A CURIOSA MATEMÁTICA ELEITORAL

Manoel Henrique C. Botelho
São Paulo, SP

Nesta época, quando se avizinham novas eleições, voltam a aparecer na mídia termos como eleições proporcionais, votos válidos, quociente eleitoral e outros. Nem sempre, entretanto, eles são bem definidos, deixando o leitor à mercê dos cálculos dos jornalistas. Curioso, fui esclarecer tais definições e me deparei com questões interessantes. Comecemos pelos termos.

 

     Eleições proporcionais e majoritárias

Temos no Brasil dois tipos de eleições: as majoritárias, pelas quais se escolhem os senadores e os titulares do Poder Executivo (presidente, governadores, prefeitos e respectivos vices), e as proporcionais, pelas quais são escolhidos os demais membros do Poder Legislativo (deputados federais, estaduais e vereadores).

Elas diferem entre si, no modo como os votos são contados para dar vitória a este ou àquele candidato.

Nas eleições majoritárias, vence o candidato que individualmente tiver mais votos, não havendo complicações matemáticas.

Nas eleições proporcionais, a escolha é feita via partido. Lembramos que, para se candidatar, o cidadão deve ser indicado por um partido político. A idéia básica da contagem proporcional é que o eleitor, ao votar, escolhe primeiro uma linha política, o partido, e, dentro dele, um nome. Contam-se, então, antes os votos do partido e, dentro dele, escolhem-se os mais votados. Vejamos como se faz, usando como referência a lei federal no 4737 de 15 de julho de 1965.

Para entender, comecemos definindo alguns termos da cartilha política:

  Coligação: associação entre dois ou mais partidos, que, para efeito da contagem de votos, passam a funcionar como um só partido;

  Voto na legenda: o eleitor vota num partido e não escolhe um nome de candidato em particular;

 Voto em branco: voto no qual não há nada escrito pelo eleitor;

 Voto nulo: voto que contém algum erro essencial cometido pelo eleitor;

 Voto nominal: voto no qual está indicado nome ou número de candidatos;

 Voto válido: é um voto nominal, ou um voto na legenda ou um voto em branco.

Observamos que na apuração dos votos de uma eleição, esses são classificados em válidos e nulos. Veremos que, embora do ponto de vista do eleitor, o voto em branco se assemelhe ao voto nulo (quando voluntariamente anulado), eles têm contribuições bem distintas na escolha dos eleitos.

 Quociente eleitoral: é um número que tem papel nas eleições proporcionais. Chama-se quociente eleitoral ao quociente da divisão do número de votos válidos pelo número de lugares a preencher naquela eleição, considerando apenas a parte inteira desse quociente.

 

     A contagem proporcional 

Usaremos um exemplo fictício para explicar como se faz essa contagem.

Suponhamos uma eleição para preencher cargos numa assembléia legislativa com:

cargos a serem preenchidos = 12

número total de votos = 51 000

número de votos nulos = 2 000.

O quociente eleitoral será então calculado pelo quociente , pois o total de votos válidos é igual a  e o número de cargos é 12. Como = , temos o quociente eleitoral igual a .

Passa-se daí a contar os votos de cada partido ou coligação, somando os respectivos votos de legenda e os nominais, nos quais o nome escolhido é daquele partido ou coligação. Suponhamos que tenham concorrido quatro partidos e que a distribuição de votos seja a seguinte:

Votos nominais
+ votos na legenda

Número de candidatos
por partido

Partido A  

22 410

22 410/4 083 5,5

Partido B

12 250

12 250/4 083 3,0

Partido C  

9 931

9 931/4 083 = 2,4

Partido D  

3 409

3 409/4 083 = 0,8

Subtotal  

48 000

Candidatos eleitos nessa rodada  

Votos em branco

1 000

Partido A           5

Votos válidos

49 000

Partido B           3

Votos nulos  

2 000

Partido C           2

Total  

51 000

Partido D           0

Quociente eleitoral  

4 083

Total por ora:   10

De início, o número de candidatos que cada partido elege é o quociente inteiro dos seus votos pelo quociente eleitoral.

Nessa primeira fase foram eleitos  10  candidatos, o que deixa  2  vagas ainda por preencher. Elas são preenchidas uma a uma do seguinte modo:

       

 1a vaga das sobras                                  2a vaga das sobras

Partido A  

22410/(5 + 1) = 3735

Partido A

22410/(6 + 1) = 3201

Partido B

12250/(3 + 1) = 3062

Partido B

12250/(3 + 1) = 3062

Partido C

9931/(2 +1) = 3310

Partido C  

9931/(2 + 1) = 3310

O partido  A  ganha a 1a vaga das sobras e o partido  C  ganha a 2a vaga.

Observe que o cálculo feito foi:

quociente entre o número de votos de cada partido pelo número de eleitos na primeira fase mais um (+ esse que seria eleito),

e fica com a vaga o partido que apresentar o maior quociente.

Repare que um partido, como o D, que tem menos votos que o quociente eleitoral não elege candidatos.

Por outro lado, qualquer candidato que receba mais votos que o quociente eleitoral está eleito.

