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Elon
Lages Lima Continuando
a discussão de pontos controvertidos
e conceitos que podem ocasionar duvidas, falaremos hoje sobre as raízes
da equação
(respondendo a um leitor) e
sobre logaritmos de números negativos (5ª questão colocada quando do
lançamento da RPM). Continuem enviando suas perguntas para o meu endereço
no:
Duas dessas raízes
são evidentes: x = 2 e x = 4. Mas, traçando os gráficos das funções y
= 2x e y = x2, constatamos que há uma raiz
negativa, como se vê na figura abaixo.
A propósito dessa raiz negativa, o Professor Carlos Alberto Ceotto, de Vitória, E.S., pergunta: 1º) Tal raíz é um número racional ou irracional? 2º) É possível obtê-la por um processo puramente algébrico? O problema de determinar as raízes das equação me tem sido proposto várias vezes, em diferentes ocasiões. A curiosidade que ele suscita talvez se deva ao fato de que as pessoas geralmente se sentem inseguras quando, para resolver uma equação, precisam apelar para os execráveis “métodos numéricos”. Estamos condicionados a preferir métodos “algébricos”, fórmulas assim como a da equação do 2º grau, ou artifícios específicos para cada equação que enfrentamos. Ao adotarmos este ponto de vista, entretanto, estamos esquecendo duas coisas: a) Uma “fórmula fechada”, como a que existe para equações do 2º , 3º e 4º graus, é muitas vezes uma vitória ilusória, nem sequer nos dá uma idéia da ordem de grandeza das soluções; b) Todo processo de resolução de uma equação recai, mais cedo ou mais tarde, num cálculo numérico que dará o resultado final, com a aproximação desejada. No caso em questão, a raíz negativa da equação pode ser obtida de modo simples, pelo método das aproximações sucessivas, como mostraremos no final desta seção. O resultado é x = -0,7666646959, com 10 algarismos decimais exatos. Mas antes abordaremos as perguntas feitas pelo Professor Ceotto. A primeira resposta
é negativa, isto é, a raiz negativa da equação proposta é um numero
irracional. Isto se prova por absurdo. Suponha que p/q fosse uma equação
irredutível
Ora, se p for ímpar, o primeiro membro desta última igualdade é um inteiro que contém um número impar de fatores iguais a 2 enquanto o segundo membro contém um numero par (talvez zero) de fatores 2. Se, entretanto, p for par então q será ímpar, logo o primeiro membro é divisível por 2 mas o segundo não é. De qualquer maneira, tem-se uma A segunda pergunta equivale a indagar se a nossa solução negativa é um número algébrico. Lembremos que um número (real ou complexo) se chama algébrico quando é raiz de alguma equação do tipo p(x) = 0, onde p(x) é um polinômio com coeficientes inteiros. Por exemplo, todo número que se obtém partindo de números racionais e submetendo-os a um numero finito de operações de adição, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes (de quaisquer índices) é algébrico. Um número que não é algébrico chama-se transcendente. Por exemplo, p, e e são números transcendentes. A resposta à segunda pergunta também é NÃO. A raiz negativa da equação não pode ser obtida por métodos puramente algébricos porque é um numero transcendente. Para provar isto, vamos ter que utilizar um resultado famoso, o Teorema de Gelfond-Schneider, que diz o seguinte: Se a, b são números algébricos e b é irracional, então ab é transcendente (exceto, evidentemente, quando a = 0 ou a = 1). Ora, 2 é claramente algébrico e, como vimos, a raiz negativa x de nossa equação é irracional. Se x fosse algébrico então, pelo Teorema de Gelfond-Schneider, 2x seria transcendente. Mas se x é algébrico, x2 também será. Logo não pode ser 2x = x2. Agora vejamos como calcular numericamente a raiz negativa da equação : Consideremos a função f: [0,+ definida por f (x) = Se o número a 0 for tal que f (a) = a, então – a será raiz negativa de . Para resolver equações da forma f (x) = x, existe um método chamado “das aproximações sucessivas”, que funciona muito bem quando a derivada da função f cumpre uma condição do tipo onde l é constante.
