Geraldo Ávila
UFG - GO

    Introdução  

A RPM 33 trouxe um artigo interessante do Professor Eduardo Wagner sobre a parábola, em que ele mostra como a propriedade focal dessa curva é utilizada na construção de refletores e antenas parabólicas. Seria natural que o leitor perguntasse: e a hipérbole, tem propriedade parecida? Sim, tem, e é uma propriedade importante na tecnologia dos telescópios, como explicaremos neste artigo.

 

     O que é uma hipérbole

As chamadas seções cônicas ¾ elipse, hipérbole e parábola ¾ são as curvas que se obtêm como intersecção de um cilindro ou cone circular reto com um plano, como ilustra a Fig. 1. Outra maneira equivalente de definir essas curvas se faz em termos da chamada propriedade focal. A hipérbole, por exemplo, pode ser definida em termos de sua propriedade focal da seguinte maneira:

Dado um número positivo  d  e dois pontos  F  e  F' ,  chama-se hipérbole ao lugar geométrico dos pontos de um plano por  F  e  F' , cuja diferença das distâncias a  F  e  tem sempre o mesmo valor  d.

Hipérbole

Parábola

Elipse

 

Fig. 1

 

 

Assim, com referência à Fig. 2,  são pontos da hipérbole, visto que

Do mesmo modo, Q,, Q', Q",... , satisfazendo as condições

  
, também pertencem à hipérbole, a qual, portanto, possui dois ramos distintos.  

  F   e    são chamados focos da hipérbole.

 

     Reflexão da luz  

Vamos imaginar um espelho refletor construído com o formato de um ramo de hipérbole, a parte refletora estando do “lado de fora” da hipérbole, isto é, na sua parte côncava.


Fig. 3

Suponhamos que um raio de luz proveniente de um ponto A incida no espelho em P, como ilustra a Fig. 3, de forma que a reta  AP  passe pelo foco F' . Então o raio refletido terá de passar pelo outro foco F . Esta propriedade será demonstrada mais adiante.

Deixando-a de lado por um momento, vamos explicar uma de suas aplicações na construção de telescópios.

 

     Telescópios refletores  

Galileu Galilei (1564-1642) foi o primeiro cientista a construir um telescópio para observação astronômica. Isso se deu em 1609 e resultou em notáveis descobertas: Galileu viu montanhas e acidentes geográficos na superfície lunar, observou que Vênus passa por fases como a Lua, notou que Saturno tem um formato alongado (devido a seus anéis), e que Júpiter possui satélites girando a sua volta. Em pouco tempo Galileu revolucionou a Astronomia.

Os primeiros telescópios, inclusive o de Galileu, foram construídos com lentes e funcionavam com base na refração da luz. São os chamados telescópios refratores.

Acontece que as lentes têm vários inconvenientes, como as deformações das imagens que elas produzem, fenômeno que pode ser facilmente observado com qualquer lente de grau de óculos comuns; basta olhar através da lente e movê-la transversalmente para um lado e para o outro, ou em círculos, para notar essas deformações.

Além disso, a lente também atua como um prisma, decompondo a luz branca em várias cores, produzindo outro tipo de efeito indesejável nas observações, as chamadas aberrações cromáticas.

Esses  inconvenientes  dos  telescópios  refratores  não  existem nos telescópios refletores. O telescópio refletor nada mais é do que um espelho parabólico no fundo de um tubo, como ilustra a Fig. 4. Os raios provenientes de um corpo celeste distante (estrela, galáxia, planeta, etc.) formam um feixe praticamente paralelo, que se reflete no espelho e vai formar a imagem do objeto no foco F.

                            Fig. 4

O problema agora é que, para observar essa imagem, o observador teria de estar com seu olho posicionado no foco da parábola, mas isso é impossível na prática.

Isaac Newton (1642-1727) resolveu esse problema em seu telescópio refletor, colocando um espelho plano  E  entre o espelho parabólico e o foco  F (Fig. 5). Com isso, os raios que iriam formar a imagem em  F  são novamente refletidos e vão formar essa imagem num ponto    fora do tubo do telescópio, onde se posiciona o observador.


Fig. 5

 Fig. 6

 

Em 1672 o astrônomo francês Cassegrain propôs a utilização de um espelho hiperbólico  E,  como ilustra a Fig. 6, em lugar do espelho plano de Newton. Um dos focos da hipérbole coincide com o foco  F  da  parábola.

Agora os raios que iriam formar a imagem no foco  F  são refletidos pelo espelho  E  e formarão essa imagem no outro foco F'  da hipérbole.

Para compreender a vantagem desse espelho hiperbólico de Cassegrain sobre o espelho plano de Newton, devemos observar que o espelho plano não pode ficar muito próximo do foco  F,  sob pena de o ponto  F'   da  Fig. 5  ficar dentro do telescópio; em conseqüência, o espelho plano precisa ser de razoável tamanho, o que resulta num bloqueio significativo da luz incidente  no  espelho  parabólico  que forma a parte principal do telescópio.

O espelho de Cassegrain, pelo contrário, pode ser construído mais próximo ou mais afastado do foco  F,  mantendo-se fixa a distância  FF'    entre os focos da hipérbole; em conseqüência, o tamanho desse espelho pode ser maior ou menor. A distância entre os focos  F  e  F'   também pode ser alterada para mais ou para menos, sem mudar a posição do foco  F. A combinação desses fatores permite grande flexibilidade na montagem do refletor hiperbólico  E,  adequando-a, assim, às exigências das observações.

Essas montagens de Cassegrain somente começaram a ser utilizadas nos telescópios cerca de um século após terem sido propostas. Desde então passaram a ser largamente usadas, e hoje em dia estão presentes, não apenas nos telescópios óticos, mas também nos radiotelescópios.

O famoso telescópio ótico do observatório de Monte Palomar, que fica 80 km a nordeste de San Diego, na Califórnia, utiliza várias montagens do tipo de Cassegrain.

 

     Prova de que o raio refletido passa por F  

Finalmente, vamos demonstrar que um raio incidente que passa por um dos focos do espelho hiperbólico produz um raio refletido que passa pelo outro foco.

A demonstração será feita da seguinte maneira: provaremos que a bissetriz do ângulo  FPF'   (Fig. 7) é ao mesmo tempo a reta tangente à hipérbole em  P.


Fig. 7

Na Fig.7, R é ponto de intersecção da reta PF, com a hipérbole. Provaremos, inicialmente, que PRF2 é o caminho mais curto que vai de P a F2, tocando um ponto da hipérbole. Com efeito, sendo Q um outro ponto da hipérbole, diferente de R, teremos

;

e como Q e R estão na hipérbole,

Somando esta igualdade à desigualdade anterior, obtemos

  ou seja, 

que é o resultado desejado.


Fig. 8

Vamos provar agora que o caminho mínimo é aquele seguido pela luz. Para isso, com referência à Fig. 8, seja PRF2 o caminho seguido pela luz, isto é, tal que o ângulo de incidência PRN seja igual ao ângulo de reflexão NRF2, sendo RN a normal à hipérbole em R. Tracemos a reta r tangente à hipérbole em R. Seja PQF2 um outro caminho, cortando a reta tangente em S.  Como  e , concluímos que  Fica assim provado que o raio de luz segue o caminho mínimo, isto é, o caminho PRF2 tal que a reta PR passa pelo foco F1.