Finalmente publicamos a prometida nota explicativa sobre o problema dos bodes, apresentado na RPM 33, pág. 26, no artigo Os dois bodes.  Sugerimos ao leitor que, antes de continuar a leitura, relembre o enunciado do problema.

Esse problema já causara uma grande celeuma, nos Estados Unidos, no início desta década, envolvendo revistas técnicas e de divulgação e até mesmo colunas de jornais diários.

A confusão se estabeleceu porque um problema aparentemente simples, com um enunciado atraente e facilmente compreensível, iludiu amadores competentes e profissionais qualificados, que apresentaram soluções distintas, sempre acompanhadas por argumentos veementes que procuravam justificá-las.

A principal explicação para essa confusão está no fato de o problema não especificar completamente o modelo probabilístico envolvido na sua solução. De fato, na hipótese de o candidato escolher a porta do carro, o apresentador tem duas escolhas para a porta que irá abrir, e o problema não especifica quais as probabilidades associadas a cada uma delas.

Na primeira versão do artigo do professor Morgado, admitindo que a escolha da porta, quando necessária, era feita com probabilidade  1 / 2 ,  ele mostrava que a probabilidade de o candidato ter escolhido a porta do carro, depois de mostrado o bode, continuava a mesma que era antes e igual a  1 / 3 . Com base nisso ele concluía corretamente que era sempre vantagem trocar de porta.

Com o objetivo de tornar mais compreensível a solução do problema, os editores sugeriram que o autor substituísse o argumento que envolvia probabilidades a priori e a posteriori pela árvore que aparece na página 29 da  RPM 33.

Infelizmente essa árvore saiu com falhas que não foram percebidas pelos editores nem pelo autor na sua revisão. Além da troca de posições das letras  A  e  B  na última coluna dos ramos 1 e 3, foi indevidamente introduzida uma hipótese que não estava no problema, segundo a qual o candidato, depois de exibido o bode, escolhe com probabilidade  1 / 2   se troca ou não de porta.

A polêmica nos Estados Unidos só terminou em novembro de 1991, com a publicação do artigo  Let’s Make a Deal: The Player’s Dilemma,  no American Statistician. Nesse artigo os autores discutem todas a soluções apresentadas, mostrando quais são corretas e quais são erradas. Além disso, eles mostram também que, no cenário proposto para o problema, qualquer que seja a estratégia do apresentador, é sempre melhor trocar de porta, uma vez que com isso a probabilidade de ganhar o carro é sempre maior ou igual a  1 / 2 .

A RPM não deseja repetir aqui (com quase dez anos de atraso) a polêmica que esse problema causou nos Estados Unidos. Por isso estamos recomendando aos leitores interessados que consultem duas das referências que nos foram fornecidas pelo professor Carlos Alberto B. Pereira. A primeira, em português, do próprio professor Pereira, e a segunda, já mencionada acima, que encerrou a polêmica americana.

  Flávio Wagner Rodrigues
Comitê Editorial

Referências Bibliográficas

[1] Pereira, C. A. de B. Estatística e informação. Boletim da ABE  (1995), no 30,   págs. 31-7.

[2] Morgan, Chaganty, Dahiya, and Doviak. Let’s Make a Deal: The Player’s Dilemma. The American Statistician, 45  (1991), no 4,  págs. 284-9.