Poliedros, abelhas, arquitetura e ... futebol

Luis Márcio P. Imenes
Colégio Gávea – São Paulo
Colégio Anglo - Campinas

José Jakubovic
Colégio Oswalde de Andrade
São Paulo

 

     Forma, tamanho e posição das coisas

Todos os objetos do mundo físico em que vivemos possuem alguma forma, algum tamanho ou ocupam alguma posição no espaço.

Medir (qual é a altura daquela torre?), examinar formas (a Terra é redonda?), comparar tamanhos (a água deste copo cabe naquela xícara?) analisar posições (a rua A é perpendicular ou paralela à rua B?), são preocupações cotidianas do ser humano. Geometria é a ferramenta que ele criou para estudar estes problemas.

Algumas das formas encontradas ao nosso redor são formas geométricas clássicas, conhecidas, estudadas e já receberam nomes: o dado é cúbico, a bola de futebol é esférica, a lata de cerveja é cilíndrica, ao azulejo é quadrado, etc.

Podemos contrapor a estas, a forma de uma pedra, por exemplo, que, em geral, é  irregular .
 

     A forma poliédrica  

Muitos são os objetos e coisas de forma poliédrica. Esta é “bem definida”. Os poliedros são sólidos delimitados por faces planas poligonais.

As latas de cerveja não têm forma poliédrica, pois são delimitadas por uma  superfície cilíndrica não plana. O cone e a esfera também não são poliedros.  
 

     Abelhas e poliedros  

As formas poliédricas são encontradas na natureza. Os alvéolos que compõem o favo de mel das abelhas européias são poliédricos.

Estes alvéolos lembram prismas hexagonais que se encaixam perfeitamente compondo o favo de mel.

Prismas triangulares e prismas de base quadrada também se encaixam (os prismas regulares pentagonais também se encaixam perfeitamente bem?). Entretanto, com os alvéolos hexagonais as abelhas obtêm, para uma certa quantidade de cera, um máximo de espaço. (Tente provar isto!).

(Nos textos de matemática do Telecurso 1º grau – aulas 47 e 66 – discute-se esta questão).

Algumas abelhas silvestres constróem colméias com uma “arquitetura” diferente da das abelhas européias. Elas armazenam o mel que produzem em pequenos potinhos cuja forma é a de um poliedro pouco conhecido: o octaedro truncado.

Para obtê-lo, comecemos por um octaedro cujas arestas foram divididas em três partes iguais (Fig. a). Agora vamos seccionar (truncar) cada uma das suas seis pontas, como mostra a figura seguinte (Fig. b). Retirando as 6 pontas sobra o octaedro truncado. (Fig. c).

Quantos vértices, arestas e faces possui este poliedro?

Esta é a forma dos potinhos onde aquelas abelhas silvestres guardam o seu mel.

Uma propriedade  muito interessante do octaedro truncado é que se tivermos vários deles, do mesmo tamanho, podemos empilhá-los, numa aglomeração perfeita, que não deixa espaços vazios:

É assim que ficam empilhados os potinhos de mel daquelas abelhas silvestres.

Diversos cubos de mesmo tamanho também podem ser aglomerados sem deixar espaços vazios. Será possível empilhar octaedros regulares sem deixar espaços vazios?

Mais uma propriedade muito interessante do octaedro truncado: de todos os poliedros que podem ser aglomerados sem deixar vazios ele é o mais econômico: para uma dada superfície ele é o de maior volume. Como poderíamos provar isto? Podemos lhe garantir que não é muito simples.

Como se vê, as abelhas  são mestres em Economia!

 

     Poliedros regulares  

Dentre as infinitas formas poliédricas, existem algumas que, pelo seu “equilíbrio”, pela sua simetria, há muito tempo exercem fascinação sobre os homens. Como exemplo podemos citar a forma poliédrica das pirâmides egípcias.

E dentre estas formas “esteticamente harmoniosas” destacam-se os poliedros regulares. Assim são chamados aqueles poliedros  convexos que satisfazem simultaneamente às seguintes condições:

a)      todas as faces do poliedro são polígonos regulares congruentes entre si;

b)      de cada vértice do poliedro parte o mesmo número de arestas.

Assim, por exemplo, o cubo é um poliedro regular:

Suas 6 arestas são quadrados e de cada um de seus 8 vértices partem 3 arestas.


O octaedro regular também é um poliedro regular: Suas 8 faces são triângulos eqüiláteros congruentes e de cada um de seus 6 vértices partem 4 arestas.


O poliedro da Fig. d é delimitado por 6 triângulos eqüiláteros? Ele é regular?

O paralelepípedo retângulo (forma da caixa de fósforo) é um poliedro regular?

Imagine um poliedro tal que, de cada  vértice parte o mesmo número de arestas, mas suas faces não têm todas o mesmo número de lados. Ele será regular?

É possível provar que só existem cinco tipos de poliedros regulares. Esta demonstração costuma ser encontrada nos textos de Geometria Elementar.

