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      Paulo Cezar Pinto Carvalho 
      Uma
      das maiores deficiências do ensino de Matemática no curso secundário é
      a pouca ênfase dada ao seu uso cotidiano. Os alunos são expostos a pouquíssimas
      situações que ilustrem o processo de estabelecimento de modelos matemáticos. 
       
      Com
      a paciência própria de pais jovens, eu escrevia em cada fita o nome de
      cada programa e o número da volta em que ele começava e terminava. Em
      uma certa fita, por exemplo, eu tinha: 
 
      Meu
      problema era o de saber quanto tempo ainda restava para o final da fita
      (para decidir se havia espaço para gravar um programa de, digamos, 30
      minutos de duração). Uma primeira idéia para estimar o tempo restante
      na volta 1750 é admitir que o tempo gasto é proporcional ao número de
      voltas. É fácil descobrir o número de voltas correspondente à fita
      inteira; no caso acima, ao final da fita (cujo tempo total de gravação
      era de 6 horas), o contador assinalava 1902. Se 1902 voltas correspondem a
      6 horas, então 1750 voltas corresponderão a (1750/1902) x
      6 = 5,52 horas = 5 horas e 31 minutos. Dessa forma, faltariam
      aproximadamente 29 minutos para o final da fita. Essa estimativa, no entanto, é incorreta. Na verdade, o tempo restante na volta 1750 era maior que o calculado acima. Isso ocorre porque o número registrado pelo contador, que corresponde ao número de voltas da fita no carretel da direita, não é proporcional ao comprimento da fita já utilizada. É fácil entender o porquê disso. O tempo necessário para o carretel da direita (que inicialmente está vazio) dar uma volta completa aumenta à medida que ele é preenchido. Assim, as voltas finais da fita consomem mais tempo que as iniciais e o uso de proporcionalidade para estimar o tempo restante é incorreto. 
      Através
      de algumas medições podemos observar como evolui o tempo gasto em um
      certo número de voltas à medida que a fita se enrola no carretel da
      direita. A tabela e o gráfico abaixo mostram o tempo T(n)
      consumido nas primeiras n
      voltas:  n = 100, 200, 300,
      400 e 500 e comprovam a não-linearidade da lei que relaciona 
      n e T.
      Observe que o tempo gasto em cada 100 voltas, indicado na última coluna,
      aumenta à medida que a fita é consumida. 
 
      Para
      obter um modelo matemático que descreva esse comportamento, devemos
      examinar o processo de passagem da fita de um carretel para outro. Uma
      aproximação razoável é admitir que a fita, ao se enrolar no carretel
      da direita, o faz segundo círculos concêntricos (veja a figura a
      seguir). A cada nova volta um desses círculos é preenchido, sendo o seu
      raio maior que o da volta anterior. A diferença entre dois raios
      consecutivos é constante e igual à espessura 
      d 
      da fita. Assim, os raios formam uma progressão aritmética
      cuja razão é  d. 
      Como o tempo para enrolar a fita (que desliza com velocidade
      constante) em torno de um círculo é proporcional ao comprimento do círculo,
      que por sua vez é proporcional ao seu raio, os tempos 
      t1, t2,
      t3, ... consumidos
      nas voltas 1, 2, 3 ... formam também uma progressão aritmética. Isto é,
      o modelo adotado estabelece que o tempo 
       
        
      onde  t1  é o tempo gasto na 1a volta e 
      r  é
      a diferença entre os tempos de duas voltas consecutivas. Note que, se os
      tempos correspondentes a voltas sucessivas formam uma PA,
      o mesmo deve ocorrer com os tempos para cada 
      k  voltas consecutivas. 
      
       
      Os
      dados confirmam que a análise acima está correta. A partir da tabela
      anterior calculamos o aumento de tempo para cada 100 voltas consecutivas,
      obtendo a tabela a seguir, que mostra que o tempo gasto para avançar 100
      voltas aumenta de aproximadamente 66 segundos a cada 100 voltas. 
 
