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1.
Pergunte a um aluno seu: qual é o melhor método para calcular a raiz
quadrada de um número (positivo)? O mais provável
sou capaz de apostar um bom dinheiro
é que responda: coloque o número
na calculadora e aperte a tecla da raiz quadrada. De fato, é
inegável que esse método tem pelo menos uma vantagem: é o mais rápido.
Mas será mesmo o melhor?
Comecemos com um outro problema, muito mais simples: calcular
. Usando uma
calculadora com 8 algarismos no visor, encontra-se: 2,2857142. Esse valor
é uma aproximação que, provavelmente, será satisfatória para a maioria
das utilizações. Mas esse resultado tem inconvenientes. O maior deles é
que ele não nos dá nenhuma indicação de que estamos diante de uma dízima
periódica, e muito menos qual é o seu período (na realidade, , ou seja, com
período
285714). A questão interessante é a seguinte: na realidade, o que
quer dizer calcular 16
7 ? Por que não nos conformamos
decimal
desse número. Ora, a representação decimal de um número só irá terminar
após um número finito de algarismos, no caso excepcionalmente raro em
que o número for da forma
a / b , com
a
e
b
inteiros primos entre si, e com
b
só admitindo 2 e 5 como fatores primos (ver [6]), como, por
exemplo,
(e, assim mesmo, o número
desses algarismos pode ultrapassar a capacidade de exibição da
calculadora). Em qualquer outro caso, a representação decimal de um
número consiste em uma seqüência infinita de algarismos,
periódica (se o número for
racional) ou não (se o número for irracional). Nesse sentido, pode-se
dizer que a representação
é finita ou, talvez melhor,
completa, porque descreve de maneira completa, finita e inequívoca
a seqüência infinita de algarismos da representação decimal de
, enquanto o resultado fornecido pela calculadora é
incompleto, pois exibe apenas os primeiros algarismos que
aparecem nessa representação, não dando idéia alguma sobre a lei de
formação dessa seqüência.
2.
Voltemos então à questão da raiz quadrada. Introduzindo no visor o
número 24, por exemplo, e apertando a tecla
, encontra-se:
4,8989794. Trata-se de uma excelente aproximação para
. Todavia, esse resultado não nos dá nenhuma informação, por
exemplo, sobre se a representação decimal de
termina ou não após o último 4
exibido, ou qual seria o algarismo seguinte, ou se estamos diante de um
decimal periódico.
Na realidade, pode-se mostrar que, sendo
n um natural, então
ou é inteiro ou irracional (ver
[3] e
RPM 21). Logo, se n não for um
quadrado perfeito, isto é, o quadrado de um número natural, então
será irracional, e portanto não
poderá ter uma expansão decimal periódica.
Existem diversos métodos para calcular a raiz quadrada de um número
positivo, a partir apenas das
quatro operações elementares. Todos eles envolvem, de um modo ou de
outro, um processo de aproximações sucessivas, a partir de uma
aproximação inicial (ver, por exemplo, [1] e [2]). Mas será que algum
processo conseguirá produzir uma descrição completa,
finita e
inequívoca da raiz quadrada de um número? Veremos que sim!
3.
Para introduzir o processo que pretendemos considerar aqui, vamos partir
de um exemplo: calcular
. O primeiro passo é situar 24 entre dois
quadrados perfeitos. Assim,
, ou seja, . Portanto, podemos escrever que ,onde, 0< h <1,
Mais uma vez:
Vamos resumir o que temos até agora:
Como
z
repetiu
x, então, a partir daí, o processo começa a repetir os mesmos
resultados, isto é, estamos com um fenômeno periódico. Na realidade, o
que descobrimos foi uma seqüência de aproximações racionais para
, a saber:
Por causa disso, escrevemos:
, ou, melhor ainda,
, onde a barra indica que o padrão 1; 8 se repetirá
indefinidamente.
4.
Diversas coisas que aconteceram nesse exemplo correspondem, na verdade,
a fatos de natureza geral.
(a)
O tipo de desenvolvimento que surgiu no exemplo considerado é o
que se chama de
fração contínua (simples), e pode ser feito para qualquer
número real positivo, resultando num desenvolvimento finito, se o número
for racional, ou infinito, se o número for irracional.