O “método das aproximações sucessivas” opera assim: começamos com qualquer número x0 ³ 0. A seqüência de aproximações sucessivas. convergirá para um limite a ³ 0, o qual é a única solução f (x) = x. Então – a será a única solução negativa de . Usando uma calculadora que tenha a tecla xy, e começando com x0=0, obtemos as aproximações sucessivas.
e a partir daí, vêm x18 = x19 = x20 etc. Isto significa que aproximações melhores para a solução procurada só podem ser obtidas com 11 ou mais casas decimais, enquanto nossa calculadora só tem 10. Na verdade, x18 é uma excelente aproximação para tal raiz; até mesmo exagerada para a maioria dos usos. Para terminar,
talvez seja interessante apresentar uma interpretação gráfica do método
das aproximações sucessivas. Traçamos os gráficos das funções
e y = x. a partir da origem do sistema de coordenadas, traçamos uma
poligonal, cujos lados são alternadamente verticais e horizontais, e
cujos vértices estão ora sobre a curva
, ora sobre a reta
Resposta: Números (reais) negativos têm logaritmo complexo. Mais precisamente, todo numero (real) negativo tem uma infinidade de logaritmos e nenhum dele é um número real. Esta resposta sugere duas novas perguntas: 1.ª) Como se define o logaritmo (complexo) de um número real negativo? 2.ª) Seria possível organizar uma teoria de logaritmos de tal maneira que todos os números reais (positivos ou não) tivessem logaritmo real? Para responder a essas perguntas, reexaminaremos os conceitos de logaritmo e exponencial. Fixemos um número a > 0 e consideremos a função f: R ® R +, definida por f(x) = ax . Sabemos que n se é um inteiro positivo então an é o produto de n fatores iguais a a, enquanto a-n = 1/an. Se p/q é um número racional com q > 0 então então ap/q= Finalmente, se x = lim rn é um número irracional do qual (rn) é uma seqüência de aproximações racionais então as potencias são valores aproximados de ax, ou seja, . Esta é , em síntese, a definição da função exponencial f(x) = ax. As regras familiares a1=a e ax+y = ax.ay significam que a função exponencial f: R ®R+, dada por f(x)=ax, tem as propriedades seguintes: E1 . f (1) = a; E2
. f (x + y) = f (x) . f (y). Na realidade, f(x) = ax é a única maneira possível de se definir uma função continua f: R ® R+ com as duas propriedades acima. Evidentemente, se a= 1 então f(x)=1x = 1 para todo x Î R, logo a função exponencial não tem interesse neste caso. Por isso suporemos a¹1. Mais precisamente, tomaremos a > 1. Então f: x ® ax será uma bijeção crescente de R sobre R+. (Se escolhêssemos a < 1, f seria decrescente). Assim, f possui uma função inversa g: R+ ® R. A função g: R+ ®R, inversa da exponencial de base a, chama-se função logarítmica de base a. Tem-se g (f (x)) = x para todo x Î R e f (g (y)) = y para todo y Î R+. Escreve-se g (y) = loga y ou (já que fixamos a base a de uma vez por todas) g(y) = log y. Assim, log ax = x e a logy = y, por definição. Segue-se que log a = 1 e log (xy) = log x + log y para quaisquer x, y Î R+. Portanto a função logarítmica g: R+ ® R tem as seguintes propriedades: L1.
