Jogos Geométricos e Formas Espaciais
 

Ana Maria Kaleff e
Dulce Monteiro Rei
Niterói e Angra dos Reis, RJ.

Afinal de contas o que é a Matemática senão a solução de quebra-cabeças? E o que é a Ciência senão um esforço sistemático para obter respostas cada vez melhores para os quebra-cabeças impostos pela natureza?

Martin Gardner

Em nosso artigo VARETAS, CANUDOS, ARESTAS E..., publicado na RPM 28, mencionamos as dificuldades encontradas pelos estudantes no estudo da geometria espacial e apresentamos atividades de construção de sólidos geométricos por meio de materiais concretos, levando o aluno a vivenciar os conceitos espaciais.

Neste artigo apresentamos novas atividades, utilizando vários jogos geométricos do tipo quebra-cabeças espaciais, os quais podem ser facilmente confeccionados com materiais de baixo custo como cartolina, papel cartão ou placas de acetato do tipo usado em chapas de raio-X.

Como toda criança sente fascínio pelo desafio contido nos jogos, os quebra-cabeças têm tido sucesso junto aos alunos e têm sido utilizados em oficinas de Matemática realizadas com estudantes de escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. Essas atividades fazem parte de um museu ativo que está sendo criado no Laboratório de Ensino de Geometria da Universidade Federal Fluminense.

A seguir relacionamos alguns desses jogos, indicando o objetivo de cada jogo, as peças que os compõem, a faixa etária a que se destinam, algumas tarefas e observações orientadoras para sua aplicação com os alunos. Além disso, ressaltamos alguns aspectos pedagógicos importantes que temos observado na aplicação dos jogos e acrescentamos algumas observações de ordem prática sobre a sua confecção.

 

     Os Jogos

JOGO l

Objetivo: construção de um octaedro regular a partir de duas pirâmides regulares de base quadrada.

Composição: é formado por duas peças de mesma cor confeccionadas a partir da planificação desenhada na Figura l.


 

JOGO 2

Objetivo: construção de um tetraedro regular com duas peças iguais.

Composição: é formado por duas peças iguais confeccionadas a partir da planificação desenhada na Figura 3.

JOGO 3

Objetivo: construção do sólido representado na Figura 5 (ver na pág. seguinte), a partir de dois tetraedros e de uma pirâmide de base quadrada.

Composição: é formado por duas peças iguais, confeccionadas a partir da planificação desenhada na Figura 2 e por uma peça, confeccionada em material de outra cor, baseada na planificação desenhada na Figura l.

 

JOGO 4

Objetivo: construção de um tetraedro regular com seis peças, sendo quatro tetraedros regulares e duas pirâmides regulares de base quadrada.

Composição: é formado por duas peças iguais, confeccionadas a partir da planificação desenhada na Figura l e por quatro peças baseadas na planificação apresentada na Figura 2 e confeccionadas num material de cor diferente da usada para as duas outras peças.

 

     Como Aplicar os Jogos

- PARA ALUNOS COM CERCA DE OITO ANOS DE IDADE

Tarefa: apresentamos às crianças um modelo do sólido a ser construído (tetraedro ou octaedro) feito em madeira, papel cartão ou plástico e lhes pedimos que o reproduzam com as peças do quebra-cabeça (previamente confeccionadas).

Observação: apesar de os jogos apresentarem diferentes níveis de dificuldade, pois variam tanto em relação ao número de peças, quanto em relação à forma das peças que os compõem, observa-se que mesmo as crianças pequenas se divertem com essas construções. Tal tipo de "brincadeira" é muito importante, pois desde tenra idade a criança vai formando, em sua mente, a imagem dos sólidos, tomando consciência de suas formas e estabelecendo a identificação delas. Por exemplo, a criança verifica que com as peças do Jogo 3 pode construir um sólido com a mesma forma de cada uma das peças do Jogo 2. E interessante ainda notar que a criança toma contato com aspectos da Matemática que irão colaborar para a formação de seu pensamento abstraio, através de uma atividade lúdica que para ela é mais um jogo, uma diversão, a qual vai permitir que ela se motive para outras atividades matemáticas. Por outro lado, também tem sido constatado que alunos mais velhos e desinteressados pelas aulas de Matemática são motivados para outras atividades matemáticas através da vivência com esses tipos de jogos.

