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Eduardo
Wagner O PROBLEMA DO MACARRÃO E UM PARADOXO FAMOSO No
2o grau, o ensino de probabilidades se restringe ao caso
finito e os problemas são basicamente de contagem de casos favoráveis e
casos possíveis. Existem, entretanto, problemas muito simples e
interessantes de probabilidades onde o espaço amostral possui a situação
do seguinte exemplo: um atirador, com os olhos vendados, procura atingir
um alvo circular com 50 cm de raio tendo no centro um disco de 10 cm de
raio. Se em certo momento temos a informação de que o atirador acertou o
alvo, perguntamos qual deve ser a probabilidade de que tenha atingido o
disco central. Tenho
sugerido esse problema a alunos do 2o grau e freqüentemente
obtenho deles respostas corretas, baseadas unicamente na intuição. Como
obviamente não se pode contar casos favoráveis e possíveis e como para
o atirador cego não há pontos privilegiados do alvo, a probabilidade de
acertar o disco central deve ser a razão entre as áreas do disco e do
alvo. Um cálculo elementar leva à resposta correta: 4%. Esse
é um exemplo do que se chama Probabilidade
Geométrica. A RPM
já abordou esse assunto no número 20 (pág. 16), em artigo do prof.
Nelson Tunala, mas não custa relembrar aqui os conceitos que utilizaremos
nos problemas que vamos analisar. Na
probabilidade geométrica, se tivermos uma região
B do plano contida em uma região
A, admitimos que a probabilidade de um ponto de
A
também pertencer a B
é proporcional à área de B
e não depende da posição que
B
ocupa em A. Portanto, selecionado ao acaso um ponto de
A,
a probabilidade de que ele pertença a
B
será:
Em
diversos problemas, entretanto, precisaremos escolher um ponto de uma
determinada “linha”. Se X
e Y
são pontos de uma linha de extremos
A e B, admitimos que a probabilidade de que um ponto da linha AB
pertença à linha XY (contida em AB) é
proporcional ao comprimento de XY
e não depende da posição dos pontos
X
e Y sobre AB. Portanto,
selecionado um ponto de AB, a
probabilidade de que ele pertença a XY
será
Vamos
descrever neste artigo dois problemas em probabilidade geométrica. O
primeiro é conhecido hoje como o problema
do macarrão e o segundo é o bastante famoso paradoxo
de Bertrand. Antes de abordá-los, vamos falar alguma coisa sobre freqüência
e probabilidade.
Na
prática, existem inúmeros problemas em que precisamos estimar a
probabilidade de um evento mas não podemos calculá-la. Qual é a
probabilidade de um avião cair? Qual é a probabilidade de que um carro
seja roubado? Qual é a probabilidade de que um estudante, entrando numa
universidade, termine seu curso? Respostas para esses problemas têm
imensa importância e, como não podemos calcular essas probabilidades,
tudo o que podemos fazer é observar com que freqüência esses fatos
ocorrem. Com um grande número
de observações, dividindo o número de vezes que determinado fato
ocorreu pelo número de observações feitas, obtemos uma estimativa da
probabilidade desse evento. Nos
casos em que procuramos estimar probabilidades através de experiências,
dúvidas certamente surgem. Não estamos sendo de alguma forma
tendenciosos? Os experimentos foram realizados em condições idênticas?
Eles podem ser considerados como independentes? Vamos
mostrar um caso no qual o valor estimado e o valor teórico foram bastante
diferentes.
Em
1994, durante um curso de aperfeiçoamento de professores secundários
promovido pelo IMPA, fiz uma interessante experiência, que passo a
relatar. Em uma aula com 60 professores, distribuí um espaguete a cada um
deles. Sem que eles soubessem o que iria ocorrer, pedi a cada um que
partisse o espaguete, ao acaso, em três pedaços. Em seguida, pedi que
cada um verificasse se conseguiam formar um triângulo com os seus três
pedaços. Dos 60 professores, 41 conseguiram formar um triângulo com os
três pedaços do espaguete. Escrevi no quadro um problema: Dividindo
aleatoriamente um segmento em três partes, qual é a probabilidade de que
esses novos segmentos formem um triângulo? Ninguém
imaginava na ocasião como esse problema poderia ser resolvido, mas a
experiência feita com o macarrão indicava que essa probabilidade deveria
ser estimada em 41/60
0,68. É claro que 60 experiências é pouco para que se possa confiar no
resultado, mas era opinião geral que a resposta correta não deveria ser
muito distante.
Tomemos
um segmento de reta AB de
comprimento 1. Vamos dividi-lo em três partes: uma,
AP, de comprimento
x, outra PQ,
de comprimento y
e a terceira, QB,
naturalmente com comprimento
.