g (a) = 1; L2
. g (x . y) = g (x) + g (y). Na verdade, g (x) = log x (= logax) é a única maneira de se definir uma função continua g: R+ ® R com as propriedades L1 e L2. Esta afirmação (que não provaremos aqui) implica que se podem deduzir todas as propriedades dos logaritmos a partir de L1 e L2. Um exemplo simples: L2 obriga que seja g (1) = 0. Com efeito, g (1) = g (1.1) = g (1) + g(1). Costuma causar curiosidade o fato de a função logarítmica estar definida apenas para números reais positivos. Evidentemente, se insistirmos que essa função seja a inversa da exponencial, log y só poderá ter sentido para valores positivos de y, pois estes são os únicos valores assumidos por ax. Mas poderíamos abrir mão da igualdade log ax=x e tentar simplesmente obter uma função contínua j : R ®R com as propriedades L1 e L2 [isto é, j(a) = 1 e j (xy) = j (x) + j(y)]. Pela unicidade acima mencionada, teríamos necessariamente j(x)=log x quando x > 0. De saída, uma dificuldade: se j cumpre L1 e L2 então o valor j(y) não pode estar definido para y = 0. com efeito, neste caso teríamos j(0) = j(0.y) = j(0) + j(y), donde j(y) = 0 para todo y, contradizendo L1. Este é, entretanto,
o único obstáculo. Removendo o zero domínio, podemos definir uma função
continua j:
R – {0} ®R
, pela regra j(x)
= log [x]. Então valem L1 e L2. na realidade, j
é a única extensão da função log a R – {0} que mantém essas duas
propriedades. Com efeito, a validez de L2 obriga 0 = log 1 = j
(1) = j
((-1)(-1) = j(-1)
+ j(-1),
logo j(-1)
= 0. Daí j(-y)
= j((-1)y)
= j(-1)
+ j(y)
= j(y)
= log y = log
para
todo y > 0. Aparentemente o problema está resolvido. A regra log y = log (-y) permite estender a função logarítmica aos números negativos, de modo que seus valores continuem reais e ainda se tenha se o logaritmo do produto seja a soma dos logaritmos dos fatores. Infelizmente, porém, não vale mais a igualdade alogx = x. Temos apenas alogx = O ponto onde chegamos retrata a situação em que se encontrava a teoria dos logaritmos na primeira metade do século 18. Leibniz era de opinião que um numero negativo não pode ter logaritmo real porque toda potencia de expoente real de um número positivo a é um número positivo. Jean Bernoulli afirmava que números negativos têm logaritmos real. E mais ainda: que log (-x)=log x. Seguiu-se uma longa controvérsia epistolar (em torno de 1712), onde cada um dos dois alinhava argumentos em favor do seu ponto de vista, assumindo posições mais e mais radicais, sem chagarem nunca a um acordo. Pelo que vimos acima, suas opiniões (ambas respeitáveis) pareciam irreconciliáveis. Leibniz olhava para o logaritmo de x na base a como o expoente y tal que ay = x. Jean Bernoulli insistia na validez da regra log (xy) = log x + log y. O fato é que estas duas atitudes só podem ser compatíveis quando nos limitamos a considerar logaritmos de números positivos. Foi aí que Leonard Euler, em 1749, escreveu um trabalho com o seguinte titulo: “Da controvérsia entre os Senhores Leibniz e Bernoulli sobre os logaritmos dos números negativos e imaginários”. Nele, Euler esclareceu definitivamente a questão, formulando a teoria dos logaritmos nos ternos que até hoje são aceitos e realizando o feito de conciliar os pontos de vista, aparentemente antagônicos, de Leibniz e Jean Bernoulli.Vejamos como. Em primeiro lugar, Euler adotou com base de suas exponenciais e seus logaritmos o as fórmulas e facilita o desenvolvimento das idéias. O ponto de partida para a teoria da exponencial e do logaritmo segundo Euler é a definição da potencia ez, onde o expoente z = x + yi é um numero complexo. Sabe-se do Cálculo que para todo numero real x, tem-se as reticências significando que se trata de uma série infinita. A igualdade acima significa que a soma das n primeiras parcelas do segundo membro é um valor aproximado para ex e que essa aproximação pode tornar-se tão precisa quanto se deseje, desde que n seja tomado suficientemente grande. Conheciam-se também, desde muito antes de Euler, os desenvolvimentos em série de sen x e cós x, que são: O desenvolvimento em série de ex para x real sugere de modo evidente a definição da exponencial ez onde z = x + iy é um numero complexo . Basta por: No caso particular
em que z = iy é um “imaginário puro”, levando-se em conta os valores
das potencias sucessivas de i =
uma manipulação bem simples
mostra que se tem.