      O tempo total 
      T(n) 
      consumido nas  n 
      primeiras voltas pode ser calculado, então, como a soma dos 
      n  primeiros termos da PA 
      t1, t2,
      t3, .... Portanto, 
      
       
      Para o nosso
      modelo ficar completo basta, assim, obter os valores de t1 e r. 
      Não é conveniente, no entanto, tentar medir diretamente esses
      valores. Como eles são de pequena magnitude, o erro relativo cometido ao
      medir o tempo gasto pela primeira e pela segunda voltas será grande. Em
      lugar disso, podemos utilizar medições já efetuadas, por exemplo T(100)
      e T(200), para calcular  t1
      e r.  Trata-se de um
      problema simples de progressões aritméticas: determinar a progressão
      conhecendo a soma de seus primeiros 100 termos e de seus primeiros 200
      termos. A expressão para  T(n), 
      dada acima, fornece duas equações (do 1o grau)
      de incógnitas  t1
      e r: 
      
       
      Resolvendo o
      sistema, encontramos  r
      = 0,0066  e  t1 = 5,2233. Temos, então, a expressão que buscávamos
      para o tempo consumido em n
      voltas: 
      
       
      Podemos,
      finalmente, estimar o tempo já gravado: com 1750 voltas, já utilizamos 
      19 241  segundos, ou
      seja, aproximadamente 5 horas e 20 minutos. Assim, nos restam
      aproximadamente 40 minutos de gravação (e não os 29 minutos obtidos na
      hipótese de crescimento linear). 
        
      Esse problema
      ilustra fatos simples, mas freqüentemente esquecidos por alunos (e
      professores) do 2o grau: 
      
      ·  
      
      O
      termo de ordem  n 
      de uma PA é dado por uma
      função do 1o grau de  n . Reciprocamente,
      os valores de uma função do 1o 
      grau, calculados a intervalos regulares, formam uma PA. 
        
      Muitas vezes o
      aluno não percebe que ao calcular os termos 
      a1, a2,
      ... de uma PA está calculando
      os valores  a(1),
      a(2), ... da função do 1o
      grau dada por a(x)=a1+(x 
 
      
      Note que a razão da PA é igual à inclinação da reta que representa o gráfico da função.
      Funções do 1o grau e progressões aritméticas servem
      ao mesmo propósito (embora raramente se faça a correlação entre elas
      na escola secundária): ambas são utilizadas para modelar crescimento
      linear. Progressões aritméticas são simplesmente funções do 1o
      grau cujo domínio é restrito ao conjunto dos inteiros positivos, úteis
      nos casos em que se deseja modelar uma função afim de uma variável
      discreta. 
      
      · 
      
      A
      expressão do termo de ordem  n   da seqüência
      obtida somando-se os  n 
      primeiros termos de uma PA é dada por uma função do 2o grau (cujo termo
      independente é nulo). Reciprocamente, as diferenças entre os valores
      sucessivos de uma função do 2o grau, calculados a
      intervalos regulares, formam uma PA. 
        
      De fato, a soma
      dos  n  primeiros termos da PA
      de razão  r  e
      1o termo a1  é dada por: 
      
       
      Logo, as
      sucessivas somas  S1, S2,
      ... são os valores  S(1), S(2), ... da função
      dada por 
        
      
       
      Note que o
      termo independente de  x 
      em  S(x) 
      é nulo, o que podemos interpretar como correspondendo ao valor da
      soma de zero termos da PA. Note também que as diferenças sucessivas S(1)
       Reciprocamente, dada a função do 2° grau, f(x)=ax2+bx+c, e os valores igualmente espaçados, x0, x0+h, x0+2h,..., é fácil verificar que a sequência 
      
       
      é
      uma PA cuja razão é  2ah2
      . A figura a seguir ilustra esse fato. 
       
      Poderíamos ter
      resolvido o problema de modelar o tempo de gravação de maneira mais rápida
      e direta utilizando essa relação entre somas de PAs e funções do 2o grau. A partir da constatação
      de que os tempos em cada volta formam uma PA, já sabemos que o tempo  T(n) 
      consumido em  n 
      voltas é da forma 
      
       
      Duas observações
      — por exemplo, T(100) e T(200)
      — são suficientes para determinar 
      a e b. 
      Para tal, basta, novamente, resolver um sistema com duas equações
      e duas incógnitas: 
      
       
      
       
        
      O modelo de
      crescimento quadrático mais conhecido pelos alunos do 2o
      grau ocorre no estudo do movimento uniformemente variado. A verificação
      experimental de que um movimento é uniformemente variado pode ser feita
      explorando exatamente a propriedade acima. Por exemplo, o movimento de um
      corpo em queda livre pode ser estudado através de fotografias estroboscópicas
      do movimento, que registram a posição do objeto a intervalos de tempo
      iguais. A verificação de que os espaçamentos entre as posições
      consecutivas formam uma PA
      permite afirmar que a  
       
      
      Comentários
      finais: 
      
       
      
       
        
      
       O fabricante indica que o comprimento total da fita é 246 metros. Por outro lado, medindo-se o raio do carretel vazio encontra-se 1,2 cm. A partir desses dados e do modelo obtido acima, calcular a espessura da fita e o número real de voltas correspondentes ao número 1902 indicado pelo contador ao final da fita. |