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Renate G. Watanabe
Acontecem fatos estranhos quando se ensina Trigonometria: Observe as tabelas abaixo contendo alguns valores de duas funções f e g
As duas funções não são iguais; no entanto, em nossas aulas, chamamos ambas de seno. Sempre medimos ângulos e arcos em graus. Por que, de repente, no 2.° grau, resolvemos medir arcos em radianos?... e, fora da trigonometria, continuamos usando graus? Se numa calculadora apertarmos os botões " ", "seno", " = " e, depois, "l 80", "seno", " = ", os dois resultados não deveriam ser "zero"? Pois não são E sen l vale quanto? Este artigo vai tentar esclarecer essas questões. Falaremos apenas do "seno", mas o que for dito se estende às demais funções trigonométricas.
A Trigonometria é uma parte bem antiga da Matemática. Já antes de Cristo, o interesse pela astronomia, agrimensura e navegação provocou o aparecimento das razões trigonométricas e sua tabulação. A primeira "tabela trigonométrica" de que se tem conhecimento foi compilada por Hiparco, no século II a. C. Desde a sua origem e, certamente, até a Renascença, a Trigonometria foi usada para resolver problemas de natureza geométrica. E nesse contexto que, na 8.ª série, definimos, pela primeira vez, a função Seno (aqui denotada com um S maiúsculo): No triângulo retângulo ABC, se for um dos ângulos agudos,
Sen =1, se for um ângulo reto, Sen = Sen , se e forem suplementares. Como a medida de ângulos, em Geometria, varia de 0 a 180 graus, o Seno acima definido pode ser visto como uma função cujo domínio é o conjunto dos números reais entre 0 e 180 (acrescentando na definição que Sen 0 = 0). E, enquanto usamos a Trigonometria
para resolver problemas de Geometria,
essa função Seno - e suas companheiras
Cosseno e Tangente -atendem a todas as necessidades.
A transição das razões trigonométricas para funções periódicas de domínio IR, de aplicações mais amplas, começou com Viète, no século XVI, e culminou nos trabalhos de Euler, no século XVIII. Nós fazemos essa transição no 2.° grau, quando apresentamos, as "funções circulares". Com pequenas variações na linguagem, procedemos da seguinte maneira para "ampliar" a função Seno. No plano cartesiano, considera-se a circunferência de centro na origem e raio unitário. Dado um número x entre 0 e 360, associa-se a esse número um ponto P da circunferência tal que a medida em graus do arco orientado que começa em A = (l ,0) e termina em P seja x. (Arco orientado e x > 0 significa que o percurso de A até P deve ser feito no sentido anti-horário.) Sen x = ordenada de P. Se x for negativo, ou maior do que 360, então Sen x = Sen r, onde x=360q+ r, com q Z e 0 r < 360. Essa função Seno (denotada por f (x) no inicio do artigo), de domínio IR, periódica, atendeu às necessidades da Física, mas apresenta um grande inconveniente na parte referente a cálculos O estudo de fenômenos físicos quase sempre requer o uso de equações diferenciais, isto é, Eis por que:
Lembrando a definição de derivada, temos:
Teria sido muita sorte mesmo se a função Seno tivesse uma derivada "agradável". Afinal, sua definição depende da de grau, e essa unidade foi criada (~ 400 a.C.) pelos babilônios, que, por razões até hoje não totalmente esclarecidas, usavam o sistema sexagésimal. A inconveniência de se carregar essa constante /180 nos cálculos propiciou a criação de uma nova função seno, com as mesmas propriedades da anterior, e cuja derivada é a função cosseno. Designaremos essa função por seno com s minúsculo. No 2.° grau essa nova função pode ser assim definida: No plano cartesiano, considera-se a circunferência de centro na origem e raio unitário (isto é, a circunferência passa pelo ponto (1,0) e o seu raio passa a ser a unidade de medida). Dado um número x, efetua-se sobre a circunferência, a partir de A = (1,0), um percurso de comprimento x (no sentido anti-horário se x > 0 e no sentido horário se x < 0). Seja P o ponto de chegada. sen x = ordenada de P. Essa função seno (denotada por g (x) no inicio do artigo) tem todas as propriedades da anterior e a seguinte vantagem, que pode ser vista tanto na figura acima como na tabela a seguir:
E é esse o motivo por que, fora da Geometria, apenas essa função seno é usada. Aqui cabem algumas observações: l. Na definição dada, para 0 < x < 2, x é a medida em radiamos do arco orientado AP. Mas, como se viu, não foi necessário introduzir o radiano para definir a função seno. A palavra radiano data de 1873, e é uma criação posterior à da função seno. Aparentemente, veio da fusão das palavras radial angle, que deu radiem em inglês e radiano em português. 2. Pode-se definir a função seno (e as demais funções trigonométricas) sem fazer alusão a arcos, ângulos ou percursos (ver, por exemplo, Análise real, de Elon Lages Lima, IMPA, vol. l, p. 162). 3. Já que a função Seno, de domínio IR, não tem utilidade, pode-se definir Seno de um ângulo e, daí, passar diretamente para a função seno (ver, por exemplo. Cálculo, de Serge Lang, vol. l, p. 81).
Para definir seno de um número x, no 2.° grau, efetua-se, na verdade, a composição de duas funções: uma, que ao número x associa um ponto P da circunferência, e outra, que a esse ponto P associa sua ordenada.
O problema está na associação (l), que costuma ser feita de dois modos: a x associa-se P tal que o arco AP mede x graus; a x associa-se P tal que o arco AP mede x radianos.
No primeiro
caso fica definida
a função Seno e, no segundo caso, a função seno.
Alguns livros didáticos, lançados em outros países, reconhecem a existência das duas funções seno e usam símbolos diferentes para representá-las. No Brasil há uma espécie de "acordo de cavalheiros". Quando a palavra seno aparece na frente de números como 30, 45, 180, etc., assumimos tratar-se da função Seno Se essa mesma palavra aparece na frente de números como , 2/3, /6, etc., assumimos tratar-se da função seno... e evitamos perguntar quanto vale o seno de l para não criar confusão. Quando pedimos aos nossos alunos que resolvam a equação sen x = 0, aceitamos como corretas as soluções x = k ou x = k 180, mas reclamamos, é claro, se o aluno disser que = 180. Uma possível saída é usar sempre o símbolo "grau" quando se trata da função Seno, isto é, escrever sen 30°, sen 45°, sen 500°, sen 1°, (embora Seno seja uma função de domínio IR), e reservar o símbolo "sen" para a função seno. sen n, sen 34, sen 1, etc.
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