Resultado final no nosso exemplo:

Partido A =  6  vagas

Partido B =  3  vagas

Partido C =  3  vagas

Partido D =  0  vaga  

 

     Voto branco versus voto nulo

Se eleitores que votaram nulo mudassem para voto branco, qual a conseqüência nos resultados? Vamos admitir, no nosso exemplo, que todos os que votaram nulo votassem em branco.

Como conseqüência, isso aumentaria o quociente eleitoral e teríamos a seguinte nova distribuição de eleitos, que o leitor pode verificar efetuando cálculos similares aos anteriores:

Partido A =  7  vagas

Partido B =  3  vagas

Partido C =  3  vagas

Partido D =  0  vaga

Ou seja, quando há mudanças de um grupo de eleitores de voto nulo para voto em branco (ou vice-versa), isso influencia os resultados finais, mas de forma não previsível, dependendo de toda a configuração de resultados.  

 

     A última eleição municipal de São Paulo  

Vamos analisar do ponto de vista exclusivamente matemático os

resultados da eleição dos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo ocorrida em outubro de 1996. Os números obtidos foram:  

número total de vagas: 55;
total de votos apurados: 5 655 338;
votos nominais: 3 170 393;
votos em legendas: 1 684 570;
votos em branco: 313 204;  

votos nulos: 487 171;
votos válidos:
5 655 338 – 487 171 = 5 168 167; quociente eleitoral: a parte inteira 
de 5168 167/55 = 93 966.  

Nenhum candidato alcançou o quociente eleitoral (o candidato mais votado na eleição teve cerca de 78.000 votos), o que o elegeria independentemente do resultado do partido. Todos ficaram, portanto, dependendo desse resultado e de sua colocação dentro do partido.

Nessa eleição, foram  10  os partidos que alcançaram o quociente eleitoral e vários partidos ficaram abaixo dele, não elegendo portanto ninguém.

Houve um partido que recebeu  124 897 votos,  ganhando uma vaga para o seu candidato mais votado, que recebeu cerca de  7 000  votos, sendo o 121o colocado na classificação geral dos candidatos. Ao mesmo tempo um candidato de um outro partido, com  22 500  votos, não foi eleito, embora sendo o 33o colocado na classificação geral. O que aconteceu foi que, no seu partido, a votação do último eleito foi de cerca de 23 600 votos.

Essa regra cria a figura do “puxador de votos”, aquele candidato que atrai um grande número de eleitores e, assim, além de se eleger, aumenta a quota de seu partido, ajudando outros a se elegerem também.  

 

     Em tempos difíceis  

Na década de setenta houve uma eleição em que a oposição teve uma votação enorme, principalmente em votos de legenda (não nominais). Como eram anos difíceis e a oposição sofria várias perseguições, essa tinha lançado em alguns Estados poucos candidatos, abaixo do limite máximo fixado por lei. Com a avalanche inesperada de votos, houve muitos Estados nos quais todos os candidatos do partido da oposição foram eleitos, em razão dos votos na legenda, mesmo alguns candidatos com votação individual extremamente reduzida. Daí a beleza dessa legislação e de sua observância: a lei fez abrigar sob o manto do partido a vontade dos eleitores.  

 

     Curiosidade na eleição de senador  

As eleições para o Senado Federal têm peculiaridades interessantes. A cada quatro anos elegemos, alternadamente, ora um, ora dois senadores por Estado e a cada oito anos, para preencher as duas vagas no Senado, cada eleitor tem direito de votar em dois nomes. Isso é peculiar, pois, para preencher dezenas de vagas nas demais casas legislativas, só podemos votar em um candidato.

Terá isso alguma influência no resultado final?

Há alguns anos, num certo Estado, concorreram três candidatos ao Senado: dois deles, A e B, com forte imagem política e um terceiro, C, simplesmente uma pessoa simpática. Se fosse eleição para um só senador, esse terceiro candidato certamente ficaria em terceiro lugar. Surpreendentemente, entretanto, ele ficou em segundo lugar, sendo eleito. A razão parece ter sido que o eleitor que votava em A jamais votaria em B e, simetricamente, o eleitor de B jamais votaria em A. Por essa razão o candidato C, de menor rejeição política, acabou sendo a segunda escolha, tanto para os eleitores de A quanto de B, conseguindo o 2o lugar. Isso porque a apuração não distingue a primeira da segunda escolha de cada eleitor, somando igualmente os votos.

Como um exemplo análogo, conta-se a seguinte historieta carioca:

Se no Rio de Janeiro fizerem uma pesquisa para saber quais os times de futebol mais populares, devem ganhar dois dentre os times Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo. Se a pergunta, entretanto, for: “quais os dois times de que você mais gosta?”, para surpresa geral um dos dois vencedores seria o América, o segundo time de todos.


Referências bibliográficas:

[1]  Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

[2]  Moruzzi, A. O. Código eleitoral. Editora Rideel.

[3]  Jornal Folha de S. Paulo, 02 e 05 de outubro de 1996.

[4]  Jornal Diário Popular, 06 de outubro de 1996.

   


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