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Daniel
C. de Morais Filho
Na
RPM 30 falamos de algumas mulheres
matemáticas pioneiras. Por exigüidade de espaço, omitimos, entre
tantas, a Marquesa de Châtelet
(1706-1749), que fez a única tradução para o francês do Principia
de Newton, e a Condessa de Lovelace
(1815-1852), filha do Lord Byron, versada em Matemática, que ajudou
Charles Babbage na invenção de sua “máquina de calcular”. Neste
número nos dedicaremos às fascinantes biografias das duas primeiras
mulheres a conquistar respeito como matemáticas profissionais. Elas são
verdadeiros exemplos de capacidade e persistência. Uma
delas, Sofia Kovalevskaya, foi
uma das primeiras mulheres no mundo a obter o título de doutor e a
primeira a obter o doutorado em Matemática. Sua admissão, no círculo
acadêmico matemático abriu as portas para que mulheres de outras áreas
também pudessem ser aceitas e matriculadas regularmente nas
universidades. Essa trajetória não foi fácil. Nos Estados Unidos, na virada deste século, apesar de algumas universidades já estarem admitindo mulheres nos seus programas de pós-graduação em Matemática, foi apenas nos anos 20 que isso se tornou realidade em quase todas elas. Em Princeton, isso só viria a ocorrer nos anos 60. Em Harvard, mesmo depois de admitidas como alunas, alguns professores se recusavam a aceitar mulheres em suas turmas e as obrigavam a assistir às aulas fora da sala!
Nasceu
em Moscou no dia 15 de janeiro de 1850. De família nobre, teve uma educação
convencional, mas desde cedo demonstrou habilidade para Matemática e Ciências
Naturais. Chegou a ter professores de Álgebra, Geometria e posteriormente
de Cálculo. Na segunda metade do século XIX, idéias niilistas infestaram a Rússia. Entre outras coisas, os niilistas advogavam a educação superior para mulheres, a ruptura dos padrões sociais preestabelecidos e a igualdade feminina. Esses ideais logo encontraram em Sofia uma grande defensora. Em
vão ela tentou continuar seus estudos matemáticos com P.L. Chebyshev — naquele
momento, líder da Escola Matemática Russa. Tampouco pôde estudar nas
universidades russas, já que elas eram fechadas a mulheres. A única saída
encontrada foi seguir a tática usada por várias niilistas da época:
arranjar um casamento fictício (apenas nominal) e assim poder viajar para
o exterior. |
Após
se casar, Sofia foi para Heidelberg, Alemanha, estudar Matemática e Ciências
Naturais. Nessa cidade, após obter permissão escrita dos professores,
como era então exigido, ela teve a rara oportunidade de ser aluna de
renomados cientistas, como Gustav
Kirchhoff, Hermannn von Helmholtz, Paul Du Bois-Reymond e Leo Königsberger. Depois de três semestres de sucesso, com o
incentivo dos dois últimos, ela seguiu para Berlim a fim de
estudar com
o grande analista
Karl
Weierstrass. Embora Weierstrass e outros cientistas
intercedessem a seu favor, não lhe foi permitido nem ao menos ser aluna
ouvinte nos cursos oferecidos pela universidade dessa cidade. Por
iniciativa própria, de 1871 a 1874, Weierstrass a orientou
particularmente. Na
primavera de 1874, Kovalevskaya já tinha produzido três excelentes
trabalhos, que, segundo seu orientador, já lhe garantiriam sem
dificuldades o título de doutor. Um deles, que se tornou sua tese, é o
que hoje se estuda em equações diferenciais com o nome de “Teorema de
Cauchy-Kovalevskaya”. Com
os esforços de Weierstrass, Du Bois-Reymond, Lazarus Fuchs e outros, a
Universidade de Göttingen finalmente, em 1874,
concedeu-lhe o almejado título de doutor. Sem
sucesso na sua tentativa de obter alguma cátedra nas universidades européias,
retornou à Rússia, onde também lhe negam essa posição. Passou então
a desfrutar uma vida longe da Ciência. Nos
anos subseqüentes, dedicou-se à literatura — durante toda sua vida
teve uma considerável produção literária. A literatura era sua grande
paixão e uma fuga dos excessivos trabalhos que a pesquisa matemática
exigia. Em 1878 nasceu sua única filha. No anos seguintes enfrentou
problemas financeiros e também problemas com seu conturbado casamento,
que terminou com o suicídio do marido em 1883. Após
esse período, novamente contatou Weierstrass, que, com o auxílio do
matemático sueco Mittag-Leffler,
conseguiu-lhe uma posição de professora na Universidade de Estocolmo.
Tornou-se uma das primeiras mulheres no mundo a assumir uma posição acadêmica
numa universidade européia! Logo depois, assumiu a editoração do jornal Acta Mathematica (editado até hoje). Nesse período, já se tornara uma celebridade no cenário matemático europeu. Matemáticos do mundo inteiro lhe escreviam pedindo sua opinião sobre seus trabalhos. Sofia teve a rara oportunidade de conviver e se corresponder com os maiores matemáticos do seu tempo: Carl Runge, Émile Picard, Charles Hermite, além dos que já mencionamos. Seu círculo cultural incluía personalidades como Georg Eliot, Chekhov, Charles Darwin, T.H. Huxley, Dostoyevsky, entre outros. Em
1888, generalizando trabalhos anteriores de Euler, Poisson, Lagrange e
Jacobi, ela ganhou o Prix Bordin
da Academia de Ciências da França, com um trabalho, até hoje comentado,
sobre a revolução de um sólido em torno de um ponto fixo. Um ano
depois, por iniciativa do próprio Chebyshev, as normas da Academia
Imperial Russa de Ciências foram modificadas para que fosse permitido
aceitá-la como membro. Sofia Kovalevskaya morreu de pneumonia no ano de 1891, aos 41 anos de idade, no auge de sua atividade, glória e fama matemática. Cientistas e matemáticos do mundo inteiro lamentaram sua morte.
