Elon Lages Lima

Dois dos modelos matemáticos mais utilizados para resolver problemas elementares são o modelo linear, representado por funções do tipo  y = ax + b, e o modelo exponencial, no qual se empregam as funções do tipo  y = ax + beax. O modelo linear ocorre em praticamente todos os problemas durante os primeiros oito anos da escola e, com menos exclusividade porém ainda com grande destaque, nos três anos finais. Por outro lado, o modelo exponencial só aparece nesses três últimos anos, embora sua importância seja considerável na universidade, bem como nas aplicações da Matemática em atividades científicas ou profissionais.

Uma vez decidido que o modelo adequado para um determinado problema é o linear ou o exponencial, a partir daí o tratamento matemático da questão não oferece maiores dificuldades. No primeiro caso, as perguntas são respondidas com o emprego das quatro operações elementares, às quais se somam, para o segundo caso, os logaritmos e - naturalmente - a própria função exponencial.

As dúvidas que possam surgir acontecem antes, na escolha do instrumento matemático apropriado para o problema que se estuda. Os alunos muitas vezes não sabem qual o modelo a empregar; os professores, freqüentemente, conhecem a resposta por experiência mas nem sempre são capazes de justificá-la, mesmo no caso linear.

No que se segue, apresentaremos critérios de natureza elementar para reconhecer se uma dada função é do tipo f(x) = ax + b  ou  f(x) = beax + b. Nos problemas concretos, esses critérios admitem interpretações intuitivas que podem ser de grande ajuda na escolha do modelo matemático a ser utilizado.

Nesta apresentação não é utilizada a noção de limite, e nenhum outro conceito de natureza infinitesimal.

 

     O modelo linear  

O caso mais simples do modelo linear ocorre na situação clássica da proporcionalidade. Ali, são dadas duas grandezas,   e . Diz-se que  é proporcional a    quando os valores de  dependem dos valores de  ,  de tal maneira que ao dobrar, triplicar ou, mais geralmente, tomar    vezes a grandeza  , o valor correspondente de    fica dobrado, triplicado ou, mais geralmente, multiplicado por  . Nesse caso, a função    que modela o problema tem a propriedade   f(nx) = n . f(x) + b   para todo valor de  . Quando as grandezas   e y   podem assumir valores negativos, a proporcionalidade entre   e  implica a igualdade  f(nx) = n . f(x)   para  todo valor de    e todo número inteiro  .

Os teoremas a seguir estabelecem a Matemática que se aplica a esse tipo de problema. Os símbolos  N, Z, Q, IR  e  IR+   indicam respectivamente os conjuntos dos números naturais, inteiros, racionais, reais e reais positivos.

 

Lema: Seja  f:IR IR  uma função tal que   f(nx) = n . f(x)   para todo  x IR  e todo  n Z. Então   f(r . x) = r . f(x)   para todo  r Q   e todo  x IR. Em particular, se  a = f(1), tem-se   f(r)= ar  para todo  x Q .

 
Demonstração: Dado
x Q , tem-se  , com  e . Então

,

Uma função  f  diz-se crescente quando  e decrescente quando  . Note que, sendo  f  crescente, vale também a implicação oposta  . Observação análoga para  f  decrescente.


Teorema 1: Para todo    e todos  IR,  são equivalentes as seguintes afirmações a respeito de uma função crescente IR IR :

(1) ;

(2) , onde  ;

(3) .

 
Demonstração:
Pelo Lema, pondo a = f(1), a afirmação (1) implica f(r) = a . r  para todo  x Q Note que, sendo f crescente, a desigualdade 0 < 1 implica 0 = f(0) < f(1) = a. Para provar que (1)(2), suponhamos, por absurdo, que exista algum número real  x tal  f(x) < ar< ax,  ou seja,   f(x) < f(r) < a . x.  Sendo  f  crescente, f(x) < f(r)  implica  x < y ,  o que  contradiz a escolha de r, pois tomamos y < x . Partindo de (2), temos f(x + y) = a(x + y) = ax + ay = f(x) + f(y), logo . Finalmente, supondo (3), vemos imediatamente que   f(nx)=n . f(x)  para todo x IR  e  n N. Além disso, f(0) = f(0 +0) = f(0) + f(0),   logo  f(0)=0. Daí resulta, para quaisquer n N  e  x IR, que

,

logo f(nx) = n . f(x). Segue-se que  f(nx) = n . f(x)   para todo  n N  e todo  x IR,  provando que  (3) (1).

 

Observações

1) Evidentemente o Teorema 1 vale também para  f  decrescente, só que nesse caso   é negativo.

2) Um corolário do Teorema 1 é que, para  f  crescente ou decrescente,  para todo IR  e todo  implica   para quaisquer  c, x IR.

3) O número  a  chama-se  constante de proporcionalidade.

