Renato J.C. Valladares
Universidade Santa Úrsula, RJ

     Introdução  

Ao lermos o artigo de Wagner [1] sobre as antenas parabólicas, baseado na propriedade bissetora da parábola,  não podemos deixar de lembrar que as elipses também têm uma propriedade similar.

Essa propriedade é usada na construção de refletores odontológicos, aparelhos de emissão de certos raios usados em medicina ou nas salas de sussurros existentes “.... em certos museus americanos de ciência e nos castelos de alguns monarcas europeus excêntricos...” [2].

Por outro lado, para cuidar do sorriso dos pacientes, muitos dentistas usam uma luminária com espelho elíptico que possui a propriedade de concentrar os raios luminosos em um ponto, que é ajustado pelo dentista para iluminar o dente que está sendo tratado. Conseguem-se, assim, duas vantagens:

A primeira é concentrar o máximo de luz onde se está trabalhando, e a segunda é evitar que os raios luminosos ofusquem o paciente, o que aumentaria o desconforto causado pelo tratamento dentário.

De maneira diferente dos holofotes comuns, como os faróis de carro, que refletem os raios luminosos em uma mesma direção (valendo-se, para isso, de um espelho parabólico), os holofotes dentários se valem de espelhos elípticos para concentrar os raios luminosos emitidos pela lâmpada em um determinado ponto.

Isso ocorre devido à propriedade refletora da elipse, que será estudada neste artigo. Essa mesma propriedade explica o funcionamento de diversos aparelhos de emissão de raios usados em tratamentos médicos, como, por exemplo, o de radioterapia, cujos raios devem destruir os tecidos doentes sem afetar os tecidos sadios que se encontram ao redor.

Já as salas de sussurros são construções de forma oval onde estão marcados dois pontos no chão. Duas pessoas em pé, uma em cada um desses pontos, podem se comunicar em voz sussurrada, inaudível no restante da sala. Isso também decorre da propriedade refletora da elipse.

A forma da sala é de fundamental importância. Ao projetá-la, fixam-se dois pontos  P  e  Q,  que ficam na altura da cabeça das pessoas que vão se comunicar. A seguir, toma-se uma elipse  E  que admita  P  e  Q como focos, e a sala é construída de tal maneira que qualquer plano que passe por esses pontos intercepte a sala segundo uma elipse congruente com a escolhida. Na figura abaixo mostramos uma seção da sala dos sussurros por um plano que passe por  P  e  Q.
 

Isso possibilita desenvolver todo o nosso estudo na elipse  E,  que por ser uma figura plana pode ser considerada em um plano previamente fixado.

Pela própria definição de elipse, a soma das distâncias de um ponto da curva aos focos é constante. Assim, todas as ondas sonoras emitidas em um dos focos que, ao se refletirem nas paredes da sala, cheguem ao segundo foco, terão percorrido a mesma distância e, por isso, chegarão ao mesmo tempo. Já a propriedade bissetora, que estudaremos adiante, garante que todo som emitido em um dos focos se dirigirá após a reflexão exatamente para o outro foco.

Assim, conjugando essas duas propriedades, concluímos que todas as ondas sonoras emitidas em um dos focos chegarão ao mesmo tempo no outro foco, o que, sem dúvida, proporciona uma amplificação natural do som, explicando o funcionamento das salas de sussurros. Passemos então a estudar a propriedade bissetora da elipse.

Propriedade bissetora da elipse:  Seja uma elipse  E  com focos  P  e  Q  e seja um ponto  . Nesse caso a reta  r, tangente a  E  em  X,  forma ângulos iguais com os raios focais  PX  e  QX .

      Demonstração:  

Consideraremos duas leis físicas sobre a reflexão. A primeira  diz que o ângulo de incidência e o ângulo de reflexão em um plano são iguais. A outra lei diz que a reflexão em cada ponto de uma superfície se comporta como se fosse no plano tangente à superfície, no respectivo ponto.

Lembramos que, tal como na circunferência, uma reta é tangente à elipse se e somente se intersecta esta somente no ponto de tangência.

Denotando a distância entre dois pontos  R  e  S  por  e caracterizando a elipse  E  como o lugar geométrico dos pontos  X  que satisfazem a propriedade métrica,

  (constante),

segue-se que um ponto  A  não estará na elipse se e somente se

.

Logo, uma reta  r  será tangente à elipse  E  em um ponto  X  se e somente se intersectar  E  em  X  e qualquer que seja  o ponto  A  em  r,  , se tenha:

.

Seja, agora, um ponto  X  na elipse  E  e tomemos uma reta  r (bissetriz de um dos ângulos formados pelas retas  PX  e  QX) passando por  X  de tal forma que o ângulo entre  PX  e  r  seja igual ao ângulo entre  QX  e  r. Se mostrarmos que  r  é tangente a  E  em  X,  teremos mostrado a propriedade bissetora, devido à unicidade da tangente à elipse por um de seus pontos.

Seja  X  um ponto de E. Então , onde  k  é uma constante. Tomemos sobre  r  um ponto    e consideremos o ponto    simétrico de  P  em relação a  r.

A reta  r  é então mediatriz de  . Logo,   e também  . Por construção, a reta  r  faz ângulos iguais com  XP  e  XQ  e, pela simetria, os ângulos  AXP  e    são também iguais. Daí, os segmentos  XQ  e    fazem ângulos iguais com  r  e, portanto, os pontos  ,  X  e  Q  são colineares. Segue-se então:

  (desigualdade no triângulo  )

 

Como  , concluímos que  X  é o único ponto de r que pertence à elipse, o que mostra que essa reta é tangente em  X  a essa elipse.

Observação: A demonstração da propriedade bissetora nos permite concluir que uma elipse está perfeitamente determinada quando são conhecidos um foco, uma tangente com o ponto de tangência.  De fato, observando a figura anterior temos  ,  que é o comprimento do eixo maior da elipse.

 

NR: Este artigo teve sua redação modificada por membros do Comitê Editorial da revista, com a concordância do autor.
 

Referências Bibliográficas

[1] Wagner, Eduardo. Porque as antenas são parabólicas. RPM 33 págs. 11 a 15.

[2] Simões, George. Cálculo com geometria analítica. Vol 2. São Paulo: Mc Graw Hill, 1985.