![]() |
|
|
|||
![]() |
Entretanto,
parece que o desafio de provar a conjectura de Fermat -
a impossibilidade de soluções inteiras para a equação
Antes
de tratar da questão matemática, é interessante dizer duas palavras
sobre quem foi Fermat. Para começar, ele não era matemático
profissional nem jamais fez nenhum estudo formal em ciências exatas. Sua
formação era humanística, especializou-se em línguas clássicas,
diplomou-se em direito e foi magistrado em Toulouse durante quase toda a
vida. Católico
fervoroso, dividia seu tempo de lazer entre as obrigações para com a
Igreja e o estudo amadorístico da Matemática, mas se engana totalmente
quem imaginar que o amadorismo de Fermat possa ter significado algo
superficial, elementar ou primário. Fermat é conhecido como “O Príncipe
dos amadores” porque fez descobertas profundas e sutis na Teoria dos Números,
dominou (mas não publicou) as técnicas da Geometria Analítica antes de Descartes,
deu início à Teoria das Probabilidades junto com Pascal
e chegou às portas do Cálculo Diferencial e Integral. O grande Isaac
Newton, o primeiro a desenvolver o Cálculo, conta em um
manuscrito que a idéia básica do seu método de traçar tangentes a
curvas (e que foi o fundamento do Cálculo Diferencial) foi obtida em um
trabalho de Fermat. Este
pequeno relato nos permite avaliar a grandeza do nosso personagem e
eliminar, de uma vez por todas, a falsa imagem que se tem da alegada
incompatibilidade entre os advogados e a Aritmética. Agora,
vamos ao Outro belo teorema de Fermat. Os números
primos, aqueles que somente são divisíveis por si mesmos e pela unidade,
sempre encantaram os matemáticos por serem uma espécie de tijolos com os
quais toda a Aritmética é construída e por apresentarem características
verdadeiramente surpreendentes. Carl
Friedrich Gauss, um
dos maiores matemáticos de todos os tempos, afirmou que “o problema de
distinguir os números primos dos compostos e decompor os últimos em seus
fatores primos é reconhecidamente um dos mais importantes e úteis na
Aritmética”. Fermat pesquisou muito as propriedades dos números primos
e um dia constatou algo que deu origem ao teorema de que estamos falando. É
sabido que, ao se dividir um número qualquer por 4, os restos da divisão
somente podem ser 0, 1, 2 ou
3 (afinal, o resto de uma divisão não pode ser maior ou igual ao
divisor, no caso 4). Os números que deixam resto zero são do tipo 4k
(múltiplos de 4) e os outros são, evidentemente, do tipo
Foi
aí que Fermat detectou uma diferença fundamental entre os primos dos
dois grupos: os do primeiro podem ser
sempre e de um único modo, a menos
da ordem das parcelas, decompostos como somas de dois quadrados perfeitos. Por outro lado,
os do tipo
Entretanto,
por mais que tentemos, não encontramos formas de desdobrar
7, 19, 31, 43, etc. em
somas de quadrados. Fermat foi mais além, descobrindo que números não
primos podem ter mais do que uma forma de decomposição em somas de
quadrados. Por exemplo, 65 é
A
prova de que números primos do tipo
Infelizmente,
a demonstração da outra parte, a que afirma que os primos do tipo
Continuando
a estudar os primos do tipo
Realmente,
parece uma coisa de doido, mas é possível explicar isso através de um
exemplo. Considere-se o menor dos primos do tipo
É
a esse pacote de propriedades dos primos do tipo
Jamais
encontramos na literatura especializada qualquer resposta a tal pergunta,
o que não significa que ela não esteja por aí em algum livro não
consultado. Entretanto, recentemente, de forma puramente acidental,
estivemos em uma situação que pode ter sido a mesma vivida por Fermat
quando “achou” seu teorema. Tudo começou quando escrevíamos um capítulo
de um livro sobre a história da Geometria e decidimos mostrar como podem
ser gerados todos os triângulos retângulos cujos lados são expressos
por números inteiros. Quando, no ginásio, aprendemos o teorema de Pitágoras,
logo nos dizem que (5, 4, 3)
ou (13, 12, 5)
são exemplos daqueles triângulos, mas as coisas costumam parar
por aí. Ocorre
que a solução geral da equação
Procuremos
ternos a,
b e c inteiros que satisfaçam
a igualdade
Inicialmente,
vemos que b
e c
não podem ser ambos pares, pois isso faria com que
a também o fosse, de modo que os três números teriam o fator
comum 2, contrariamente à hipótese. Se ambos fossem ímpares, teríamos
Não
existe um número a
inteiro satisfazendo tal condição, já que ele deveria ser par
mas seu quadrado não seria divisível por 4 (deixaria resto 2), o que é
impossível. Logo, entre b
e c, um é par e outro é
ímpar, o que obriga, também, a
a ser ímpar. Suponhamos que b
seja ímpar e c
seja par (supor o inverso levaria ao mesmo resultado). Se
c
é par, ele é da forma
Como
Analisemos
a soma
Se
Como
vemos, a soma e a diferença têm o fator
2 em comum mas, se
Se c contém
a vezes o divisor 2,
então
Para
acharmos
Logo,
os dois blocos são da forma
Assim,
ou
ou
Na
primeira alternativa tem-se
Chamando-se
A
outra alternativa conduziria a expressões com a mesma forma e está
encontrada a maneira de gerar todos os ternos de números inteiros que
medem os lados de triângulos retângulos, a partir de parâmetros
m
e n
satisfazendo aquelas condições. Isso
posto, imaginamos que os leitores gostariam de ver uma tabela contendo,
digamos, as 100
primeiras soluções (correspondentes aos menores valores de
m
e n)
primitivas da equação
Se
não, vejamos. Todos os a’s da
tabela, pela própria maneira como foram gerados, são somas de quadrados
e, sejam primos ou não, são todos do tipo
O
perspicaz Fermat não teria jamais deixado de observar isso se tivesse
tido tal tabela em suas mãos e cremos que foi, realmente, o que
aconteceu. Mas e o resto do teorema, aquela questão da potência
s
dos primos do tipo
Danado
esse tal de Fermat! Que olhos de lince tinha ele para enxergar tudo isso
pela primeira vez! Depois que ele nos mostrou o caminho, tudo ficou
simples, mas somente um gênio como ele teria a percepção necessária
para encontrar tal tesouro no meio daquela selva... O prezado leitor tem o direito e até a obrigação de dizer que olhar uma tabela e sair enunciando teoremas tão complexos não é coisa que se espere de um matemático rigoroso. A resposta a essa observação é sim e não.
|
Levantar
c
onjecturas a partir do conhecimento de um padrão é uma coisa legítima e
muitos teoremas surgiram assim, mas é preciso tomar muito cuidado antes
de fazer afirmações precipitadas. Em
meados do século passado, por exemplo, o matemático francês Polignac
levantou a conjectura de que todo número ímpar pode ser expresso como a
soma de uma potência de 2 com um número primo. Embora tenha relatado que
não havia ainda encontrado a prova, afirmou que testara sua conjectura
para todos os ímpares abaixo de 3 000 000. Infelizmente, para Polignac, alguém destruiu sua conjectura mostrando que o ímpar
127, muito abaixo dos No
nosso caso, entretanto, as conjecturas que produziram o Outro
belo teorema de Fermat foram demonstradas e é por isso e muito mais
que nosso herói é lembrado com carinho até hoje.
|