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Arthur
C. Almeida
As
origens da Matemática seguramente se perdem nas brumas da aurora da
humanidade. O ser humano, desde o mais primitivo, ao abrir os olhos se dá
conta das diversas formas espaciais; ao deslocar-se entre duas posições,
ele o faz de forma a minimizar o seu esforço, escolhendo a
distância
mais curta. E, assim,
esse nosso ancestral estava desenvolvendo uma forma primitiva de geometria
intuitiva. No entanto, a utilização da Matemática de uma forma
deliberada talvez tenha sido realizada pela primeira vez associada a
processos de contagem que estavam relacionados com problemas práticos. Nesse
sentido, relacionar os elementos de uma determinada coleção ao número
de dedos das mãos e dos pés pode ter sido a primeira tentativa de fazer
uma contagem. Porém, se o conjunto a ser contado fosse muito grande, esse
método tornar-se-ia impraticável. Nesse caso, o homem primitivo poderia
valer-se de um conjunto de pedrinhas e colocá-lo em correspondência, por
exemplo, com os componentes de um rebanho. Assim
fazia o personagem Polifemo, o gigante de apenas um olho da Odisséia,
do escritor grego Homero. O gigante, morador da ilha de Cyclops, após ter
sido cegado por Ulisses, postava-se todas as manhãs à entrada de uma
caverna, tocando cada ovelha que dali saísse, associando-a a uma
pedrinha. No final da tarde, cada ovelha que retornasse era novamente
relacionada a uma pedrinha do conjunto obtido pela manhã; caso esse último
fosse completamente exaurido, o gigante estaria seguro de que seu rebanho
teria retornado integralmente à caverna. Esses
processos precisavam ser registrados e, para isso, o homem começou a
criar símbolos de modo que os dados coletados não se perdessem. Em princípio,
esses registros eram efetivados fazendo marcas em bastões ou em pedaços
de ossos. Sobre isso transcrevemos abaixo um trecho de Boyer ([1], pág.
3): “Poucos
desses registros existem hoje, mas na Checoslováquia, foi achado um osso
de lobo com profundas incisões, em número de cinqüenta e cinco; estavam
dispostas em duas séries, com vinte e cinco numa e trinta na outra, com
os riscos em cada série dispostos em grupos de cinco. Tais descobertas
arqueológicas fornecem provas de que a idéia de número é muito mais
antiga do que progressos tecnológicos como o uso de metais ou de veículos
de rodas. Precede a civilização e a escrita, no sentido usual da
palavra, pois artefatos com significado numérico, tais como o osso acima
descrito, vêm de um período de cerca de trinta mil anos atrás.” Vê-se
assim que a pré-história da Matemática recua no tempo para muito antes
de Homero, cujas obras datam do século VIII a.C. Neste artigo faremos uma ligeira incursão em um dos documentos mais antigos da História da Matemática, o Papiro de Rhind, ou de Ahmes, detendo-nos nas chamadas frações unitárias, para as quais será demonstrado um resultado que fornece uma condição necessária e suficiente para que uma fração da forma 2/p possa ser decomposta em uma soma de duas frações unitárias (numerador igual a 1) com denominadores diferentes de p.
O
historiador Heródoto, assim como outros intelectuais gregos, viajou por vários
lugares, entre os quais o Egito, e, sobre um certo rei egípcio de nome
Sesóstris, Heródoto nos diz: “Esse
rei realizou a partilha das terras, concedendo a cada egípcio uma porção
igual, com a condição de lhe ser pago todos os anos um certo tributo; se
o rio carregava alguma parte do lote de alguém, o prejudicado ia procurar
o rei e expor-lhe o acontecido. O soberano enviava agrimensores ao local
para determinar a redução sofrida pelo lote, passando o dono a pagar um
tributo proporcional à porção restante. Eis, segundo me parece, a
origem da geometria, que teria passado desse país para a Grécia.” Platão,
em sua obra Fedro, também
atribui aos egípcios a criação da Matemática. Mais precisamente, é
dito: “Na
cidade egípcia de Náucratis, existiu um antigo e famoso deus, cujo nome
era Thoth; o pássaro chamado íbis lhe era consagrado e ele foi inventor
de muitas artes, tais como a aritmética, a arte de calcular, a geometria,
a astronomia e os dados, mas sua maior descoberta foi o uso das letras.” Aristóteles,
por sua vez, sugere que a Matemática tenha origem egípcia como conseqüência
da ascensão de uma classe sacerdotal, que dispunha de tempo suficiente
para o estudo, contrastando, assim, com a tese de Heródoto que apontava
origens práticas para a Matemática. Independentemente
da finalidade com que a Matemática surgiu, Heródoto, Platão e Aristóteles
localizam sua origem no Egito, embora todos concordem com a afirmação de
que a prática matemática se deu antes da civilização egípcia.
