Mozart Cavazza P. Coelho
Belo Horizonte, MG

 

 

Muitas passagens da carta de Pero Vaz de Caminha citam distâncias medidas em léguas ou em braças, unidades que hoje não se usam mais, a não ser em um sentido bastante impreciso. Vamos tentar entender o que representam essas medidas.

O sistema de pesos e medidas usado em Portugal à época do descobrimento e posteriormente no Brasil, no tempo colonial, apresentava sérios inconvenientes: não era uniforme de região para região, mudava segundo o tempo e as circunstâncias e, além disso, as subdivisões eram numerosas e irregulares, tornando os cálculos trabalhosos e imprecisos.

A tabela seguinte dá uma idéia da variedade de unidades de medida usadas antigamente para distâncias (as igualdades devem ser entendidas sempre como aproximações):

1 polegada

= 2,54 cm

 

1 pé

= 12 polegadas

= 30,48 cm

1 passo

= 5 pés

= 1,52 m

1 palmo

= 8 polegadas

= 20,32 cm

1 estádio

= 125 passos

= 190 m

1 toesa

= 9 palmos

= 1,83 m

1 vara

= 5 palmos

= 1,02 m

1 jarda

= 4 palmos

= 81 cm

1 côvado

= 3 palmos

= 61 cm

1 corda

= 15 palmos

= 3,05 m


1 braça brasileira

= 2,2 m

1 milha brasileira

= 1000 braças = 2200 m

1 légua brasileira

= 3000 braças = 6600 m

Qual era a légua mencionada na carta de Caminha? A braça brasileira é citada no dicionário Aurélio e equivale a 2,2 m, enquanto no sistema inglês a braça equivale a 1,8 m. Uma légua é definida no mesmo dicionário como sendo uma medida itinerária igual a 6 000 m. Entretanto, uma légua de sesmaria corresponde a 3 000 braças, o que significa 6 600 m. Essas são medidas comumente empregadas para medir distâncias terrestres. Provavelmente, a légua citada na carta de Caminha era a légua marítima, que ainda diferia da légua terrestre.

Considerando a necessidade de uma uniformização, o rei da França, Luís XVI, em maio de 1790, decretou a criação de uma comissão para estabelecer um sistema padronizado de pesos e medidas. A comissão, formada por membros da Academia de Ciências de Paris, decidiu tomar como referência para as medidas de distância o comprimento de um meridiano terrestre. Assim, foi definido o metro como sendo o comprimento do meridiano terrestre dividido por 40 000 000. O comprimento do meridiano foi estabelecido a partir de medições feitas em arcos do meridiano de Paris, entre a torre de Dunquerque e a cidade de Barcelona, comparadas com medições feitas anteriormente no Peru. Foi então construído um padrão para o metro, feito de platina e cuidadosamente guardado, em 1799, no prédio dos Arquivos do Estado, em Paris.

Assim nasceu o atual sistema métrico decimal, no qual as subdivisões e os múltiplos do metro são feitos de 10 em 10: temos portanto o centímetro, o decímetro, o milímetro, bem como os múltiplos do metro, como o decâmetro, o hectômetro e o quilômetro.

Atualmente as crescentes necessidades tecnológicas exigem um padrão mais preciso e facilmente reprodutível. O metro é hoje definido como sendo o comprimento do trajeto percorrido pela luz no vácuo durante um intervalo de tempo de 1/299 792 458 de segundo.

Mas voltemos ao tempo do descobrimento do Brasil. Como já mencionamos, a légua a que se refere Caminha em sua carta é, provavelmente, a légua marítima, cuja definição também variava de lugar para lugar e de navegador para navegador. No século XVI, considerava-se que um grau do meridiano terrestre correspondia a um certo número de léguas, que alguns navegadores diziam ser 16,7, enquanto outros diziam que era 18 ou mesmo 17,5.

Se o meridiano terrestre mede 40 000 000 m, dividindo por 360 teremos que um grau do meridiano eqüivale a aproximadamente 111 111 m. Admitindo que um grau corresponde a 18 léguas, isso nos dá a medida

1 légua marítima = 6 173 m.

No entanto, os registros desses padrões são tão imprecisos que é possível encontrar documentos atribuindo para a légua marítima o equivalente a 5 555 m.

A milha marítima é talvez a única dessas unidades extravagantes que deverá permanecer sendo usada. Ela é hoje definida como valendo   1 852 m,  o que a torna igual ao comprimento de um arco de 1 minuto do meridiano terrestre, ou seja,  1/21 600  do comprimento do meridiano. Em navegação, posições são determinadas por ângulos (latitude e longitude), o que torna extremamente cômodo adotar como unidade de distância o comprimento de um arco de ângulo central unitário. Aliás, foi algo parecido com isso o que os matemáticos fizeram adotando o radiano.

Felizmente, na atualidade, quase todos os países do mundo adotam o sistema métrico decimal. No Brasil, a lei de 26 de junho de 1862 e o decreto número 5 089 de 18 de setembro de 1872 tornaram o sistema métrico decimal obrigatório a partir de 1o de janeiro de 1874.

Obs. 1: As definições das unidades legais de medidas no Brasil são feitas pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - CONMETRO.

Obs. 2: O autor pede para citar seus colegas Nilton Lapa (SP) e Maria Inês V. Faria (MG), com os quais desenvolveu a atividade que deu origem a este trabalho.