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Alejandra
Soto Ferrari Numa
terra muito distante, no Oriente, vivia um jovem de grandes ideais e
muitos sonhos que trabalhava desde o amanhecer, cultivando a terra.
Almejava sem descanso que seu destino mudasse; desejava ter a coragem e a
sorte daqueles incansáveis viajantes que percorriam terras longínquas
pelos confins do universo, apreciando novos pratos e aromas e admirando
cores e perfumes jamais imaginados. O
nome desse rapaz era Sargu,
conhecido como “o obstinado” devido a sua incansável disposição de
mudar seu destino. Era filho de camponeses e tinha apenas 16 anos. Apesar
dos grandes esforços dos pais para que se dedicasse à terra, como eles, Sargu, sempre que podia,
escapava de seus trabalhos no campo e subia ao alto de um morro, onde
deixava a imaginação voar; olhava o horizonte tentando ver tudo que lhe
era proibido. Todos
os dias eram iguais para Sargu;
terminava sua jornada e se punha a sonhar, esperando algum
acontecimento que mudasse sua vida, ansiando por deixar de arar a terra e
ir em busca das aventuras que, mais de uma vez, ouviu dos mercadores que
chegavam a seu povoado. Em
um dourado entardecer, Sargu
, absorto em seus sonhos, avistou ao longe as figuras de vários
homens e animais. À medida que o grupo se aproximava, as imagens se
tornavam mais claras e eram tantos camelos e asnos, que não poderia dizer
quantos. Viu muitos e logo começou a fazer linhas e outros sinais na
areia para registrar em algum lugar o que via. Fez tantas marcas que não
podia acreditar; sem dúvida o senhor que vinha em um dos camelos, no início
da caravana, era um homem rico. Eram
por volta de cem camelos e asnos carregados com todo tipo de especiarias,
tecidos e vasilhas, propriedade de um rico mercador apelidado de Mestre,
cujo verdadeiro nome era Fargot.
Era um homem de aproximadamente 50 anos, de poucas palavras e poucos
amigos, de voz áspera e olhar penetrante. Sua pele estava endurecida pelo
sol e pela areia e, apesar de sua riqueza, era um homem de modos e gostos
simples. Viajava
acompanhado da família, constituída por três esposas, vários filhos e
sua mais preciosa jóia, sua filha Tesia, de 15 anos, além de
muitos empregados, que o serviam e viviam sob sua proteção. A
caravana, que nunca tinha sido tão numerosa, passava ano após ano pelas
terras onde morava Sargu,
estabelecendo-se na margem do rio e
oferecendo suas mercadorias aos habitantes das aldeias próximas. Quando
Sargu
notou Tesia
entre a multidão, ficou cativado pela beleza e encanto
daquela donzela de grandes olhos amendoados e soube que finalmente havia
chegado o momento pelo qual tanto esperara. Era hora de empreender o vôo,
de conhecer terras desconhecidas, lugares nos quais só poucos haviam
estado, mistérios que ninguém havia imaginado; era hora de aceitar o
convite que a cada tarde lhe fazia o horizonte. Tesia precisava conhecê-lo, e
conquistá-la seria seu grande feito. Andou incansavelmente pela feira que
havia sido instalada no local, observando com grande interesse as
mercadorias dos comerciantes, e permaneceu horas tentando ver alguma
transação. Todas elas eram realizadas pelo Mestre.
Cada
vez que se fazia uma venda importante, chamavam-no e ele tirava uma bolsa
de pano que guardava sob as roupas e, pondo-se de joelhos, fazia com
grande rapidez sulcos na areia, nos quais colocava pequenas bolinhas de
metal. Logo dizia as quantias finais, ante a perplexidade de todos os que
o observavam. Geralmente, os compradores e seus ajudantes utilizavam
cordas com nós, sementes ou pequenos pedaços de madeira para fazer as
contas, mas ninguém superava a exatidão e rapidez do Mestre. Quando
Sargu
notou o que Fargot
fazia, ficou maravilhado: achou que ele era um mago ou um bruxo e
se propôs a aprender com o Mestre,
mesmo que isso implicasse ter que deixar os seus familiares para se unir
à caravana. No
dia em que se desfez a feira e o grupo se dispôs a partir, Sargu
implorou ao Mestre
que o levasse, que lhe ensinasse sua magia, e prometeu trabalhar só
por leito e comida. Fargot,
comovido com tamanha insistência, relutou por um momento, dado o modo
como o rapaz olhava para sua querida filha; entretanto, algo nesse moço o
fazia sentir como se olhasse para si próprio, e assim, mais tarde,
permitiu que ele se juntasse à caravana; porém lhe disse: “Minha arte
não é magia e tampouco sou mestre, como me chamam por aqui, portanto não
posso ensinar-lhe, só posso dizer que me observe e aprenda: conte os dedos das mãos, uma, duas vezes e vá
sempre na direção do seu coração”. E,
assim,
Sargu se
uniu ao grupo e foi rapidamente aceito por todos, graças a sua tão
particular maneira de pensar e seu espírito solidário. Logo tratou de se
aproximar de Tesia,
estabelecendo-se entre eles uma bela amizade, que não demorou a
se transformar em verdadeiro amor. Sargu
temia que o Mestre
o expulsasse da caravana por sua origem humilde e logo se propôs,
com determinação, ser digno do amor de Tesia.
