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Nesta época, quando se avizinham novas eleições, voltam a aparecer na mídia termos como eleições proporcionais, votos válidos, quociente eleitoral e outros. Nem sempre, entretanto, eles são bem definidos, deixando o leitor à mercê dos cálculos dos jornalistas. Curioso, fui esclarecer tais definições e me deparei com questões interessantes. Comecemos pelos termos.
Temos
no Brasil dois tipos de eleições: as majoritárias, pelas quais se escolhem os senadores e os titulares
do Poder Executivo (presidente, governadores, prefeitos e respectivos
vices), e as proporcionais,
pelas quais são escolhidos os demais membros do Poder Legislativo
(deputados federais, estaduais e vereadores). Elas
diferem entre si, no modo como os votos são contados para dar vitória
a este ou àquele candidato. Nas
eleições majoritárias, vence o candidato que individualmente tiver
mais votos, não havendo complicações matemáticas. Nas
eleições proporcionais, a escolha é feita via partido. Lembramos que,
para se candidatar, o cidadão deve ser indicado por um partido político.
A idéia básica da contagem proporcional é que o eleitor, ao votar,
escolhe primeiro uma linha política, o partido, e, dentro dele, um
nome. Contam-se, então, antes os votos do partido e, dentro dele,
escolhem-se os mais votados. Vejamos como se faz, usando como referência
a lei federal no 4737 de 15 de julho de 1965. Para
entender, comecemos definindo alguns termos da cartilha política:
Coligação:
associação entre dois ou mais partidos, que, para efeito da contagem
de votos, passam a funcionar como um só partido;
Voto na legenda:
o eleitor vota num partido e não escolhe um nome de candidato em
particular; Voto em branco: voto no qual não há nada escrito pelo eleitor;
Voto nulo: voto
que contém algum erro essencial cometido pelo eleitor;
Voto nominal:
voto no qual está indicado nome ou número de candidatos;
Voto válido: é
um voto nominal, ou um voto na legenda ou um voto em branco. Observamos
que na apuração dos votos de uma eleição, esses são classificados
em válidos e nulos. Veremos que, embora do ponto de vista do eleitor, o
voto em branco se assemelhe ao voto nulo (quando voluntariamente
anulado), eles têm contribuições bem distintas na escolha dos
eleitos.
Quociente
eleitoral: é um número que tem papel nas eleições proporcionais.
Chama-se quociente eleitoral ao quociente da divisão do número de
votos válidos pelo número de lugares a preencher naquela eleição,
considerando apenas a parte inteira desse quociente.
Usaremos
um exemplo fictício para explicar como se faz essa contagem.
Suponhamos
uma eleição para preencher cargos numa assembléia
legislativa
com:
cargos
a serem preenchidos = 12 número
total de votos = 51 000 número
de votos nulos = 2 000. O
quociente eleitoral será então calculado pelo quociente
, pois o total de votos válidos é igual a
e o número de cargos é
12. Como
=
, temos o quociente eleitoral igual a
. Passa-se
daí a contar os votos de cada partido ou coligação, somando os
respectivos votos de legenda e os nominais, nos quais o nome escolhido
é daquele partido ou coligação. Suponhamos que tenham concorrido
quatro partidos e que a distribuição de votos seja a seguinte:
De
início, o número de candidatos que cada partido elege é o quociente
inteiro dos seus votos pelo quociente eleitoral. Nessa
primeira fase foram eleitos 10
candidatos, o que deixa 2
vagas ainda por preencher. Elas são preenchidas uma a uma do
seguinte modo:
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1a vaga das sobras 2a vaga das sobras
O
partido A
ganha a 1a vaga das sobras e o partido
C ganha a 2a
vaga. Observe
que o cálculo feito foi: quociente
entre o número de votos de cada partido pelo número de eleitos na
primeira fase mais um (+ esse que seria eleito), e
fica com a vaga o partido que apresentar o maior quociente. Repare
que um partido, como o D, que tem menos votos que o quociente eleitoral
não elege candidatos. Por
outro lado, qualquer candidato que receba mais votos que o quociente
eleitoral está eleito. Resultado
final no nosso exemplo: Partido
A = 6
vagas Partido
B = 3
vagas Partido
C = 3
vagas Partido
D = 0
vaga
Se
eleitores que votaram nulo mudassem para voto branco, qual a conseqüência
nos resultados? Vamos admitir, no nosso exemplo, que todos os que
votaram nulo votassem em branco. Como
conseqüência, isso aumentaria o quociente eleitoral e teríamos a
seguinte nova distribuição de eleitos, que o leitor pode verificar
efetuando cálculos similares aos anteriores: Partido
A = 7
vagas Partido
B = 3
vagas Partido
C = 3
vagas Partido
D = 0
vaga Ou
seja, quando há mudanças de um grupo de eleitores de voto nulo para
voto em branco (ou vice-versa), isso influencia os resultados finais,
mas de forma não previsível, dependendo de toda a configuração de
resultados.