- PARA ALUNOS COM CERCA DE ONZE ANOS DE IDADE

1a Tarefa - Confecção das peças do jogo: pede-se ao aluno que copie, sobre cartolina ou papel cartão, as planificações necessárias para cada um dos jogos. Em seguida, o aluno deve dobrar as linhas formando as faces da peça planificada e deve colar as abas desenhadas. Devemos lembrar ao aluno que as abas não fazem parte da planificação da peça em questão, mas são partes importantes para que possamos obter a peça confeccionada com o material concreto utilizado.

Observação: a confecção dos jogos é um interessante exercício que proporciona oportunidade ao aluno de desenvolver não somente a sua habilidade manual mas também a habilidade para interpretar os desenhos das planificações das peças que formamos jogos.

2a Tarefa - A mesma indicada para as crianças com oito anos de idade.

3a Tarefa - Apresentamos às crianças um modelo do sólido representado por suas arestas (como os "esqueletos" confeccionados com canudos plásticos e apresentados na RPM 28), e lhes pedimos que, com as peças do quebra-cabeça, construam o sólido em questão. Como exemplo, na Figura 4 está desenhado o "esqueleto" de um sólido confeccionado com canudos e na Figura 5 está repre­sentado o mesmo sólido construído com as peças do Jogo 3.

4a Tarefa - Apresentamos às crianças um desenho em perspectiva do sólido para que seja construído com as peças do quebra-cabeça.

Observação: temos notado que crianças que não vivenciaram as tarefas anteriores não realizam cm facilidade as construções a partir dos desenhos.

 

- PARA ALUNOS COM CERCA DE QUINZE ANOS DE IDADE

1a e 2a Tarefas - As mesmas indicadas para as crianças com cerca de onze anos de idade.

3a Tarefa - Confecção do "esqueleto" de um sólido: a descrição de como confeccionar esses "esqueletos" foi apresentada detalhadamente na RPM 28.

Por exemplo, para o aluno obter o "esqueleto" desenhado na Fig. 4, precisa fazer dois tetraedros regulares com canudos de plástico e fio de linha e, então, uni-los por meio de mais dois pedaços de canudo (do mesmo ta­manho dos demais), formando as arestas de   uma pirâmide regular de base quadrada entre os dois tetraedros, como está indicado na Fig. 6.

4a Tarefa - A partir da observação do "esqueleto" do sólido o aluno deverá construí-lo com as peças de algum dos quebra-cabeças.

Observação: entre as demais atividades que realizamos e nas quais utilizamos os jogos, as que mais motivam e instigam os alunos (mesmo os mais jovens) são os exercícios de associação entre sólidos construídos com as peças e desenhos que os representam. Um exemplo de um desses desenhos é apresentado na Figura 7 (a), que pode ser associado a um tetraedro construído com as peças do Jogo 4; outro exemplo é o desenho da Figura 7 (b), o qual pode ser associado ao octaedro construído com as peças do Jogo l. Exercícios de associação, fazendo uso de "esqueletos" dos sólidos, também são bem recebidos pelos alunos.


 

 

     Aspectos Pedagógicos Importatntes

Alguns aspectos pedagógicos importantes relacionados com as tarefas propostas merecem ser ressaltados:

- enquanto nos "esqueletos" se enfatiza a visualização das arestas dos sólidos, nos jogos se ressalta a visualização das faces;

- os desenhos utilizados para a confecção dos "esqueletos" que representam as arestas dos sólidos (veja RPM 28) podem ser comparados com as planificações das faces dos sólidos aqui apresentadas;

- as formas desenhadas podem ser comparadas com as formas construídas, observando-se as representações planas e as representações espaciais de uma mesma figura geométrica. Por exemplo, é importante que o aluno observe que a planificação do tetraedro é formada por triângulos equiláteros, mas que o tetraedro é uma figura espacial, que pode ser desenhada no plano e cujo traçado não é igual ao do triângulo. Observações como essa ajudam a evitar que o aluno confünda o desenho de um tetraedro com o de um triângulo;