No
inverno de 1858, o jovem antiquário escocês A. Henry Rhind, de passagem
por Luxor, cidade egípcia às margens do Nilo, adquiriu um papiro (30 cm
de altura e 5 m de comprimento) que havia sido encontrado nas ruínas de
uma antiga edificação em Tebas. Com a morte de Rhind, ocorrida cinco
anos após, vitimado por tuberculose, o seu papiro foi adquirido pelo
Museu Britânico. Esse
documento, que passou a ser chamado Papiro
de Rhind, foi escrito por volta de 1700 a.C. por um escriba chamado
Ahmes, ou Ah-mose (sendo por isso também conhecido como Papiro
de Ahmes), por solicitação de um certo rei Hyksos que reinou no
Egito em algum período entre 1788 e 1580 a.C. Ahmes relata que o material
provém de um outro manuscrito produzido em alguma época entre 2000 e
1800 a.C. Assim, o documento mais antigo da Matemática tem cerca de 4 000
anos, sendo Ahmes a primeira figura da Matemática registrada na História. O
Papiro de Rhind é uma coleção ou, mais precisamente, um manual,
contendo problemas práticos de natureza aritmética, algébrica e geométrica
com instruções para as soluções, sem que haja vestígio de demonstrações
ou formalismos, coisas só registradas muito tempo depois, pelos gregos, a
partir de Thales.
No
Papiro de Rhind, entre outros problemas, aparece uma tabela de
decomposição de frações do tipo 2/p
(p, ímpar) em frações
unitárias, isto é, frações do tipo
.
Tais
conversões eram necessárias, pois, ao que parece, os egípcios sabiam
operar apenas com frações unitárias e usando base decimal. No entanto,
não existe nenhuma indicação sobre o processo usado para chegar a essas
decomposições. Depois de investigar esse problema em particular,
chegamos ao seguinte resultado, que caracteriza tal processo.
Seja
p
um número ímpar maior que 2 e sejam
a
e b
divisores de p,
tais que o produto ab
divida p. Então,
a fração 2 / p
pode ser decomposta em
duas frações unitárias, 1 / x
e
1 / y
, ou
, se, e somente se,
Demonstração:
a) Consideremos as frações 1 / x
e
1 / y
, onde x
e y são dados como no
enunciado do teorema. Nesse caso:
. Devemos
observar que, como p é ímpar, seus
divisores a
e
b também são ímpares, logo a soma
é par,
portanto
é um número natural,
bem como
e
, pois a
e b são divisores de p.
b) b)
Seja, agora,
uma decomposição de
em frações unitárias. Temos
então
ou
e, como p
é ímpar, concluímos que
é par, logo existe um k
natural tal que
e
. Tendo a soma e o produto
desses dois números, podemos encontrá-los, através da equação do
segundo grau
, cujas raízes são
. Para
que essas raízes sejam números naturais, a expressão
deve ser um quadrado de
um número natural. Pode
acontecer uma das alternativas:
k
e
são, ambos, quadrados. Então
e
, e teremos
, de onde
ou
. Portanto
e
são divisores de
p,
tais que
.
k
não é quadrado e
não é quadrado. Dividindo-se
k
e
por
d = m.d.c.
, teremos
e
; como
é um quadrado, também o é
st;
e, como s
e t são primos
entre si, então s = k/d
e
t = (k - p)/d
também são
quadrados. Com isso, recaímos no caso Substituindo
os valores de
k
e p na expressão
, teremos após alguns cálculos
e simplificações os valores
Corolário: Se p
é um número primo, então a decomposição de
em duas frações unitárias
é única Demonstração: Como
p
é primo, seus únicos divisores são
1 e
p. Portanto, temos
e
. Substituindo esses valores na forma geral, temos o resultado procurado. Uma
aplicação curiosa e inesperada desse resultado é o que veremos a
seguir: uma variante da demonstração dada por Euclides (liv. IV, prop.
16) de que o pentadecágono (polígono de 15 lados) regular inscrito é
construtível com régua e compasso. Euclides
constrói o triângulo equilátero inscrito e no mesmo círculo o pentágono
regular inscrito, ambos com um vértice comum.
Então, a metade desse arco é o
arco do pentadecágono. Usando o resultado do Papiro de Rhind, basta decompor a fração em duas
circunferência, fica
, isto é, o arco do pentadecágono
é igual a dois arcos do pentágono menos um arco do triângulo equilátero. __________ Referências Bibliográficas[1]
Boyer, C. B. História da Matemática.
Editora
Edgard Blucher Ltda., 1974. [2]
Heath, T. L. The thirteen books of
Euclid´s Elements, vol. 2, New York, 1956. [3]
Newman, J. M. The Rhind Papyrus, The
World of Mathematics, vol. 1, Simon and Schuster, New York, 1956.
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