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Eduardo
Wagner
Em
uma breve visita à cidade de Fortaleza, fui abordado por um professor que
me perguntou como calcular o volume de certo poliedro. Estávamos na festa
de premiação dos estudantes classificados na Olimpíada Brasileira de
Matemática e naturalmente não tinha possibilidade de tentar resolver no
momento o problema que o incomodava, mas prometi pensar e enviar a
resposta depois. O fato é que o problema é interessante e me motivou a
escrever este pequeno artigo. O
problema é o seguinte: Um
poliedro tem duas faces paralelas, que chamarei de bases. Essas bases são
quadrados, mas os lados de uma não são paralelos aos lados da outra.
Todas as outras faces, que chamarei de faces laterais, são triângulos. Conhecendo
os lados das bases e a distância entre os planos das bases, é possível
calcular o volume desse poliedro? O
próprio professor que me fez a pergunta tinha uma certa intuição de que
não era possível e me fez duas outras perguntas:
1)
Se fizermos uma translação de uma das bases em um plano paralelo
à outra, o volume se modifica? 2)
Se uma das bases, mantendo-se em seu plano, girar em torno de seu
centro, o volume se modifica? O
poliedro em questão é assim:
As
bases são quadradas, estão em planos paralelos, mas seus lados não são
respectivamente paralelos. Como se calcula o volume desse poliedro? Essa
é a questão. Para
responder, vamos estudar um sólido um pouco mais geral. Consideremos o
problema de calcular o volume de um poliedro que possui duas bases
paralelas quaisquer e faces laterais triangulares. São conhecidas as
bases e a distância entre elas. Na figura abaixo mostramos um poliedro
desse tipo. A base inferior é um quadrilátero
ABCD de área
S1, a base
superior é um triângulo EFG
de área S2 e a distância
entre as duas bases é h. Como o
leitor poderá perceber durante a demonstração, não importam os gêneros
das bases. Consideramos um quadrilátero e um triângulo apenas para
facilitar o desenho.
Isso
implica que o segmento MN é paralelo à
aresta AB
e que a área do triângulo EMN
é a quarta parte da área do triângulo
EAB. Tomemos
um ponto O
qualquer sobre a seção eqüidistante das bases. O nosso poliedro
pode ser decomposto nos seguintes sólidos:
uma pirâmide de vértice
O e base ABCD;
uma pirâmide de vértice
O
e base EFG;
tetraedros de vértice O
e bases nas faces laterais do poliedro (OEAB,
OEBF, OFBC, etc.). Vamos
tratar agora de somar os volumes desses sólidos. A pirâmide de vértice O e
base ABCD tem
volume
. A
pirâmide de vértice O
e base
EFG tem volume
. O
problema agora passa a ser o de calcular os volumes dos tetraedros de vértice O
e bases nas faces laterais do poliedro. Vamos então observar o que
ocorre com um deles, por exemplo o tetraedro
OEAB. Seja
d a
distância do ponto O
ao plano
EAB. O volume do
tetraedro OEAB
é:
, onde
representa a área do
triângulo EAB. Mas, como
, então
o volume de OEAB é
igual a
.
. Dessa
forma, a soma dos volumes dos tetraedros
OEAB, OEBF, OFBC, etc. é igual a
,
Portanto,
o volume do nosso poliedro é igual a
, ou
seja,
Conseguimos
então uma fórmula para calcular o volume dos poliedros desse tipo, mas não
pense, leitor, que se trate de uma fórmula original. Ela se deve a Thomas
Simpson (1710-1761), professor inglês e autor de diversos trabalhos em cálculo,
geometria e trigonometria. Vamos,
então, responder às perguntas formuladas pelo professor. Pergunta
1:
Conhecidas as bases e a distância entre elas, o volume do poliedro está
determinado? Resposta:
Não. Claramente, o
volume desse poliedro depende das áreas das duas bases, da distância
entre elas e também da área da seção eqüidistante das bases.
Portanto, sem conhecer essa seção não podemos calcular o volume do
poliedro. Pergunta
2:
Aplicando uma translação em uma das bases em um plano paralelo à outra,
o volume se modifica? Resposta:
Não. O volume permanece constante. Essa translação não muda as áreas
das bases e a altura. Mas o que ocorre com a seção eqüidistante das
bases? Repare que cada lado dessa seção é paralelo a um lado de uma das
bases e tem comprimento igual à metade desse lado. Por exemplo,
MN tem comprimento
igual à metade de AB, NP tem comprimento
igual à metade de EF, etc., e isso não se modifica com a translação. Por outro
lado, os ângulos do polígono MNPQ...
permanecem os mesmos, porque cada lado da seção eqüidistante é
paralelo a um lado de uma das bases e uma translação não modifica esses
ângulos. Concluímos, então, que uma translação em uma das bases (em
seu próprio plano) não muda a seção eqüidistante e, por isso, o
volume do poliedro permanece constante. Pergunta
3:
Uma rotação de uma das bases em torno de seu centro modifica o volume do
poliedro? Resposta:
Sim. Uma rotação de
uma das bases não muda os lados da seção eqüidistante, mas modifica
seus ângulos. Com isso, a área dessa seção se modifica e o volume do
poliedro também. Para
ilustrar, vamos calcular o volume do poliedro proposto pelo professor
cearense nas seguintes condições: as bases são quadrados
ABCD
e EFGH de lados
a
e b,
respectivamente, a distância entre as bases é h e
vamos considerar que cada lado de uma das bases seja paralelo a uma
diagonal da outra base. Por exemplo, os lados
EF e
GH serão paralelos à diagonal
AC.
A
seção eqüidistante das bases é o octógono
MNPQRSTU. Observe que
,
,
,
, e assim por diante. Além disso, MN
é paralelo a EH,
que, por sua vez, é paralelo a
BD,
de acordo com nossa hipótese. Como
NP
é paralelo a AB,
concluímos que o ângulo MNP
mede 135o, e,
como o mesmo argumento vale para todos os outros ângulos, concluímos que
a seção eqüidistante das bases tem todos os seus ângulos de 135o.
O
nosso problema agora é calcular a área dessa seção, mas isso não é
difícil. Repare que MPRT
é um quadrado. Sendo c
o seu lado, então sua área
é dada pela lei dos cossenos no triângulo
MNP:
, ou
seja,
. Por
outro lado, cada um dos triângulos MNP, PQR, RST e
TUM tem área
. Somando
a área do quadrado central com as áreas dos quatro triângulos, obtemos
a área da seção eqüidistante das bases:
. Finalmente, aplicando a fórmula que encontramos para o volume dos poliedros desse tipo,
Durante
toda a exposição não dei um nome a esse poliedro. Na verdade, não
sabia se ele tinha algum nome. Enquanto estava redigindo este artigo,
lembrei então do professor Zoroastro Azambuja e lhe telefonei. Fazia
tempo que não falava com ele e mais uma vez me surpreendi com sua lucidez
e sabedoria. Ele me disse que esse poliedro que possui duas bases
paralelas e como faces laterais triângulos, paralelogramos ou trapézios
deve ser chamado de prismatóide.
E ficamos, então, combinados assim. Referências Bibliográficas[1] Boyer, C. B. História da Matemática.
Editora
Edgard Blücher Ltda., 1974. [2]
Heath, T. L. The thirteen books of
Euclid´s Elements, vol. 2, New York, 1956. [3]
Newman, J. M. The Rhind Papyrus, The
World of Mathematics, vol. 1, Simon and Schuster, New York, 1956. |