- as seções planas que dão origem às peças que compõem os jogos são facilmente visualizadas através da representação das arestas. Por exemplo, temos ob­servado que tanto os alunos menores, quanto a maioria dos adolescentes que "brincam" com o Jogo 2 justapõem as duas peças que o formam, através da seção quadrada, colocando-as simetricamente em relação a essa seção, tendo dificuldade em perceber que necessitam rodar de um ângulo de 90° uma das peças em relação à outra para que obtenham o tetraedro desejado. Isso indica que não é natural que se perceba que este jogo representa o tetraedro regular quando cortado por um plano que passa pêlos pontos médios de quatro de suas arestas. Todavia, a manipulação do jogo e a observação do "esqueleto" correspondente, (veja Figura 4), no qual a seção quadrada é bem visível, ajudam os alunos, muito antes do segundo grau, a reconhecerem esse corte do tetraedro, portanto bem antes de lhes ser ministrado esse conteúdo.

Acreditamos que a manipulação dos materiais, a observação dos desenhos e das figuras construídas auxiliam o aluno na formação das imagens mentais necessárias para que se familiarize não somente com as partes nas quais os sólidos se constituem, mas com noções espaciais mais elaboradas, como as de cortes e de seções planas, preparando-se de uma forma lúdica para resolver problemas que exijam um raciocínio espacial mais desenvolvido.

 

     Observações Sobre a Confecção dos Jogos

Ainda achamos útil acrescentar algumas observações de ordem prática, para que as peças dos jogos geométricos possam ser mais facilmente confeccionadas, fiquem mais bonitas, mais representativas e que tenham vida mais longa:

- cópias ou ampliações das planificações devem ser desenhadas no avesso do papel cartão ou da cartolina e marcadas com a ponta de uma agulha ou estilete de metal, para que as arestas, quando dobradas, fiquem bem marcadas sem apresentarem arredonda­mentos. As "abas" devem ser coladas com cola ou fita gomada sob as faces;peças de cartolina ou de papel cartão se conservam melhor quando recobertas por uma camada de cola plástica ou por uma camada de plástico adesivo;

- nas regiões mais quentes do país, não é aconselhável o uso da fita gomada nas confecções, pois a sua cola pode se desfazer com o calor. Porém, nas primeiras tentativas de confecção das peças, os alunos podem usar a fita devido à facilidade de manuseio;

- o acetato pode ser obtido de chapas usadas em raio-X, as quais deverão ser colocadas numa solução de partes iguais de água e cloro liquido comercial, para que seja retirada a imagem impressa no processo com raio-X. Com esse procedimento o acetato readquire sua cor azul original e pode ser pintado com tinta aderente a plástico, do tipo utilizado na preparação de transparências para retroprojetor. As planificações também devem ser traçadas com essa mesma tinta sobre o acetato;

— as planificações, desenhadas sobre acetato, devem ter as faces recortadas e coladas, uma a uma, sobre a lâmina de plástico adesivo, enquanto as abas devem ser cortadas somente no plástico. Assim procedendo, as arestas serão formadas pelo adesivo, sendo facilmente dobráveis, não apresentando arredondamentos, e as abas, que deverão ser coladas sobre as faces, ficarão invisíveis. As peças confeccionadas com acetato são mais resistentes e duráveis do que as obtidas com outros materiais.

NR.: Nunca é demais enfatizar que artefatos constituem uma ferramenta a mais para provocar o aprendizado. Não podemos esquecer que, embora motivador para muitos, alguns estudantes podem até se sentir desestimulados se o ensino da Matemática estiver muito vinculado a habilidades manuais que artefatos costumam requerer.

Referências Bibliográficas

[l] KALEFF, A M "Tomando o ensino da Geometria em nossas mãos.. ",A Educação Matemática em Revista, SBEM, n.° 2, págs. 19-25, 1994.

[2] LORENZATO, S "Por que não ensinar Geometria?", A Educação Matemática em Revista, SBEM, ano III, págs. 3-13, 1995.

[3]  GARDNER, M. Divertimentos matemáticos. 2a edição. São Paulo: Editora IBRASA, 1967.

 

Ana M. Kateff é  prof. do Depto. de Geometria da Un. Fed. Fluminense, Niterói, RJ, responsável por projetos de ensino de Geometria, financiados pelo SPEC/PADCT/CAPES/MEC.

Dulce Monteiro Rei é prof da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis, RJ.