Entretanto,
não são todas as divisões que formam triângulos. Um triângulo existe
se, e somente se, cada lado for menor que a soma dos outros dois. Isso é
equivalente a dizer que, em um triângulo, cada lado é menor que o seu
semiperímetro, que no nosso caso é igual a 1/2.
região favorável é o interior
do triângulo formado pelos pontos médios dos lados do triângulo
inicial.
Esse
resultado causou espanto na platéia. Por que a experiência forneceu um
resultado tão distante? A resposta está na própria realização da
experiência. Quando pedi aos professores que dividissem o espaguete ao
acaso, em três partes, isso não foi feito aleatoriamente. Ninguém
fez uma parte muito pequena em relação às outras, ou seja, a maioria
partiu seu espaguete em pedaços de comprimentos próximos. Por isso, o
resultado da experiência ficou muito distante do esperado.
O
famoso problema imaginado por Bertrand
é chamado de paradoxo porque,
para cada maneira possível de resolvê-lo, encontramos uma resposta
diferente. Parece
incrível que um problema de probabilidades possa ter diversas respostas,
mas isso vai ocorrer aqui.
Escolhendo
ao acaso uma corda de uma circunferência, qual é a probabilidade de que
ela seja maior que o lado do triângulo equilátero inscrito nessa
circunferência?
Tomemos
uma circunferência de raio 1. O lado do triângulo equilátero inscrito
nessa circunferência mede
e o menor arco que a
corda determina mede 120º.
Como estamos buscando cordas maiores que o lado do triângulo equilátero,
então o seu comprimento x é
tal que
e o menor arco
a que ela determina sobre a circunferência é tal que
. Vamos
examinar três soluções. 1a
solução:
Para
que a corda AB
subtenda um menor arco maior que 120º, o ponto B
deve pertencer ao (menor) arco
MN. A
probabilidade de que um ponto da circunferência, escolhido ao acaso,
pertença ao arco MN
é igual a
1/3. Logo, a probabilidade de que uma corda de uma circunferência
seja maior que o lado do triângulo equilátero inscrito é igual a 1/3. 2a
solução:
Portanto,
todas as cordas perpendiculares a PQ
cujos pontos médios estão no segmento
MN
possuem comprimentos maiores que o lado do triângulo equilátero
inscrito. Nessa
forma de raciocinar, escolher uma corda significa escolher um ponto do diâmetro
PQ, e é claro que a
probabilidade de que um ponto de PQ,
escolhido ao acaso, pertença ao segmento MN
é igual a 1/2. Concluímos
que a probabilidade de que uma corda de uma circunferência seja maior que
o lado do triângulo equilátero inscrito é igual a
1/2. 3a
solução: Seja
O
o centro da circunferência. Para cada ponto
M no interior dessa
circunferência, considere a corda AB
que passa por M
e é perpendicular a OM.
Nessa
forma de raciocinar, desenhar uma corda significa escolher um ponto
M, médio dessa corda, no interior da circunferência.
Observe
que, se
, então
AB
é maior que
e que, se
, então
AB
é menor que
.
Ora,
a probabilidade de que um ponto interior à circunferência de raio 1,
escolhido ao acaso, esteja no interior da circunferência concêntrica de
raio 1/2 é igual a
1/4. Isso é claro
porque o círculo de raio 1 tem área
e o círculo de raio 1/2
tem área
.
Sobre
as três soluções apresentadas do problema de Bertrand, temos que dizer
que todas estão corretas. O que ocorre
então? A
explicação é a seguinte: O enunciado do problema começa com a seguinte
expressão: Escolhendo ao acaso uma
corda de uma circunferência, ... . Aí está o ponto. Essa expressão
não está bem definida, ou seja, não se sabe precisamente o que seja
escolher uma corda de uma circunferência. Escolher uma corda significa
escolher um procedimento de como desenhá-la, ou seja, o que vou fazer
primeiro e o que farei depois. 1)
Vou escolher primeiro um dos extremos da corda e depois o outro? 2)
Vou escolher uma direção e depois a sua distância ao centro? 3)
Vou escolher o ponto médio da corda? Cada
uma dessas alternativas conduz a uma resposta diferente, e isso é natural
no caso das probabilidades geométricas. O termo escolher deve estar acompanhado de um procedimento, sem o qual essa palavra fica com significado vago e
pode permitir múltiplas interpretações, como no problema que mostramos. Para
terminar, mais um exemplo. Imagine que certo problema comece assim: Escolha ao acaso
um triângulo ... . O
que significa isso? Podemos pensar em escolher três números reais com a
condição de que o maior seja menor que a soma dos outros dois, ou pensar
em escolher dois ângulos e mais a medida do lado comum a eles. Ou outras
formas. Para cada forma que imaginamos de escolher
tal triângulo, a resposta desse problema será diversa.
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