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Por
intermédio de um colega, tomei conhecimento do artigo intitulado “O
Teorema de Euler sobre poliedros”, escrito pelo Professor Elon Lages
Lima e publicado no número de outubro de 1982 do “Noticiário da
Sociedade Brasileira de Matemática”. Sou
professor de Matemática e já perdi a conta do número de vezes que
demonstrei - ou julguei tê-lo feito - em classe o Teorema de Euler para
poliedros. Por isso fiquei muito chocado ao saber que a demonstração que
sempre usei, e que consta de todos os livros-texto que conheço, não está
certa. Na
esperança de aprender uma demonstração correta, li com grande atenção
o referido artigo. Estou agora convencido de que a argumentação que eu
utilizava é insuficiente. Infelizmente, a maneira sugerida pelo autor do
artigo para corrigir o que ele chama “a demonstração de Cauchy” me
parece excessivamente elaborada e longa para o nível dos alunos de nossos
colégios. Por outro lado, num trecho do seu trabalho, o Professor Elon
menciona uma demonstração particular, válida apenas para poliedros
convexos, e faz referência a um livro de autores alemães, traduzido para
o inglês, onde se encontra tal prova. Consegui
uma cópia xerox daquela demonstração e, depois de meditar assunto,
decidi que prestaria um serviço aos meus colegas divulgando a minha
maneira de ver essa prova do Teorema de Euler. O
teorema a demonstrar é o seguinte: Seja
P um poliedro convexo com F faces. A arestas e V vértices.
Tem-se necessariamente F -
A + V = 2. Para
que não haja ambigüidade quanto aos termos que empregaremos, é
conveniente relembrar algumas definições. Um
conjunto C, do plano ou do espaço, diz-se convexo quando qualquer
segmento de reta que liga dois pontos de C está inteiramente contido em
C. Um
poliedro é uma reunião finita de polígonos convexos, chamados as
faces do poliedro. Os lados desses polígonos chamam-se arestas
do poliedro e os vértices: dos polígonos são também chamados vértices
do poliedro. Exige-se ainda que a interseção de duas faces quaisquer
do poliedro seja uma aresta comum a essas faces, ou um vértice comum, ou
seja vazia. Diz-se
que um poliedro é convexo quando ele limita um sólido convexo no
sentido da definição acima. Cada aresta de um poliedro convexo é lado
de exatamente duas faces desse poliedro. Aceitaremos este fato como parte
da definição, embora saibamos que ele pode ser demonstrado a partir
dela. Para
demonstrar o Teorema de Euler começamos escolhendo uma reta r que não
seja paralela a nenhuma das faces do poliedro convexo P. Tomamos também
um plano H, que não intersecta P e é perpendicular a reta r. O plano H
será chamado plano horizontal e as retas paralelas a r (logo
perpendiculares a H) serão chamadas retas verticais. H divide o espaço
em dois semi-espaços, um dos quais contém o poliedro P. Este será
chamado o semi-espaço superior; diremos que seus pontos estão acima de
H. Para
melhor ilustrar nosso raciocínio, imaginaremos o sol brilhando à pino
sobre o semi-espaço superior, de modo que seus raios sejam retas
verticais. A cada ponto x do semi-espaço superior corresponde um ponto x
em H, chamado a sombra de x, obtido como interseção do plano H com a
reta vertical que passa por x. A sombra de qualquer conjunto X, contido
no semi-plano superior é, por definição, o conjunto X’, contido em H,
formado pelas sombras das pontos de X. A
interseção de uma reta vertical com o conjunto convexo limitado pelo
poliedro P é um subconjunto convexo dessa reta, logo (se não for vazia)
é um segmento de reta, cujos extremos pertencem a P, ou é um único
ponto de P. Segue-se que uma reta vertical arbitrária só pode ter 0, 1
ou 2 pontos em comum com o poliedro convexo P. A
observação acima pode ser reformulada do seguinte modo: cada ponto da
sombra P’ do poliedro P é sombra de um ou de dois pontos de P. Ora,
a sombra P’ do poliedro P é um polígono convexo do plano horizontal,
cujo contorno
é a sombra de uma poligonal
fechada
, formada por arestas de P. Cada ponto de
é sombra de um único ponto
de P (pertencente a
). A poligonal
é chamada o contorno aparente
do poliedro P. Cada ponto interior de P’ (isto é, não pertencente a
) é sombra de 2 pontos de P. Dados dois pontos de P que têm a mesma
sombra, ao mais alto (mais distante de H) chamaremos ponto iluminado;
o mais baixo será chamado sombrio. Assim,
a poliedro P se decompõe em 3 partes disjuntas: o conjunto dos pontos
iluminados, o conjunto dos pontos sombrios e o contorno aparente
. Por
exemplo, seja P o cubo que tem os quadrados ABCD e A’B’C’D’ como
faces opostas. Pendurando-o pelo vértIce A (de modo que A e C’ estejam
na mesma vertical), as faces AA’B’B, AA’D’D e ABCD ficarão
iluminadas e as outras 3 sombrias. O contorno aparente será a poligonal
A’B’BCDD’A’.