 

Quando se lida com grandezas cujas medidas são números positivos, tem-se a seguinte versão do Teorema 1:

 

Teorema 1+: Para todo    e todos  IR+ , são equivalentes as seguintes afirmações a respeito de uma função  IR + IR+ :

(1)   ;

(2)  f  é crescente e  ;

(3)  Tem-se    e  .

   
Demonstração: A diferença agora é que, sendo positivos os valores de  f, a condição (1) implica imediatamente que  f  é crescente. As implicações (1)  (2)  e  (3)  (1) são imediatas. A implicação (2)  (3) se faz nas mesmas linhas do Teorema 1 ou então observando que toda  IR+ IR+  que cumpre (2) se estende a uma  IR IR  crescente que satisfaz o item (1) do Teorema 1: basta pôr  F(0) = 0  e  , para todo  IR+.
 

Observações: É inútil tentar provar que    para todo    e todo  IR+  implica  f  crescente. Isso não é verdade, muito embora não seja possível apresentar um contra-exemplo simples.
Os teoremas 1 e , cada um no seu contexto, determinam condições mediante as quais cabe utilizar o modelo linear reduzido,  . Basta verificar que f é crescente e cumpre  , para  , conforme o caso.
 

Exemplo 1: Dada uma circunferência de raio  r,  seja    o comprimento do arco que subtende um ângulo central de medida  x (relativamente a uma certa unidade de ângulo). É claro que  f  é uma função crescente de  x  e que . Logo, existe uma constante  a  tal que  .
A constante  a  depende da unidade de ângulo considerada. Se é o grau, então definição,  f(1) = r ,  logo a = r .
 

Exemplo 2: Ainda numa circunferência de raio  r, podemos considerar    como área de um setor circular que subtende um arco de comprimento  x. Vê-se imediatamente que  g  é uma função crescente de  x  e que . Logo, existe uma constante  a  tal que  . Como o arco de comprimento  2r (toda a circunferência) corresponde ao setor de área
A utilização do modelo linear mais geral,  , é regida pelos teoremas seguintes:


Teorema 2: As seguintes afirmações a respeito de uma função crescente  IR IR  são equivalentes:

(1) Para todo  IR+, o acréscimo  depende apenas de  h,  mas não de  IR; com a = (1) = f(1) f(0).

(2) Pondo   e  , tem-se    para todo  IR.

 
Demonstração: Admitida a hipótese (1), definimos a função  : IR+ IR pondo, para todo  IR+,  , onde  IR+  é qualquer. Dados  IR+,  temos:

 

Segue-se do Teorema  que se tem (h) = a . h para todo  IR+, com  a = (1) = f(1) f(0).Conseqüentemente, para todo  IR  vale: f(x) f(0 + x) f(0) + f(0) = (x) + f(0) = ax + b onde a = f(1) f(0)  e b = f(0). Logo (1) ( 2).
A implicação (2)  (1)  é imediata.

 

Observações

1.    Em particular, vemos que, se f é crescente e o acréscimo    depende apenas de  h  mas não de  x,  então o quociente    não depende de  x  nem de  h.

2.    O Teorema 2 vale também quando  f   é decrescente. A única diferença é que agora se tem  ,  com  .

3.    Quando as grandezas em questão só assumem valores positivos, tem-se uma função  .I.IR+  crescente e a única alteração no enunciado do Teorema 2 é que, não se tendo a priori o valor  f(0), valem    e  .

4.    Às vezes se sabe que uma função  f  é da forma    mas não se conhecem os coeficientes  a, b  nem é possível (ou conveniente) determinar  ,   ou  . Então basta conhecer    e    para dois valores  . Os coeficientes  a  e são   e .

 
Exemplo 3: Uma partícula se move sobre um eixo  E. (Um eixo é uma reta orientada na qual se fixou uma origem 0. A posição de um ponto do eixo é determinada por um número real  x,  chamado abcissa desse ponto.) Em cada instante  t, a abcissa do ponto é  . Dizemos que se trata de um movimento uniforme quando o ponto percorre distâncias iguais em tempos iguais. Isso significa que    depende somente de  h  mas não de  t. A função  f  é crescente ou decrescente, conforme o sentido do movimento coincida ou não com a orientação do eixo. Segue-se do Teorema 2 que se tem  ,  onde    (espaço percorrido na unidade de tempo) é, por definição, a velocidade e    é a posição do ponto no momento em que começou a contagem do tempo.

   

Exemplo 4: Sejam  X  e  Y  dois eixos que se cortam no ponto 0, determinando assim um sistema de coordenadas (em geral oblíquas) no plano  X0Y. Seja ainda  r  uma reta não paralela ao eixo Y, situada nesse plano. Definamos uma função  IR IR  do seguinte modo: para cada número real  x,  o valor    é a ordenada do ponto  , interseção de  r  com a paralela ao eixo  Y  tirada pelo ponto de abcissa  x  do eixo  X. Uma igualdade de triângulos evidente mostra que    não depende de  x.

Portanto a função  f  é do tipo

, onde

   e .

