Geraldo Ávila
Um primeiro equívoco
Outro dia procurou-me um professor
querendo entender o modo correto de resolver a seguinte equação:
. Perguntou-me então se estaria correto proceder assim:
, com quatro possibilidades de escolha de sinais: e
, resultando nas duas soluções
.
Com um balançar de cabeça, eu dei a
entender que não aprovava. Ele insistiu: mas, professor, não é verdade que
e
? Aí eu fui bem explícito e disse: Não! não é bem assim.
De fato, às vezes escrevemos coisas como
, mas isso não está certo. Trata-se de um “abuso de notação”.
Não existem coisas que os lingüistas chamam de “abuso de linguagem”, “licença
poética” e “licença literária”? Pois os matemáticos também incorrem em “abusos
de notação” e de linguagem. Não tem muita importância, pode até ser uma
conveniência, mas é preciso ter consciência do que se está fazendo. Por exemplo,
ao lidarmos com a função que leva x em
, dizemos e escrevemos corretamente assim: “seja a função
,
”. É um abuso de notação dizer “seja a função
”, pois, a rigor, essa última expressão é apenas um valor
particular da função, aquele que ela assume no valor “x” da variável
independente; além disso, nesse último modo de falar nem estamos especificando o
domínio da função, deixando-o subentendido.
Voltando ao caso da raiz quadrada,
escrever
é um abuso de notação porque o radical tem um significado
único: sendo a um número positivo, significa sempre a raiz quadrada positiva, nunca a
negativa. (É claro que se poderia ter convencionado o contrário, isto é,
significando a raiz negativa, não a positiva.) Tanto é
assim que, quando escrevemos a fórmula de Báskara, tomamos o cuidado de usar o
duplo sinal de mais e de menos na expressão
.
Como então resolver a equação proposta?
Pelo que dissemos,
é o número positivo
, isto é,
( e nunca
, pois x pode ser negativo). Analogamente,
, de sorte que
e pronto, é isso aí! Na prática,
costumamos suprimir a parte do meio e simplesmente escrever:
.
Um outro exemplo
Vamos esclarecer melhor essas coisas
considerando a seguinte equação, um pouco mais complicada que a anterior:
. |
(1) |
É claro que, ao escrever essa equação, já
estamos supondo que
, isto é, que
. Para resolvê-la, elevamos ambos os membros ao quadrado,
obtendo:
|
(2) |
e
.
Dessas duas soluções, somente
resolve a equação inicial. Com o outro valor,
, a equação inicial ficaria sendo
, que está errado, pois
significa sempre
.
Na verdade, o outro valor encontrado,
, é a solução da outra equação, aquela que leva sinal
negativo, ou seja:
. (3)
Tanto essa equação, como a equação
inicial, ao serem elevadas ao quadrado, implicam a mesma equação
. Essa, sim, tem duas soluções:
e
, uma que é solução de
e outra que é solução de
.
Com esse exemplo fica bem clara a
importância de se convencionar que o símbolo
significa sempre a raiz quadrada positiva de a,
qualquer que seja o número positivo a, pois é necessário que tal
símbolo tenha significado único e preciso sempre. Do contrário, a equação (1)
não seria uma equação só, mas conteria também a equação (3), ou seja, estaríamos
lidando com
.
Temos duas equações, as quais, juntas,
eqüivalem à segunda equação que aparece em (2), isto é,
.
Observe que a primeira implicação em (2) é
apenas da esquerda para a direita, não valendo a volta.
No fundo, o que estamos usando em nosso
procedimento é a seguinte propriedade dos números:
se a e b
são números não negativos, então
.
Como se vê, precisamos ter certeza de que
os números a e b sejam não negativos. Se não tivermos essa
informação, só podemos escrever
(e nunca
).
(Em nosso caso concreto,
e
.) Podemos também escrever: se a e b são
números quaisquer, então
; ou, ainda,
.
(Observe que
é outro modo de dizer que a e b têm o
mesmo valor absoluto, isto é, que
.) Assim, com
e
, podemos escrever: ,
ou ainda, de maneira equivalente,
.
Para dar mais um exemplo de que o símbolo
deve significar apenas uma das raízes de a,
considere a equação: .
E agora, a primeira raiz quadrada que aí
aparece é positiva? Negativa? E a segunda? É justamente para evitar tais
ambigüidades que convencionamos, uma vez por todas, que o símbolo
significa sempre a raiz quadrada não negativa de a.
Inequações e
valor absoluto
Como se faz para resolver a inequação
? Será correto simplesmente extrair a raiz quadrada e
escrever
? Não, isso é errado, pois
é menor que 3, no entanto
é maior do que 9.
Lembremos que
é o mesmo que
, de forma que o correto é
.
Assim, a solução da inequação
é o conjunto dos números do intervalo
.
O que usamos na resolução da inequação
acima foi a seguinte propriedade dos números:
se a e b são números
não negativos, então
.
Outro exemplo:
.
Temos, agora,
. As soluções são os números tais que
. Ora, isso acontece com
e
.
UMA BRINCADEIRA...
A EVOLUÇÃO
(?) DO ENSINO
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1960
Um fazendeiro vendeu um saco de
batatas por R$100,00. O custo foi 4/5 do preço de venda. Qual foi o lucro
do fazendeiro?
1970
Um fazendeiro vendeu um saco de
batatas por R$100,00. O custo foi 4/5 do preço de venda, isto é, R$80,00.
Qual foi o lucro do fazendeiro?
1970 (Início
da Matemática Moderna)
Um fazendeiro trocou um conjunto B
de batatas por um conjunto D de dinheiro. A cardinalidade do
conjunto D é igual a 100 e cada elemento de D vale R$1,00.
Desenhe 10 pontos grandes representando os elementos de D. O
conjunto C de custo de produção tem 2 pontos grandes a menos que
o conjunto D. Represente C como um subconjunto de D
e responda: Qual é a cardinalidade do conjunto-lucro?
1980
Um fazendeiro vende um saco de batatas
por R$100,00. A sua produção custou R$80,00 e o lucro foi R$20,00.
Sublinhe a palavra batatas e discuta-a com seus colegas.
1990
Um fazendeiro vendeu um saco de
batatas por R$100,00. O custo da produção foi 0,80 da receita. Na sua
calculadora plote o gráfico “receita versus custo”. Use o programa
“BATATA” para determinar o lucro. Discuta o resultado com os colegas do seu
grupo. Escreva um pequeno ensaio analisando esse exemplo no mundo real da
economia.
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