Enquanto a caravana percorria diversas regiões, transcorreu bastante
tempo, e todas as noites em que demorava para conciliar o sono Sargu,
como se estivesse jogando, fazia sulcos na areia, nos quais colocava
pedrinhas arredondadas, imitando os gestos de Fargot. Uma
noite, cansado de não entender, relembrou uma conta feita pelo Mestre
e conseguiu contar como ele: 123 camelos e 52 asnos, que eram a totalidade
de animais que possuíam. Por fim havia entendido: o que Fargot
fazia era decompor as cifras sobre os sulcos na areia mediante as
bolinhas. Primeiro contava, depois decompunha e finalmente somava. Mas
como fazia isso? Sargu
percebeu que contar até dez era muito importante, daí o Mestre
ter-lhe dito para contar os dedos de ambas as mãos. Em cada sulco
havia, de um modo especial, um 10 implícito. Então se lembrou das outras
palavras do Mestre:
“vá sempre na direção do seu coração” e as repetiu uma e outras
vezes, até que, em um segundo, -
zás -,
descobriu: tratava-se de contar da direita para a esquerda! Desse
modo, Sargu
conseguiu montar o seguinte esquema na areia: tinha 123 risquinhos
que representavam a quantidade de camelos; ele os agrupou de 10 em 10,
fazendo um círculo em cada grupo, formando assim 12 grupos e sobraram 3
riscos sem agrupar. Então fez um círculo maior que continha os 10
primeiros grupos e assim sobraram 2 grupos de 10 risquinhos, mais os 3
riscos avulsos.
Os
3 riscos avulsos foram representados por 3 pedrinhas colocadas no primeiro
sulco, à direita do grupo de sulcos que havia previamente feito na areia.
Os 2 grupos de 10 riscos foram representados por 2 pedrinhas, colocadas no
sulco seguinte, à esquerda do anterior, e finalmente ele pôs 1 pedrinha
à esquerda de todas as anteriores, em representação do grupo maior, de
10 grupos de 10 riscos cada um. Desse modo obteve o seguinte sobre os
sulcos:
Fez
o mesmo para contar os asnos e obteve o seguinte:
O
Mestre
normalmente utilizava 3 grupos ou mais de sulcos, dependendo do
tamanho da soma, e usava um sulco independente para os resultados. Desse
modo Sargu
transportou todas as bolinhas para um terceiro conjunto de sulcos e
obteve:
Sargu
estava simplesmente eufórico. Havia descoberto o grande mistério do Mestre
e poderia ser um sábio, como tanto almejara, e então ser digno do amor
de Tesia.
Praticou muitas vezes até que lhe pareceu um jogo. Começou a não
precisar de tantos sulcos e logo chegou a fazer as contas em um só grupo,
no qual ele diferenciava as quantidades usando pequenos pedaços de
madeira para separá-las. Um
dia o Mestre
caiu enfermo de um estranho mal, suas pernas não respondiam, e a
caravana precisou permanecer longos meses parada no deserto, nas
proximidades de um pequeno riacho. Reinou a fome e a desolação e as
vendas caíram consideravelmente devido ao isolamento do grupo. Por
necessidade, venderam muitos camelos e asnos a um preço bastante baixo. A
comida e o gado ficaram cada vez mais escassos e as barras cunhadas de
prata, poupadas em épocas melhores, desapareceram por completo ao serem
trocadas por mercadorias de primeira necessidade nas aldeias vizinhas. Foi
então que passou pelo acampamento um conhecido estelionatário, que
chamavam de O Príncipe Negro, e seu bando de agiotas, vindos da cidade de
Nínive. Esse homem e seu séquito souberam da desventura da caravana
do Mestre
e viram no desolado grupo a possibilidade de um grande negócio, no
qual ganhariam muito. O
Príncipe Negro ofereceu uma quantidade tentadora de barras de prata
pela compra de algumas especiarias e tecidos e da maior parte dos camelos
e asnos que sobraram, além de um grande dote para levar consigo a belíssima
Tesia. O
débil Fargot
não tinha forças para se pôr em pé, nem mesmo para ajoelhar-se
para comprovar as contas do que deveria receber. Foi então que Sargu
interferiu habilmente, entregando ao Mestre,
em seu leito, uma tábua de argila na qual havia talhado vários sulcos
verticais paralelos, que imitavam perfeitamente os sulcos na areia. Sargu
explicou ao Mestre,
com todos os detalhes, o tremendo logro a que se exporia se aceitasse o
negócio proposto pelo Príncipe
Negro. Fargot
ficou perplexo diante da exatidão das contas e da habilidade e perícia
do rapaz para fazê-las, de modo que muito satisfeito e agradecido não
aceitou o negócio, e os malfeitores fugiram sem deixar rastros. O
Mestre
abençoou Sargu
e lhe disse: “Agora sou eu quem lhe pede para ficar e ensinar a