A expressão    fornece portanto a ordenada  y  de um ponto    da reta  r  em função da abcissa  x  desse mesmo ponto.

 

     Crescimento Exponencial  

Consideremos uma cultura de bactérias, em condições favoráveis, cuja população, num instante  t,  chamamos de  . O problema é determinar o tipo da função  IR IR. Ela é crescente. Mas não é razoável admitir  que dependa apenas de  h, pois, se  , a população    é maior do que    e é natural perceber que, no mesmo período de tempo  h, o acréscimo populacional    é maior que  .

Situação análoga ocorre com um capital aplicado a juros fixos, capitalizados continuamente. Se    é a quantia existente no instante  t, para  t < t'  o rendimento    no intervalo de tempo  h  é maior do que o rendimento  ,  no mesmo intervalo porém em época anterior, pois o capital acumulado    é maior do que  .

Assim, nas duas situações acima não se aplica o modelo linear. Entretanto, se examinarmos os acréscimos relativos

é natural admitir que eles dependam apenas de  h, desde que, em ambas as situações, ocorra uma certa estabilidade, ou permanência das condições que cercam o crescimento.

No segundo caso, o fato de que o acréscimo relativo   depende apenas de  h  é a própria definição de “juros fixos”: quer dizer que, com o passar do tempo, as condições do negócio continuam as mesmas. Quer dizer também que o lucro obtido depois de um período de tempo fixado  h  é proporcional ao capital  , existente no início daquele período:  .

No caso das bactérias (ou, mais geralmente, qualquer tipo de população), o fato de que o significa, por exemplo, que se  , ou seja, se  h  é o tempo necessário, a partir do instante t, para que a população duplique, então em qualquer outra ocasião (antes ou depois) vai ser necessário o mesmo tempo  h  para que a população também duplique. Sem dúvida, essa hipótese caracteriza uma certa estabilidade, uma permanência das condições que cercam o fenômeno. (Que não há modificações consideráveis no meio ambiente, que a alimentação continue existindo igualmente, etc.)

Há diversas outras situações, em Matemática e suas aplicações, nas quais é válida a hipótese de que o crescimento relativo:

   

da função  f  no intervalo    depende do comprimento  h  do intervalo mas não do ponto inicial  x. Nesses casos, a função é determinada pelo teorema a seguir:

 
Teorema
3: Seja  IR IR+  uma função crescente, cujo crescimento relativo    no intervalo    depende apenas do comprimento  h  desse intervalo, mas não do ponto inicial. Então, pondo    e  ,  tem-se    e    para todo  IR. Se  f  é decrescente, tem-se ainda  ,  mas, nesse caso,  .

 

Demonstração: Como   depende apenas de  h, segue-se que    também só depende de  h. Considerando a função  IR IR, definida por  , vemos que  g  é crescente e que o acréscimo  depende apenas de  h. Pelo Teorema 2, para todo  IR  tem-se  , onde    e  .

óbvio que, se  f é decrescente,  g  também é, logo    e  .

 

Exemplo 5: Um corpo aquecido, quando colocado num ambiente de temperatura menor, cede calor, portanto a diferença de temperatura  d(t), num instante t, entre o corpo e o ambiente, é uma função decrescente de  t. Foi observado por Isaac Newton que, num intervalo de tempo  , o decréscimo relativo    depende apenas de  h. Daí resulta a “lei do resfriamento, de Newton”, segundo a qual  . A constante    é a diferença de temperatura no instante   em que teve início a experiência. Por sua vez  , onde    é a diferença de temperatura medida num instante    qualquer.
Para encerrar, usaremos o Teorema 3 a fim de dar uma elegante caracterização da função  .

 

Teorema 4: Seja IR IR  uma função tal que    para  x, y IR.  Então, ou  f  é identicamente nula ou assume apenas valores positivos. Seja A = f(1). Se  f  é crescente, então    e    para todo  IR.  Se  f  é decrescente, tem-se ainda   para todo  x, mas agora  .  



,  então, para todo  IR, temos  ,  logo  f  será identicamente nula. Assim, ou   para todo  x  ou    para todo  x. Neste último caso, temos  , logo  . Seja  f  crescente. Como  , temos  . Além disso,

depende apenas de  h. Segue-se do Teorema 3 que, para todo IR, , pois    e a constante  b  do Teorema 3 é igual a  , logo vale 1.  

Corolário: Seja IR+ IR uma bijeção crescente tal que  para quaisquer  x, y IR+. Se  ,  então  tem-se    para todo  .   

Demonstração: Basta aplicar o Teorema 4 à função   IR IR+.

Observações: Na realidade, a hipótese de que  g  seja sobrejetiva é desnecessária. Basta supor  g  crescente, com  . (Ver o livro Logaritmos, do autor, publicado pela Sociedade Brasileira de Matemática.)

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NR:
Este artigo foi publicado na Revista del Professor de Matemáticas, no 2,
Sociedad del Matemática de Chile.