do professor Cláudio Possani, porém com ênfase numa equação particular com radicais. Nosso objetivo aqui é o de chamar a atenção para a classe mais comum dessas equações e inequações, cujo tratamento repousa sobre certos pontos básicos que, quando levados em conta, evitam as dificuldades a que nos referimos.

Um primeiro equívoco

Outro dia procurou-me um professor querendo entender o modo correto de resolver a seguinte equação:  .  Perguntou-me então se estaria correto proceder assim:  ,  com quatro possibilidades de escolha de sinais:     e  ,  resultando nas duas soluções  .

Com um balançar de cabeça, eu dei a entender que não aprovava. Ele insistiu: mas, professor, não é verdade que    e  ?  Aí eu fui bem explícito e disse: Não! não é bem assim.

De fato, às vezes escrevemos coisas como  , mas isso não está certo. Trata-se de um “abuso de notação”. Não existem coisas que os lingüistas chamam de “abuso de linguagem”, “licença poética” e “licença literária”? Pois os matemáticos também incorrem em “abusos de notação” e de linguagem. Não tem muita importância, pode até ser uma conveniência, mas é preciso ter consciência do que se está fazendo. Por exemplo, ao lidarmos com a função que leva  x  em  ,  dizemos e escrevemos corretamente assim: “seja a função  ”. É um abuso de notação dizer “seja a função ”, pois, a rigor, essa última expressão é apenas um valor particular da função, aquele que ela assume no valor  “x”  da variável independente; além disso, nesse último modo de falar nem estamos especificando o domínio da função, deixando-o subentendido.

Voltando ao caso da raiz quadrada, escrever    é um abuso de notação porque o radical tem um significado único: sendo  a  um número positivo,     significa sempre a raiz quadrada positiva, nunca a negativa. (É claro que se poderia ter convencionado o contrário, isto é,    significando a raiz negativa, não a positiva.) Tanto é assim que, quando escrevemos a fórmula de Báskara, tomamos o cuidado de usar o duplo sinal de mais e de menos na expressão  .

Como então resolver a equação proposta? Pelo que dissemos,    é o número positivo  ,  isto é,    ( e nunca  , pois  x  pode ser negativo). Analogamente,  ,  de sorte que 

e pronto, é isso aí! Na prática, costumamos suprimir a parte do meio e simplesmente escrever:   .  

Um outro exemplo

Vamos esclarecer melhor essas coisas considerando a seguinte equação, um pouco mais complicada que a anterior:

.

(1)

É claro que, ao escrever essa equação, já estamos supondo que  ,  isto é, que  .  Para resolvê-la, elevamos ambos os membros ao quadrado, obtendo:

(2)

 e  .

Dessas duas soluções, somente    resolve a equação inicial. Com o outro valor,  ,  a equação inicial ficaria sendo  , que está errado, pois    significa sempre  .

Na verdade, o outro valor encontrado,  ,  é a solução da outra equação, aquela que leva sinal negativo, ou seja: .     (3)

Tanto essa equação, como a equação inicial, ao serem elevadas ao quadrado, implicam a mesma equação  .  Essa, sim, tem duas soluções:   e  , uma que é solução de    e outra que é solução de  .

Com esse exemplo fica bem clara a importância de se convencionar que o símbolo    significa sempre a raiz quadrada positiva de  a, qualquer que seja o número positivo  a,  pois é necessário que tal símbolo tenha significado único e preciso sempre. Do contrário, a equação (1) não seria uma equação só, mas conteria também a equação (3), ou seja, estaríamos lidando com .

Temos duas equações, as quais, juntas, eqüivalem à segunda equação que aparece em (2), isto é, .

Observe que a primeira implicação em (2) é apenas da esquerda para a direita, não valendo a volta.

No fundo, o que estamos usando em nosso procedimento é a seguinte propriedade dos números:

se  a  e  b  são números não negativos, então  .

Como se vê, precisamos ter certeza de que os números  a  e  b  sejam não negativos. Se não tivermos essa informação, só podemos escrever   (e nunca  ).
 (Em nosso caso concreto,   e  .)  Podemos também escrever: se  a  e  b  são números quaisquer, então

; ou, ainda, .

(Observe que    é outro modo de dizer que  a  e  b  têm o mesmo valor absoluto, isto é, que  .)  Assim, com    e  ,  podemos escrever:    ,

ou ainda, de maneira equivalente,

.

Para dar mais um exemplo de que o símbolo    deve significar apenas uma das raízes de  a, considere a equação:     .

E agora, a primeira raiz quadrada que aí aparece é positiva? Negativa? E a segunda? É justamente para evitar tais ambigüidades que convencionamos, uma vez por todas, que o símbolo    significa sempre a raiz quadrada não negativa de  a.

 

Inequações e valor absoluto

Como se faz para resolver a inequação  ?  Será correto simplesmente extrair a raiz quadrada e escrever  ?  Não, isso é errado, pois  é menor que  3,  no entanto    é maior do que  9.

Lembremos que    é o mesmo que  , de forma que o correto é

.

Assim, a solução da inequação    é o conjunto dos números do intervalo  .

O que usamos na resolução da inequação acima foi a seguinte propriedade dos números:

se  a  e  b  são números não negativos, então  .

Outro exemplo:  .

Temos, agora, . As soluções são os números tais que  . Ora, isso acontece com    e  .

 

 

UMA BRINCADEIRA...

A  EVOLUÇÃO (?)  DO  ENSINO

                                                                                              

1960                                                                                

Um fazendeiro vendeu um saco de batatas por R$100,00. O custo foi  4/5  do preço de venda. Qual foi o lucro do fazendeiro?

1970

Um fazendeiro vendeu um saco de batatas por R$100,00. O custo foi  4/5  do preço de venda, isto é, R$80,00. Qual foi o lucro do fazendeiro?

1970 (Início da Matemática Moderna)

Um fazendeiro trocou um conjunto  B  de batatas por um conjunto  D  de dinheiro. A cardinalidade do conjunto  D  é igual a  100  e cada elemento de  D  vale  R$1,00. Desenhe 10 pontos grandes representando os elementos de  D.  O conjunto  C  de custo de produção tem  2  pontos grandes a menos que o conjunto  D. Represente  C  como um subconjunto de  D  e responda:  Qual é a cardinalidade do conjunto-lucro?

1980

Um fazendeiro vende um saco de batatas por R$100,00. A sua produção custou R$80,00  e o lucro foi  R$20,00. Sublinhe a palavra  batatas  e discuta-a com seus colegas.

1990                                                                              

Um fazendeiro vendeu um saco de batatas por R$100,00. O custo da produção foi  0,80  da receita. Na sua calculadora plote o gráfico “receita versus custo”. Use o programa  “BATATA” para determinar o lucro. Discuta o resultado com os colegas do seu grupo. Escreva um pequeno ensaio analisando esse exemplo no mundo real da economia.