Logo eiy=cos
y + i sen y. Esta é a maravilhosa fórmula de Euler. Dela resulta
que, para
Uma conseqüência imediata da formula ez = ex (cos y + i sen y) é que todo numero complexo w ¹ 0 é da forma w = ez para algum z, ou seja, que a função exp: C ® C – {0}, dada por exp(z) = ez, é sobrejetiva. Ela mostra também que exp não é injetiva. Com efeito, tem-se ez = ez se, e somente se z = x + iy e z’ = x + i (y + 2p), onde k é inteiro. Euler definiu o logaritmo de um numero complexo w ¹ 0 como um número complexo z tal que ez = w. Se w = r (cos q + i sen q) = reiq é a “forma polar” do numero complexo w então w = e log r (cos q + i sen q) = ez , onde z = log r + iq. Como ao ângulo q está definido a menos de um múltiplo inteiro de 2p, e como r = ½w½, temos log½w½+ (2Kp + q)i, para qualquer k Î Z. Isto mostra explicitamente que o logaritmo de um número complexo tem uma infinidade de valores. Citamos, a este respeito, um trecho do artigo de Euler acima mencionado: “Vemos, portanto que é essencial à natureza dos logaritmos que cada número tenha uma infinidade de logaritmos e que todos esses logaritmos sejam diferentes, não somente entre si mas também de todos os logaritmos dos demais números. Ocorre com os logaritmos o mesmo que com os ângulos ou arcos de círculo; pois como a cada seno ou cosseno corresponde uma infinidade de arcos diferentes, bem assim a cada número convém uma infinidade de logaritmos. Mas é preciso aqui observar uma grande diferença: todos os arcos que correspondem ao mesmo seno ou cosseno são reais, mas todos logaritmos de um mesmo número são imaginários, com exceção de um único de o número dado for positivo, e todos os logaritmos dos números negativos ou imaginários são, sem exceção, imaginários”. Por exemplo, como -1 = cosp + i senp = epi, segue-se que log (-1) = pi + 2kpi (k = 0, ±1, ±2,...). Mais geralmente, se x é qualquer número real positivo então –x=x (cosp + i senp) = e logx + pi, logo log (-x) = log x + (2k + 1) pi, k Î Z. Para nenhuma escolha de k se tem um valor real para log (-x). Por outro lado, se x é ainda um número real positivo e ey = x então temos também ey+2p1 = x para todo k Î Z, logo todos os números da forma y + 2 kpi, k Î Z, são logaritmos de x. Apenas a escolha k=0 fornece um logaritmo real. Os demais são todos complexos. Euler observa que, se interpretarmos o símbolo log w como significando o conjunto de todos os números complexos z tais que ez = w, então continua válida a fórmula: Log (vw) = logv + log w, com o seguinte significado: um número complexo é um logaritmo de vw (isto é, pertence ao conjunto log (vw)) se, e somente se, é soma de um logaritmo de v com um logaritmo de w. Para comprovarmos que Euler tinha razão quando dizia ser essencial à natureza dos logaritmos que cada numero tenha uma infinidade deles, basta observar que a única função contínua j: C – {0} ® C tal que j (wz) = j (w) + j (z) e j (e) = 1 é a função definida por j (w) = log |w|. Isto significa que, se insistirmos que cada número tenha um só logaritmo (mesmo complexo) então a regra elog w = w deixa de ser válida. Está é, em resumo, a solução genial de Euler: admitindo uma infinidade de logaritmos para cada número, tem-se elog w = w, como queria Leibniz, e vale ainda log (wz) = log w + log z, conforme pretendia Jean Bernoulli.
Observação:
Ao contrário do caso real, f(z) = ez é apenas uma entre as
infinitas possibilidades de definir uma função continua f: C ®
C – {0} tal que f(1) = e e f(w +z) = f(w) . f(z).
Outras possibilidades são dadas pelas fórmulas: f(z) = ay .
ez, onde a é um número real positivo escolhido
arbitrariamente e z = x + y i. |