Vamos
analisar do ponto de vista exclusivamente matemático os resultados
da eleição dos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo ocorrida
em outubro de 1996. Os números obtidos foram:
Nenhum
candidato alcançou o quociente eleitoral (o candidato mais votado na
eleição teve cerca de 78.000 votos), o que o elegeria
independentemente do resultado do partido. Todos ficaram, portanto,
dependendo desse resultado e de sua colocação dentro do partido. Nessa
eleição, foram 10
os partidos que alcançaram o quociente eleitoral e vários
partidos ficaram abaixo dele, não elegendo portanto ninguém. Houve
um partido que recebeu 124
897 votos, ganhando uma vaga para o seu candidato mais votado, que
recebeu cerca de 7 000
votos, sendo o 121o colocado na classificação
geral dos candidatos. Ao mesmo tempo um candidato de um outro partido,
com 22 500
votos, não foi eleito, embora sendo o 33o colocado
na classificação geral. O que aconteceu foi que, no seu partido, a
votação do último eleito foi de cerca de 23 600 votos. Essa
regra cria a figura do “puxador de votos”, aquele candidato que
atrai um grande número de eleitores e, assim, além de se eleger,
aumenta a quota de seu partido, ajudando outros a se elegerem também.
Na
década de setenta houve uma eleição em que a oposição teve uma votação
enorme, principalmente em votos de legenda (não nominais). Como eram
anos difíceis e a oposição sofria várias perseguições, essa tinha
lançado em alguns Estados poucos candidatos, abaixo do limite máximo
fixado por lei. Com a avalanche inesperada de votos, houve muitos
Estados nos quais todos os candidatos do partido da oposição foram
eleitos, em razão dos votos na legenda, mesmo alguns candidatos com
votação individual extremamente reduzida. Daí a beleza dessa legislação
e de sua observância: a lei fez abrigar sob o manto do partido a
vontade dos eleitores.
As
eleições para o Senado Federal têm peculiaridades interessantes. A
cada quatro anos elegemos, alternadamente, ora um, ora dois senadores
por Estado e a cada oito anos, para preencher as duas vagas no Senado,
cada eleitor tem direito de votar em dois nomes. Isso é peculiar, pois,
para preencher dezenas de vagas nas demais casas legislativas, só
podemos votar em um candidato. Terá
isso alguma influência no resultado final? Há
alguns anos, num certo Estado, concorreram três candidatos ao Senado:
dois deles, A e B, com forte imagem política e um terceiro, C,
simplesmente uma pessoa simpática. Se fosse eleição para um só
senador, esse terceiro candidato certamente ficaria em terceiro lugar.
Surpreendentemente, entretanto, ele ficou em segundo lugar, sendo
eleito. A razão parece ter sido que o eleitor que votava em A jamais
votaria em B e, simetricamente, o eleitor de B jamais votaria em A. Por
essa razão o candidato C, de menor rejeição política, acabou sendo a
segunda escolha, tanto para os eleitores de A quanto de B, conseguindo o
2o lugar. Isso porque a apuração não distingue a
primeira da segunda escolha de cada eleitor, somando igualmente os
votos. Como
um exemplo análogo, conta-se a seguinte historieta carioca: Se
no Rio de Janeiro fizerem uma pesquisa para saber quais os times de
futebol mais populares, devem ganhar dois dentre os times Flamengo,
Fluminense, Vasco ou Botafogo. Se a pergunta, entretanto, for: “quais
os dois times de que você mais gosta?”, para surpresa geral um dos
dois vencedores seria o América, o segundo time de todos.
Referências
bibliográficas:
[1] Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. [2] Moruzzi, A. O.
Código eleitoral. Editora Rideel. [3] Jornal Folha de
S. Paulo, 02 e 05 de outubro de 1996. [4] Jornal Diário Popular, 06 de
outubro de 1996.
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