Exemplos:
(b)
As sucessivas aproximações racionais que se obtêm no processo são
chamadas convergentes. De
fato, elas formam uma seqüência que converge à raiz quadrada do número
de partida. Além disso, os convergentes
são, alternadamente, aproximações
por excesso
e por
falta de
.
(c)
Para um número da forma
(onde
n
é natural), o desenvolvimento será
sempre periódico!
É justamente essa propriedade que torna o processo atraente, pois
permite descrever, de forma completa, e apenas com um número
finito de naturais, uma seqüência infinita.
A justificativa desses fatos, bem como de outros que serão aqui
apresentados sem demonstração, é trabalhosa, porém “elementar”, e pode
ser encontrada em [4] ou em [5].
5.
A natureza sistemática do processo descrito sugere que haja um algoritmo
que gere rapidamente os
convergentes. De fato, há. Para o exemplo da
, considere o seguinte quadro:
A primeira coluna contém os valores que são obtidos pelo processo
descrito no exemplo. Os valores da segunda e da terceira colunas podem
ser obtidos (independentemente) a partir dos da primeira, por uma lei de
formação simples. Especificamente, cada valor
p da segunda coluna é
obtido em função dos dois valores anteriores de p
e do valor correspondente de
a, segundo a regra:
. Por exemplo:
Para a obtenção da terceira coluna, isto é, os
q’s, a regra é análoga:
Os 0’s e
1’s que foram
colocados artificialmente nas duas primeiras linhas servem para obter,
pela mesma regra, os valores iniciais de p
e
q:
6.
À luz dessas observações, vejamos outro exemplo:
.
Portanto, o processo está encerrado, pois teremos:
.
Os convergentes podem ser achados pelo artifício de sempre:
7.
Algumas categorias especiais de naturais podem ser tratadas de uma forma
generalizada.
Portanto,
. Em particular:
A fração contínua para
é especialmente atraente:
Seus convergentes são:
O leitor poderá mostrar, como um interessante exercício, que
, sendo
c
um natural, ou descobrir outras fórmulas semelhantes.
Os resultados que achamos para
e para
eram casos particulares desta
fórmula, assim como o são
,
, etc.
Trabalhando
em outros
casos, o leitor vai constatar
também que, de
um modo
geral, os
períodos podem
ser muito
mais longos
do que os encontrados nos exemplos vistos até aqui. Por exemplo:
(verifique!).
8.
Um dos métodos mais utilizados (ver [2]) para obter a raiz quadrada de
um número
n
a partir apenas das quatro operações é o processo iterativo
definido por:
Desde que o valor inicial
seja escolhido
convenientemente, esse método propicia uma convergência muito mais
rápida, em geral, do que o processo das frações contínuas. Por exemplo,
para
e
, obtém-se a seqüência de aproximações para
:
Os valores dessa seqüência (após o primeiro) são justamente os
convergentes de ordem
da fração contínua
, ou seja, convergem com uma velocidade muito maior. No
entanto, o método das frações contínuas permanece com seu interesse
próprio, pelos seguintes dois motivos:
(1)
Contrariamente às aproximações expressas por decimais, as frações
contínuas fornecem uma representação periódica para
.
(2)
As frações contínuas permitem muitas outras elaborações (ver [4] e
[5]), tais como: discutir a ordem de aproximação de irracionais por
racionais; mostrar a existência de números transcendentes; discutir e
resolver equações em várias variáveis e números inteiros; e assim por
diante.
Referências Bibliográficas
[1] Barone Jr., M. O algoritmo da
raiz quadrada,
RPM 2, p. 23.
[2] Carneiro, J.P. Cálculo numérico da raiz quadrada, Boletim do GEPEM, 27, 2o
semestre, 1990.
[3] Figueiredo, D. Números irracionais e transcendentes, Sociedade Brasileira de
Matemática.
[4] Níven, I. & Zuckerman,
Introducción a la Teoria de los Números México: Editorial
Limusa-Wiley, 1969.
[5] Olds, C.D. Continued fractions,
The Mathematical Association of America, 1963.
[6] Lima, E.L. Voltando a falar
sobre dízimas,
RPM 10, pág. 23.
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