mim e aos meus o que aprendeu. Tenho sido muito egoísta em querer que
ninguém mais saiba sobre a arte de contar na areia. Com o seu invento
poderei fazer as contas mesmo no meu leito. Você aperfeiçoou minha arte
e é melhor que eu. Peça o que quiser, você é um obstinado muito
inteligente”. Sargu,
emocionado, pensou por alguns instantes e respondeu: “Quero ficar ao seu
lado para sempre, ser seu sócio e amigo. Além disso quero a mão de sua
filha para que me abençoe com sua descendência e, acima de tudo, quero
ser um mestre e ensinar pelo mundo a arte de calcular”. Fargot
atendeu aos desejos do rapaz, mas bem no fundo de seu coração sentia que
seu fim se aproximava. Como sua enfermidade o consumia lentamente, deixou
seu destino e o dos seus nas mãos do rapaz, permitindo que se festejasse
o casamento entre ele e sua filha. Graças
a Sargu
puderam continuar sendo os prósperos e ricos mercadores de sempre, só
que agora levavam uma escola errante, aberta a todos que quisessem
aprender a contar no ábaco,
nome que se deu ao sistema utilizado por sulcos e bolinhas sobre a areia. Sargu
era o Grande Mestre, ensinava incansavelmente e repetia: Cada
bolinha no primeiro sulco à direita corresponde a uma unidade; cada
bolinha no segundo sulco, indo para a esquerda, significa 10 unidades;
cada bolinha no terceiro sulco corresponde a 10 unidades de 10, isto é,
100 unidades, e assim sucessivamente. Recordem: Para somar ou subtrair
dois números, diferenciamo-los separando-os por pedacinhos de madeira ou
outro material similar, mas nunca
deve haver mais que 9 bolinhas em cada sulco. Por
fim Fargot
morreu e deixou todos os seus bens para Sargu,
cuidando que nada faltasse às suas mulheres e aos seus adorados filhos e
descendentes. Suas últimas palavras expressaram seu desejo de que a
escola errante jamais se detivesse e que seus ensinamentos atingissem os
confins do Universo,
sem distinção de
nenhum tipo,
nem social nem racial. É
por isso que Sargu
decidiu destinar o resto de sua existência à difusão e ao
aperfeiçoamento do ábaco,
que foi evoluindo, pouco a pouco, ao passar pelas diferentes culturas e
civilizações do Oriente e do Ocidente. Porém, em essência, o ábaco
permanece o mesmo, e graças a ele se deu um importante passo em
Matemática, conhecido como a notação com valor posicional (o valor de uma bolinha depende do
lugar ou sulco que ocupa). Sargu
percorreu os lugares mais incríveis com seu invento, visitou a China e a
Índia, entre outros lugares da Ásia, onde, dizem, se aperfeiçoou ainda
mais na arte do ábaco. Desenhou-se um ábaco com bolinhas sobre eixos
fixos, que, além de ser mais cômodo, uma vez que evitava o constante
cair das bolinhas, facilitou as operações com quantidades maiores. Temos
informação de sua existência no Oriente só a partir do século XIII
d.C., de onde, se supõe, teria passado ao Japão com outras modificações. O
ábaco que Sargu
difundiu se firmou fortemente na Mesopotâmia
devido à complexidade de sua escrita, repleta, particularmente na
numeração, de símbolos incômodos e confusos. Também
se difundiu na maioria das terras civilizadas. O ábaco utilizado na Roma
antiga era metálico, em geral de prata ou bronze, e era formado por dois
conjuntos de sulcos paralelos, um sobre o outro. No conjunto dos sulcos
inferiores havia 4 bolinhas em cada um, enquanto no conjunto dos
superiores havia uma só bolinha. A bolinha do sulco superior representava
5 vezes a bolinha correspondente no sulco inferior. Assim o calculista
podia representar qualquer número. À
direita do ábaco de metal havia um conjunto separado de sulcos utilizados
para se trabalhar com frações, o que faz sentido, já que os romanos
dividiam sua moeda em quartos. A
palavra que os romanos usavam para denominar as bolinhas ou pedrinhas era calculus, do latim (quem não ouviu falar de cálculos renais?), da qual vem
nossa palavra calcular. Muito
tempo depois, na época de Cólon, alguns
comerciantes e donos de negócios do oeste da Europa ainda utilizavam
tabuleiros de contas, que traziam algumas modificações em relação ao
antigo funcionamento mas
obedeciam aos mesmos princípios do ábaco da antigüidade. Os
ábacos modernos, chineses, japoneses e russos, chamados respectivamente
de Swa Pan, Soroban e
Scoty, ainda funcionam com grande facilidade e rapidez nos seus países,
embora seu uso esteja condenado a desaparecer, devido à utilização
crescente das calculadoras.
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