Emmy
Noether
foi a filha mais velha de uma família judia de quatro filhos. Nasceu em
Erlangen, Alemanha, a 23 de março de 1882. Seu pai foi o eminente matemático
Max Noether. Após
concluir seus estudos básicos, ela pensou em ensinar línguas
estrangeiras (inglês e francês) em escolas para mulheres, e estava bem
perto disso quando optou, decisivamente, por estudar Matemática. Já
sabemos que, naquela época, essa não era uma decisão fácil. Como em
outras universidades do mundo, a Universidade de Erlangen não admitia
alunas como estudantes, já que elas, segundo a Universidade, poderiam
“subverter a ordem acadêmica”.
Noether conseguiu obter autorização para assistir aos cursos
oferecidos pela universidade apenas como ouvinte.
Após dois anos, ainda na mesma situação, ela seguiu para a
Universidade de Göttingen, onde teve a oportunidade de estudar com os célebres
matemáticos David Hilbert, Felix
Klein e Hermann Minkowski. Finalmente,
em 1904, após um semestre em Göttingen, a Universidade de Erlangen mudou
sua política universitária, aceitando que as mulheres tivessem os mesmos
direitos acadêmicos que os homens. Noether retornou imediatamente a sua
cidade natal e, em 1907, concluiu seu doutorado com uma dissertação
sobre invariantes algébricos. Entretanto,
ainda não se admitiam mulheres como professoras nas universidades.
Noether, por algum tempo, e sem nenhum vínculo oficial, substituiu seu
pai, que estava com problemas de saúde, no Instituto de Matemática de
Erlangen. Durante esse período, além de continuar com suas pesquisas,
ajudou na orientação de duas teses de doutorado. Em
1909 foi admitida na Sociedade Matemática Alemã e, em 1915, já com sua
reputação científica consolidada, foi convidada por Hilbert e Klein
para retornar a Göttingen e trabalhar com eles, e lá permaneceu até
1933. Sua presença consolidou Göttingen, na época, como um excelente
centro de Matemática do mundo. No entanto, apenas em 1919 Noether pôde
ser admitida legalmente como professora, e somente em 1922 começou a
receber regularmente um pequeno salário.
Antes disso, Hilbert, que tanto se esforçou pela admissão de
Noether como docente, divulgava como sendo seus os cursos que ela
lecionava! Os
nazistas, em 1933, destituíram Noether do seu cargo. Foram em vão os
esforços de vários matemáticos para mudar essa situação. Além de
mulher e judia, ela era membro do Partido Social Democrata. Felizmente,
nesse mesmo ano, ela recebeu convites para ir para Oxford, para o
Somerville College e para o Bryn Mawr College nos Estados Unidos. Talvez
por sua reputação de ter abrigado eminentes mulheres matemáticas,
Noether optou pelo último estabelecimento. Pouco tempo depois,
começou a dar aulas também em Princeton. Sua
estada nos Estados Unidos durou pouco. Morreu em 14 de abril de 1935, após
uma complicada operação de um cisto no ovário. A
obra matemática de Emmy Noether é original e profunda. Trabalhou
especialmente em Álgebra Abstrata, na teoria dos ideais e das álgebras não-comutativas.
Os módulos noetherianos foram assim chamados em sua homenagem.
Ela deu as formulações matemáticas de vários conceitos da
Teoria Geral da Relatividade de Einstein. O próprio Einstein, em 1918,
numa carta a Hilbert, expressou sua admiração ao penetrante pensamento
matemático de Noether. Durante
sua vida, orientou 13 teses de doutorado. Pode-se mesmo dizer que ela
criou uma “escola na Álgebra”. Sua maneira de encarar a Álgebra
influenciou consideravelmente o pensamento de vários outros algebristas: Krull,
van der Waerden, F. K. Schmidt,
Grell, etc. Foi a única mulher
a proferir uma palestra plenária no Congresso Internacional de Zurique,
em 1932. Juntamente com o matemático Emil
Artin ganhou o Alfred
Ackermann-Teubner Memorial Prize por seus trabalhos em Matemática. Após
sua morte, matemáticos como Hermann
Weyl, Alexandrov (por quem
foi convidada a visitar a Universidade de Moscou) e van
der Waerden não pouparam palavras para elogiá-la. Segundo o matemático
francês Jean Dieudonné, ela
foi “... de longe, a melhor mulher matemática de todos os tempos e,
dentre homens ou mulheres, a maior matemática do século XX”.
Este
artigo é dedicado às abnegadas professoras do nosso imenso país. Referências Bibliográficas
[1]
OGILVIE, M.B. Women in Science -
Antiquity through the nineteen century. The MIT Press (1991).
[2]
GRINSTEIN, L.S. CAMPBELL, P.J. (editores). Women of Mathematics, a bibliographic source book. Greenwood Press
(1987).
[3]
OSEN, L.M. Women in Mathematics. The MIT Press (1974).
[4]
GILLISPIE, C.C. (editor).
Dictionary of Scientific Biography. Charles Scribner’s Sons
Publishers (1970).
[5]
TEE, G.J. The Pioneering Women Mathematicians. The Mathematical Intelligencer, vol. 5, n. 4 (1984).
[6] DUBREIL-JACUTIN, M.L. Mujeres Matemáticas Ilustres.
In: Las Grandes Corrientes
del Pensamiento
Matemático. F. Le
Lionnais e colaboradores Editorial Universitario de Buenos Aires (1976).
[7]
REID, C. Hilbert, Courant. New
York: Springer-Verlag, 1986. |