Seja
P1
o conjunto dos pontos
iluminados de P mais o contorno aparente y. Cada ponto de P’
é a sombra de um único ponto de P1
. Noutras palavras, a regra que associa a cada ponto x de P1
sua sombra x’ é uma
correspondência biunívoca entre P1
e P’. Usaremos a
notação P1
para representar o polígono
P’ decomposto como reunião de polígonos justapostos, que são sombras
das faces contidas em P1, isto é, das faces iluminadas. Evidentemente,
poderíamos também considerar o conjunto P2
, formado pelos pontos sombrios de P mais o contorno aparente y.
A regra que associa a cada ponto y de P2
sua sombra y’ também é
uma correspondência biunívoca entre P2
e P’. Escreveremos P2 para indicar a sombra de P2
expressa como reunião das sombras das faces sombrias de P, isto é,
contidas em P2
. Complementaremos
os preparativos para a demonstração do Teorema de Euler observando que
se decompusermos cada face de P em triângulos, traçando diagonais em
cada uma delas, alteraremos os números F, A e V individualmente, mas a
expressão F–A+V permanecerá com o mesmo valor. Com efeito, cada vez
que se traça uma diagonal numa face, os números F e A aumentam, cada um,
de uma unidade e o numero V não muda. Na expressão F–A+V, os acréscimos
de F e A se cancelam. Portanto, a fim
de demonstrar o Teorema de Euler, não há de generalidade em supor que
todas as faces do poliedro P são triângulos. Esta hipótese será feita
a partir de agora. Como
toda face tem 3 arestas e cada aresta pertence a 2 faces, segue-se que 3F
= 2A esta relação será usada logo mais. Montando o cenário e apresentados os personagens, iniciaremos agora a ação. A idéia da demonstração consiste em calcular de duas maneiras distintas a soma S dos ângulos internos dos triângulos que compõem o poliedro P. Em
primeiro lugar, há F triângulos e a soma dos ângulos internos de cada
um deles é igual a 2 ângulos retos, isto é, a p
radianos. Portanto S =
. F. Como F = 3F – 2 = 2A – 2F, podemos escrever: Por
outro lado, temos S = S1 + S2, onde S1 é
a soma dos ângulos internos dos triângulos iluminados e S2 é
a soma dos ângulos internos dos triângulos sombrios. A
fim de calcular S1, partimos da observação super-evidente
(porém crucial) de que a soma dos ângulos internos de um triangulo T é
igual à soma dos ângulos internos de sua sombra T’. Daí resulta que S1
é igual à soma dos ângulos internos dos triângulos nos quais esta
decomposto o polígono convexo P’1, sombra de P1.
Para calcular esta última soma, somemos os ângulos vértice
a vértice, em vez de soma-lo triângulos por triangulo, como
acima. Sejam
V1 o numero de vértices iluminados, V2, o numero de
vértices sombrios e V0
o numero de vértices do contorno aparente
.
Então V = V0 + V1 + V2. Notemos ainda
que V0 também o número de vértices (e de lados) da poligonal
’,
contorno do polígono convexo P’. Em
P1 temos V1 vértices interiores (sombras dos vértices
iluminados) mais V0 vértices do contorno
’.
A soma dos ângulos que têm
como vértices um dado vértice interior é igual a 2
radianos (4 ângulos retos). A soma de todos os ângulos que têm vértice
sobre o contorno ’
é igual a
(V0 – 2), de acordo com a expressão bem conhecida da soma
dos ângulos internos de um polígono com V0 lados. Segue-se
que: Por um raciocínio
inteiramente análogo, obteríamos: S2
= 2
. V2 +
(V0 – 2). Somando
estas duas igualdades, vem: Comparando com a igualdade S = 2 . A – 2 . F, acima, obtida, e dividindo por 2 , resulta que ou seja, F
– A + V = 2, como queríamos demonstrar.
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