         

Os cinco poliedros regulares já eram conhecidos pelos geômetras da Grécia Antiga. Como se vê, há séculos que estas formas geométricas encantam os homens. Este encantamento não é só no plano abstrato das idéias. Estas formas aparecem nos cristais da natureza e é possível que os geômetros gregos conhecessem tais cristais. Mais incrível ainda é que os cinco poliedros regulares são encontrados nas estruturas dos radiolários que pertencem ao plâncton marinho.


                  

     Poliedros e Astronomia

Em fins do século XVI, Kepler usou os poliedros regulares numa imaginosa explicação sobre os movimentos dos astros. Na época eram conhecidos apenas seis planetas do sistema solar: Mercúrio, Vênus, Terra , Marte, Júpiter e Saturno. Kepler acreditou que “nada no mundo foi criado por Deus sem prévio planejamento”. Na sua primeira obra, intitulada Mysterium Cosmographicum, Kepler explica o sistema planetário: O Sol está no centro de uma esfera e a órbita da Terra é uma circunferência máxima desta esfera. Agora imaginamos um dodecaedro regular circunscrito a esta esfera (suas 12 faces tangenciam a esfera). Agora consideramos uma outra esfera circunscrita a este dodecaedro (esta outra esfera passa pelos vértices do dodecaedro). A órbita de marte está contida nesta esfera.

À esfera de Marte circunscrevemos um tetraedro regular e a seguir consideramos a  esfera circunscrita ao tetraedro. Nesta, teremos a órbita de Júpiter.

Imaginemos o cubo circunscrito à esfera de Júpiter e a esfera circunscrita a ele. Nesta última estará a trajetória de Saturno.

Assim ele explica as órbitas dos planetas que, em relação ao Sol, estão mais afastadosdo que a Terra. Para explicar as órbitas de Mercúrio e Vênus, que estão entre o Sol e  a Terra, ele age de modo análogo usando o octaedro (circunscrito à esfera de Mercúrio) e o icosaedro (circunscrito à esfera que envolve o octaedro – é nesta esfera que está a órbita de Vênus). A esfera correspondente à Terra circunscreve o icosaedro.*

                     

Aos olhos de quem vive no século XX, na era das viagens espaciais, as idéias de Kepler parecem, sem dúvida, bastante fantasiosas. Ele próprio as destruiu, ao descobrir, que as órbitas planetárias são elípticas.

 

     Arquitetura e poliedros  

Já vimos que as casas das abelhas são poliédricas. Nossas casas também, em geral, são poliédricas. Esquematicamente, muitas casas podem ser pensadas como combinação de paralelepípedo retângulo e prisma triangular (telhado).

As estruturas poliédricas têm muita importância na Arquitetura. Existe um livro bastante interessante, escrito por dois arquitetos brasileiros, e que revela uma série de aplicações muito interessantes dos poliedros na Arquitetura: Geodésicas & Cia, de Vitor Amaral Lotufo e João Marcos A. Lopes.[2]

A ilustração seguinte foi retirada da referida obra e mostra uma casa poliédrica.  

As geodésicas que dão titulo ao livro, são estruturas poliédricas, de faces triangulares, com todos os vértices sobre uma esfera (a esfera circunscrita ao poliedro). Existe um parque de diversões em São Paulo, o Play-Center, onde se pode ver uma bonita geodésica.

Geodésica no Play-Center (São Paulo)

 

     A geodésica gerada a partir do icosaedro.  

  Vamos imaginar um icosaedro inflável (suas faces são de plástico). Dividimos cada aresta ao meio e por estes pontos dividimos cada uma das suas 20 faces em 4 triângulos eqüiláteros.

Vamos enchê-lo de ar até que vire uma esfera.

 

  Agora os novos vértices também estão sobre a esfera e as arestas ficaram arredondadas. Vamos substituí-las por barras retas, obtendo assim uma geodésica.

Observe bem este poliedro. De todos os seus vértices partem 6 arestas? Ele é um poliedro regular?

As estruturas geodésicas vêm tendo uma importância crescente na Arquitetura. São leves, econômicas e versáteis. No dimensionamento destas estruturas, os Arquitetos usam muita Matemática!

   

     Poliedros e ... futebol!  

Nas aulas de Geometria costumamos pedir aos nossos alunos que construam poliedros de cartolina. Está é, sem dúvida, uma tarefa importante para um bom aprendizado da Geometria. Também podem ser construídos, de cartolina, o cilindro e o cone.

Dizemos então que os poliedros, o cilindro e o cone têm superfícies planificáveis.

Não podemos construir uma superfície esférica desta maneira, pois esta não é planificável. E este não é um problema que afeta somente os matemáticos. As fábricas de bola de futebol também são atingidas por ele!

Observe esta bola de futebol.

 

Trata-se de um poliedro inflado. Tal poliedro é o icosaedro truncado, que possui 60 vértices, 90 arestas e 32 faces, sendo 12 pentagonais e 20 hexagonais.

  Nos desenhos seguintes temos a planificação do icosaedro truncado.

De que maneira devemos seccionar (truncar) um icosaedro para obter aquele icosaedro truncado?

Quem diria: até chutando bola estamos envolvidos com os poliedros!


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Uma relação entre estes números é dada pelo Teorema de Euler. [2] Projeto Editores Associados Ltda, R. Cinderela, 62 – CEP 01455 – São Paulo - SP